terça-feira, 29 de junho de 2021

Por que não estou preocupado com o consumo de café

por Gideon Meyerowitz-Katz 
Fonte: blog do Gideon 
traduzido por Felipe Nogueira

Como tenho um blog de ciência e saúde, uma das perguntas mais comuns que as pessoas me fazem é sobre café. As pessoas se preocupam frequentemente se consomem café demais, porque aparentemente café faz mal para saúde, ou se consomem menos que deveriam, porque é milagroso. Há uma literatura vasta sobre os impactos do café, cafeína e bebidas relacionadas na saúde. Apesar de ser difícil resumir tudo em um artigo, a pesquisa é relativamente consistente  o café não é nem uma cura milagrosa para seus problemas, nem um veneno que está te matando lentamente. 

Aqui está a minha interpretação da evidência e por que estou tranquilo com o meu hábito de consumir 2-5 xícaras de café por dia. 

Espresso preparado pelo tradutor deste texto


Os riscos do café

A primeira parte da equação é o risco com o hábito de beber café. Vale a pena dizer que este artigo parte da ideia de um consumo médio de café pelos humanos, porque a cafeína pode se fatal em doses altas. Se você estiver bebendo menos de 10 xícaras de espresso por dia, este artigo é para você. Porém, se você estiver próximo de uma dose tóxica de cafeína com o equivalente a 40-50 xícaras em menos de 24 horas, você deveria considerar diminuir a quantidade*. 

Deixando de lado o risco de consumir uma piscina de café mensalmente, os problemas são extremamente pequenos. Há uma grande quantidade de pesquisa observacional olhando os potenciais danosos de café na saúde, já que é uma exposição bem comum. De forma geral, os riscos ou não são observados ou são relativamente mínimos. 

Por exemplo, há evidências de que um alto consumo de café (mais de 4 xícaras por dia) está associado a um maior risco de câncer de bexiga. Similarmente, mais que 4 xícaras de café por dia parece estar correlacionado, em algumas pesquisas observacionais, com maiores chances de doença cardíaca, o que pode parecer preocupante em um primeiro momento. 

Entretanto, tais estudos normalmente são bem inconclusivos. Até quando há um risco maior de câncer, ele parece existir apenas em alguns subgrupos da população (nesse caso, fumantes), além de poder não ser uma relação causal. Enquanto há um risco aumentado de doença cardíaca associado com beber MUITO café, 1-3 xícaras por dia não mostra um risco similar e pesquisas longitudinais não apoiam esse achado em muitos casos. Além disso, quando olhamos o risco de café e TODOS os cânceres, parece não existir nenhuma associação.

Quando temos evidência de estudos randomizados, a figura fica ainda mais nebulosa. Há alguns dados mostrando que café impacta seus lipídios séricos (colesterol, triglicerídeos, etc), mas é um aumento modesto e não consistente entre todos os estudos. Outras pesquisas sobre marcadores de doença cardíaca e controle da glicose encontraram resultados inconclusivos e em alguns casos até benefício (a curto prazo)

Até as recomendações mais comuns, como não beber cafeína durante a gravidez, é difícil de ser assertivo. Sim, há uma associação entre café e piores desfechos na gravidez, mas também é inconsistente: na sua maioria, foram vistos apenas com altas quantidades ingeridas de café. E pesquisas intervencionais  onde as mulheres recebem diferentes quantidades de café para beber durante a gravidez  não mostraram esses impactos. Todo mundo sabe que beber café é ruim para o sono, mas quando olhamos a pesquisa da relação entre cafeína/café e sono ruim é difícil chegarmos a uma conclusão, porque há o risco óbvio de causalidade reversa (pessoas que dormem mal bebem mais café para ficarem acordadas). 

Olhando tudo, parece que café tem um risco pequeno. Sim, há algumas questões com altos níveis de consumo, mas até esses são inconsistentes e não necessariamente causais. 

E o outro lado da moeda?   

Os benefícios do café

Este é um artigo particularmente divertido, porque o contraponto às fracas evidências dos danos relacionados ao café é um outro bando de evidências fracas dos benefícios dessa nossa bebida deliciosa. 

Por exemplo, beber café está associado com um risco inverso de câncer orofaríngeo. Café também está relacionado com um menor risco de cânceres de intestino, de fígado, de ovário, de tireoide e de pele.  Boas notícias, certo? 

Entretanto, lembre o que eu disse anteriormente  café não está ligado com um risco reduzido de qualquer câncer, apenas cânceres específicos em certos estudos e, até mesmo para esses cânceres, os resultados são bem inconsistentes em populações diferentes. Além disso, esses estudos sofrem dos mesmas limitações daqueles estudos que observam os danos  é muito difícil separar os impactos causais de estudos que essencialmente consistem em perguntar para os participantes a quantidade de café que eles bebem e, então, verificar se eles desenvolveram câncer alguns anos depois. 

Um bom exemplo disso é diabetes. O café está fortemente associado com um risco reduzido de diabetes em grandes estudos observacionais. É um resultado que foi replicado algumas vezes, com muitos mecanismos causais que podem explicá-lo. 

No entanto, quando você conduz um ensaio clínico randomizado dando café para um grupo e placebo para outro grupo, os benefícios na redução de glicose no sangue são bem pequenos e de curta duração.  Esses ensaios clínicos são bem pequenos, então é difícil termos certeza, mas é um argumento interessante de que as evidências dos ensaios clínicos não apoiam os estudos observacionais. 

Outra coisa que sempre me chama a atenção quando eu vejo esse tipo de evidência sendo discutida na mídia é que a pesquisa geralmente identifica um benefício bem pequeno oriundo de, se formos honestos, uma grande intervenção. Beber uma xícara a mais de café é pedir muito para a maioria das pessoas. Embora está correlacionado com um risco reduzido de diabetes, a redução é pequena: um risco 0,01% menor de ser diagnosticado com diabetes a cada ano. Em outras palavras, para cada 100 mil pessoas que bebem 1 xícara de café por dia, esperamos 400 novos diagnósticos de diabetes a cada ano. Se todas elas beberem uma xícara extra de café diariamente, reduziríamos para 390 os novos casos de diabetes ao ano.   

Não é um benefício tão grande quanto as manchetes sugerem. 

Escolhas

Há evidências de que o café é prejudicial, mas não são muito fortes e podem ser causadas por fatores de confusão residuais ou por problemas relacionados com o desenho dos estudos. Há evidências  de que o café é benéfico, mas não são muito fortes e podem ser causadas por fatores de confusão residuais ou por problemas relacionados com o desenho dos estudos.

Minha resposta para isso? Beba café se você quiser, não beba se não quiser. 

Claro, essa não é uma recomendação para todos. Há razões para acreditarmos que café pode ser danoso para pessoas com certas condições de saúde e para crianças. Mesmo os danos sendo pequenos, é preferível pecarmos pelo excesso de cautela. Gravidez é outra área que mesmos os riscos não sendo muito grandes, a maioria das recomendações pecam pela cautela. Até mesmo quando o risco pode não ser causal, a recomendação geral é que limitar o consumo de café até 1 xícara por dia

Se o seu médico falar para você beber menos café, a resposta óbvia é seguir a recomendação. Mas para as pessoas em geral que apenas gostam de uma ou cinco xícaras de café por dia? A evidência mostra que os benefícios e riscos provavelmente são pequenos. 

Beba café se você gosta. É isso o que eu vou fazer!

* Para os interessados, uma dose tóxica de cafeína para um adulto é por volta de 3g. Essa dose pode não ser letal, mas você se sentirá bem mal e provavelmente precisará ir para o hospital. Como o café é preparado de diferentes formas, a quantidade de cafeína por litro varia muito, mas cada shot de espresso tem por volta de 50-150 mg de cafeína. Dependendo de como você prepara o café, você pode alcançar o nível tóxico de cafeína bebendo entre 20 e 60 xícaras de café de uma vez. 

---------

Gideon Meyerowitz-Katz é um epidemiologista, escritor de ciência e aluno de doutorado na Universidade de Wollongong. Ele trabalha em Sydney com doenças crônicas, focando nos determinantes sociais que impactam a saúde. Além de escrever sobre saúde/ciência no seu blog, ele escreve regularmente para o jornal The Guardian e Observer. 

Siga o Gideon MK no MediumTwitter ou Facebook







quinta-feira, 27 de maio de 2021

“Nosso” livro sobre Medicina Baseada em Evidências

por Felipe Nogueira, Josikwylkson Costa e Bruno Robalinho


Gostaríamos de divulgar o pré-lançamento de um livro sobre medicina baseada em evidências que tivemos a honra de participar. 

O livro chama-se Manual de Medicina Baseada em Evidências. O principal autor/editor-chefe é o cardiologista e eletrofisiologista José Alencar e foi editado pela Sanar.



Nós e outros autores excelentes contribuímos na autoria de diferentes capítulos. O livro tem uma abordagem interessante, onde praticamente cada capítulo foi escrito por autores diferentes.

O livro também contou com a Natalia Pasternak, doutora em microbiologia, presidente do Instituto Questão de Ciência e grande divulgadora científica, na autoria do Prefácio.

Confira o sumário do livro:

  • Seção 1 – Fundamentos:
    • Por que precisamos de evidências? Onde encontrá-las? Quando não precisamos delas?
    • Medicina enviesada por evidências
    • A pirâmide fluida da Medicina Baseada em Evidências e o caminho de uma hipótese até a sua confirmação
    • Vieses em estudos científicos
    • A análise bayesiana dos estudos científicos
    • Estatística para quem não gosta de matemática
    • Como interpretar artigos sobre terapias?
    • Como interpretar um teste diagnóstico?

  • Seção 2 – Especialidades em evidência:
    • Cardiologia baseada em evidências
    • Endocrinologia enviesada por evidências
    • Oncologia baseada em evidências
    • Rastreamento de câncer baseado em baseado em evidências
    • Cirurgia baseada em evidências
    • Dermatologia baseada em evidências
    • Ortopedia baseada em evidências
    • Jornalismo de saúde baseado em evidências




O livro está disponível no site da editora Sanar.

Felipe Nogueira é Doutor em Ciências Médicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Mestre e Bacharel em Informática pela PUC-Rio. Divulgador de ciência com contribuições nas revistas Skeptical Inquirer, Skeptic, e Revista Questão de Ciência.

Josikwylkson Costa é estudante de medicina no Centro Universitário UniFacisa (Campina Grande – PB). CPO da EBM Academy. Integrante e colaborador do grupo Stars, filiado ao Choosing Wisely Brasil.

Bruno Robalinho é cardiologista pelo Hospital Agamenon Magalhães (HAM/SUS-PE). Cardiologista intervencionista pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Doutorando em cardiologia pelo InCor/FMUSP/UFPB

quarta-feira, 28 de abril de 2021

Mitos nas campanhas de prevenção de câncer

por Felipe Nogueira e Arn Migowski

publicado na Revista Questão de Ciência (Novembro de 2019)

Os meses de outubro e novembro são conhecidos pelas campanhas de conscientização do câncer de mama e próstata. O público escuta anualmente que, mesmo aqueles sem sinais da doença, devem realizar exames de check-up para a prevenção desses cânceres, como mamografia para o câncer de mama e PSA para o câncer próstata.  

Isso é chamado de rastreamento: a busca por uma doença através de exames em pessoas sem sintomas da doença que está sendo rastreada. O problema é que as campanhas, na realidade, desinformam o público sobre o real efeito do rastreamento. Como veremos, não apenas faltam informações sobre possíveis danos do rastreamento, como muitas vezes informações enganadoras são utilizadas.  Para piorar, estudos mostram que médicos – aqueles que deveriam ajudar as pessoas a tomar decisões sobre saúde – não estão bem informados sobre o rastreamento. 

Um dos equívocos das campanhas é começa pela a utilização do termo prevenção. Prevenir um câncer significa reduzir as chances de desenvolver essa doença. Infelizmente, esses exames de rastreamento não diminuem as chances de uma pessoa desenvolver câncer de mama ou próstata. Tal equívoco é importante, porque confunde o público: em uma pesquisa americana, 68% das mulheres responderam erroneamente que mamografia previne o câncer de mama [1]. Pior ainda, em uma pesquisa realizada com estudantes e profissionais de saúde em congressos no Brasil, 37% responderam equivocadamente que a mamografia reduz a incidência do câncer de mama [2]. 

Outra informação relevante ausente nas mensagens é que o rastreamento desses cânceres causa danos. Uma vez que estamos lidando com pessoas sem sinais e sintomas da doença, é na realidade mais fácil causar um dano, piorando a saúde dessa pessoa, do que melhorar alguém que já está saudável. 

O dano mais comum do rastreamento é o resultado falso-positivo, levando a uma ansiedade das pessoas examinadas. Por exemplo, aproximadamente 50% das mulheres americanas sem sintomas examinadas com mamografia anualmente por 10 anos receberão pelo menos um resultado falso-positivo [3]. Esses resultados muito comumente provocam ansiedade e levam a realização de outros exames. 

Mas esse não é o dano mais sério. A prática de exames de rastreamento para os cânceres de mama e de próstata em vez de reduzir (prevenir), na realidade, aumenta o número de diagnósticos de cânceres de mama e próstata. Esse excesso de diagnóstico é chamado de sobrediagnóstico - a detecção de um câncer que não é fatal e não causaria sintomas. 

Sobrediagnóstico não é um resultado falso-positivo. Um resultado falso-positivo ocorre quando um exame sugere a presença da doença, mas a suspeita não é confirmada em exames subsequentes. No caso do sobrediagnóstico, a lesão preenche os critérios patológicos do câncer. Ele só não causaria nenhum problema e, se não fosse pelo rastreamento, esse câncer não seria descoberto [4].  O dilema do rastreamento do câncer é que, no momento da detecção, não é possível prever quais casos vão evoluir ou não. Com isso, a maioria é tratada. Isso implica que, nos rastreamentos dos cânceres de mama e próstata, várias pessoas estão sendo tratadas agressivamente (com cirurgia, radioterapia, quimioterapia e terapia hormonal ou uma combinação desses tratamentos) para cânceres que nem deveriam ter sido detectados.  

Hoje sabemos que o câncer é uma doença de comportamento heterogêneo, isso é com diferentes velocidades de crescimento [4]. O rastreamento tende a detectar os casos de crescimento bem lento. Ou também aqueles que não evoluiriam ou que regrediriam. Já os casos mais agressivos, os que são mais letais, crescem tão rápido que o rastreamento não é muito útil, já que geralmente causam sintomas no intervalo entre exames. A solução não é fazer mais exames ou fazer um exame de forma mais frequente, já que isso levará a mais sobrediagnósticos, sobretratamento e resultados falso-positivos. 

Apesar do sobrediagnóstico e sobretratamento não serem mencionado nas campanhas, muitas vezes seus efeitos são enaltecidos como benefício. É frequente ouvirmos que o câncer de mama tem 95% de chances de cura se diagnosticado nas fases iniciais.  Esse número é a sobrevida em 5 anos – o percentual de pacientes vivos 5 anos após o diagnóstico –  uma medida bastante utilizada para medir o prognóstico do câncer. Porém, a sobrevida é aumentada artificialmente em pacientes que fazem o rastreamento. 

O primeiro motivo do aumento artificial da sobrevida é o sobrediagnóstico, que aumenta o número de casos da doença, assim como o número de pacientes curados. O segundo motivo é a antecipação do diagnóstico. Para que tenha sucesso, o rastreamento precisa antecipar o momento do diagnóstico. E essa antecipação aumenta artificialmente a sobrevida, porque os pacientes vivem mais tempo após o diagnóstico, mesmo quando suas vidas não foram prolongadas pelo rastreamento. Imagine o cenário onde um grupo de pacientes não rastreados são diagnosticados pelos sintomas aos 61 anos e morrem pelo câncer aos 65 anos. Como nenhum paciente viveu 5 anos após o diagnóstico, a sobrevida em 5 anos foi 0%. Agora, imagine que as pessoas rastreadas são diagnosticadas aos 59 anos, mas também morrem aos 65 anos. Note que em ambos os casos a morte pelo câncer ocorreu no mesmo momento, independente se as pessoas fizeram ou não rastreamento; ou seja, o rastreamento não prolongou a vida. Mesmo assim, a sobrevida em 5 anos aumentou para 100%.   

Por esses motivos, a sobrevida não pode ser usada como evidência da eficácia do rastreamento [5]. Não é apenas o público que é enganado pelas taxas de sobrevida. Em uma pesquisa com médicos americanos [6], 76% responderam equivocadamente que melhoras taxas de sobrevida significa que o rastreamento é eficaz. Apenas a redução da mortalidade pode mostrar que o rastreamento salva vidas. Além disso, 49% também responderam que mais casos de câncer detectados pelo rastreamento representa eficácia. Isso é um equívoco porque o rastreamento não deve diagnosticar mais casos do que seria diagnosticado; o rastreamento deve antecipar o tempo do diagnóstico. Mas isso também não é tudo: só será relevante antecipar o diagnóstico se o tratamento precoce for mais eficaz.  Já em uma pesquisa com estudantes e profissionais de saúde no Brasil [2], 95% dos participantes superestimaram os benefícios do rastreamento com mamografia em pelo menos 30 vezes. 

O Instituto Nacional do Câncer (INCA) recomenda a realização do rastreamento com mamografia a cada dois anos para mulheres entre 50 e 69 anos. Fora dessa faixa etária e periodicidade, o balanço entre riscos e benefícios é desfavorável [7]. Já para o câncer de próstata, o INCA não recomenda a realização de rastreamento, por considerar que os danos são maiores que os benefícios [8] e incluem sobrediagnóstico e sobretratamento com consequências tais como incontinência urinária e impotência sexual.

O conhecimento científico de que rastreamento causa danos existe há algum tempo. Está na hora de pararmos com as mensagens recheadas apenas de benefícios exagerados e tom agressivo e começarmos a informar corretamente a população e os profissionais de saúde. 


Termos e Mitos: 

  • Rastreamento: a busca sistemática de uma doença, como câncer de mama ou câncer de próstata, através de exames periódicos de check-up em pessoas sem sinais e sintomas da doença. 
  • Mito: não há exames capazes de prevenir cânceres de mama ou próstata. Pelo contrário, tais exames aumentam o número de diagnósticos do câncer de mama e próstata.
  • Sobrediagnóstico do câncer: a detecção de um câncer que não progrediria, não causaria sintomas e nem ameaçaria a vida do indivíduo. Um paciente com sobrediagnostico morreria por outras causas sem nem saber que tinha câncer, mas descobriu devido à realização de exames de rastreamento. 
  • Sobretratamento: uma consequência do sobrediagnóstico. É o tratamento desnecessário de pessoas que foram sobrediagnosticadas. 
  • Sobrevida em 5 anos: Percentual de pacientes vivos cinco anos após o diagnóstico. Com o aumento do número de exames de rastreamento, as sobrevidas em 5 ou 10 anos de diversos cânceres aumentaram significativamente. Não indica eficácia do rastreamento. Também não pode ser usada para comparar o sucesso de sistemas de saúde de países ou regiões diferentes. Como a aderência e frequência do rastreamento é diferente por países e até regiões, as sobrevidas tornam-se incomparáveis.
  • Mito: é sempre possível descobrir o tumor anteriormente ou que necessariamente o tumor só progrediu porque a pessoa não fez antes exame de check-up. A realidade é que casos mais agressivos não são muito ajudados pelos exames de check-up, já que provavelmente vão causar sintomas no intervalo entre exames.

É importante ficar atento aos sinais e sintomas de alerta e buscar logo atendimento médico. Isso vale também para pacientes que fazem os exames de rastreamento, já que há casos de câncer que causam sintomas no intervalo entre os exames e também casos que não são detectados nos exames de rotina. Você não deve esperar o próximo exame caso perceba alguma alteração, mesmo que tenha feito um check-up recentemente.


Referências

1. Domenighetti G, Avanzo BD, Egger M, et al. Women’s perception of the benefits of mammography screening: population-based survey in four countries. International Journal of Epidemiology. 2003 Oct; 32:816-21  

2. Migoswki A, Stein AT, Silva GA, et al. Adherence to national guidelines for early detection of breast cancer in Brazil: challenge regarding the implementation in primary health care. Conference: 21st WONCA World Conference of Family Doctors 2016.

3. Keating, NL, Pace LE. Breast cancer screening in 2018: time for shared decision making. JAMA. 2018 May 1; 319(17):1814-1815. doi: 10.1001/jama.2018.3388. doi:10.1001/jama.2018.3388

4. Carter, SM, Barratt A. What is overdiagnosis and why should we take it seriously in cancer screening? Public Health Res Pract. 2017 Jul; 27(3). doi: 10.17061/phrp2731722.

5. Migowski A. A detecção precoce do câncer de mama e a interpretação dos resultados de estudos de sobrevida. Cien Saude Colet. 2015 Apr; 20(4):1309. doi: 10.1590/1413-81232015204.17772014

6. Wegwarth O, Schwartz LM, Woloshin S, et al. Do physicians understand cancer screening statistics? A national survey of primary care physicians in the United States. Annals of Internal Medicine 2012 Mar; 156:340-9. doi: 10.7326/0003-4819-156-5-201203060-00005.

7. Migowski A, Silva GAE, Dias MBK, Diz MDPE, Sant'Ana DR, Nadanovsky P. Diretrizes para detecção precoce do câncer de mama no Brasil. II – Novas recomendações nacionais, principais evidências e controvérsias. Cad Saude Publica. 2018 Jun; 34(6):e00074817. doi: 10.1590/0102-311X00074817.

8. Instituto Nacional de Câncer. Rastreamento do Câncer de Próstata. Disponível em: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//rastreamento-prostata-2013.pdf

-----------------------------

Felipe Nogueira é Doutor em ciências médicas pela UERJ, além Mestre e Bacharel em informática pela PUC-Rio. Divulgador da ciência e do pensamento crítico com artigos publicados nas revistas Skeptical Inquirer Skeptic e no seu blog Ceticismo e Ciência. 

Arn Migowski é médico epidemiologista, Doutor em saúde coletiva pela UERJ, chefe da Divisão de Detecção Precoce do INCA e pesquisador do Instituto Nacional de Cardiologia.



sábado, 9 de janeiro de 2021

Calculando a eficácia de vacinas

 por Felipe Nogueira


Há um entendimento equivocado sobre eficácia de vacinas. Uma eficácia de 95%, por exemplo, não quer dizer que 5% dos vacinados adoeceram. 

A imagem abaixo mostra uma forma simplificada de como fazemos o cálculo da eficácia, utilizando como exemplo o estudo clínico randomizado da vacina da Pfizer/BioNTech: 



A imagem está simplificada, pois utiliza o conceito de risco relativo. Em muitos estudos randomizados, como os das vacinas para Covid-19, é utilizado análise do tempo até o evento. Em outras palavras, é levado em consideração o tempo que cada pessoa contribuiu no estudo. Por exemplo, quanto tempo os casos de Covid-19 demoraram para acontecer em cada paciente (ou quanto tempo levou até um paciente desistir). 


O importante é notar que, para uma vacina com eficácia de 78%, o desenho da imagem abaixo está errado: 


Eficácia de uma vacina é sempre calculada de forma relativa ao grupo controle (os que receberam placebo ou que não foram vacinados).