quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Jerry Coyne: "A teoria da evolução foi confirmada como verdade diversas vezes"

por Felipe Nogueira

Entrevista com Jerry Coyne
Jerry Coyne é um biólogo evolutivo, professor do Departamento de Ecologia e Evolução da Universidade de Chicago e membro dos comitês de Genética e Biologia Evolucionária. 

Coyne é um grande divulgador da evolução e ciência. Seu último livro é Why Evolution is True, onde ele mostra com clareza as diversas evidências para a teoria da evolução, além de desbancar diversos argumentos de criacionistas.  

Eu fiz uma entrevista com ele, que está disponível no Youtube. Esta é a primeira parte do texto da entrevista. Para aqueles que não sabem, hoje é o Dia de Darwin. Acho que a postagem dessa primeira parte da entrevista, onde eu converso com Coyne sobre diferentes aspectos da evolução, como concepções erradas, evidências e mecanismos, é uma boa maneira de celebrar este dia. Agradeço ao Coyne pela sua atenção e oportunidade de entrevistá-lo.  


Poderia explicar por que evolução não é apenas uma teoria?
É uma teoria e um fato. Como eu explico no meu livro, teoria na ciência tem um significado diferente daquilo que a maioria das pessoas acham. Eu acho que isso foi mencionado no debate entre Ken Ham e Bill Nye. Alguém na audiência disse que evolução é apenas uma teoria, implicando que é apenas um chute ou especulação. Na ciência, teoria é uma proposição ou uma explicação que junta vários fatos para explicar um fenômeno. Então, nós temos a teoria da gravidade ou a teoria microbiana das doenças, por exemplo. Ou a teoria atômica: matéria é feita por constituintes chamados de átomos. Átomos são fatos. Da mesma maneira, evolução é chamada de teoria, porque Darwin propôs um mecanismo explanatório para diversos fatos. Então, evolução assim como a teoria atômica ou teoria microbiana das doenças é tanto teoria quanto fato, mas teoria no sentido cientifico, que é uma explicação bem estabelecida para um diverso grupo de fenômenos. E esse talvez seja o equívoco mais perverso sobre evolução, pelo menos nos Estados Unidos. 

Você mencionou claramente no seu livro que a teoria da evolução é mais do que a afirmação de que a evolução aconteceu e inclui a explicação de como a evolução acontece. Poderia elaborar?
É uma afirmação do que aconteceu e porque aconteceu. O [paleontólogo] Stephen Gould deixou isso claro, embora ele pensava que a teoria era a explicação e o fato era a coisa em si mesma. É uma questão de gosto do que você chama teoria, mas não é uma questão de gosto de que a teoria da evolução é algo que foi confirmada como verdade diversas vezes. Isso é que importante de enfatizar quando você lida com esse equívoco.

As palavras "teoria da evolução" são equivalentes às palavras "síntese evolutiva moderna"?
A teoria da evolução que eu falo no meu livro é a que a maioria das pessoas defendem, basicamente a mesma que Darwin propôs, que envolve os elementos de evolução, transformação gradual de população (genética, apesar de que Darwin não sabia sobre genética), divisão das linhagens, então temos uma espécie que forma outras, montando uma árvore da vida, com cada par de espécies tendo um ancestral comum, e os organismos parecem que eles foram projetos, que é o resultado da seleção natural. Então essa é a teoria Darwiniana da evolução. A teoria Neo-Darwiniana é baseada em genes e há outros processos, como a deriva genética e a transferência horizontal de genes. Eles são importantes e foram confirmados como verdades, mas, para a pessoa que desacredita na evolução, o que ela desacredita é esses cinco elementos que eu mencionei. 

Qual é o equívoco mais comum sobre a evolução? 
Um que é bem comum entre crianças está relacionado com transformação instantânea da população, como se cada individuo virasse outra coisa, ao invés de uma mudança genética gradual na composição da população. Outro equívoco é que não há evidências para evolução, que não temos evidências para que um tipo de animal se torne outro animal com o passar do tempo. Mas a verdade é que há muitas evidências, as pessoas apenas não sabem.

Há o equívoco de que a evolução é apenas um processo aleatório. 
Esse é muito bom: "como tudo isso aconteceu por chance?" É facilmente desbancado se você entende o que é seleção natural, mas é um equívoco bem comum. Nos Estados Unidos, a evolução está associada com todo tipo de coisa religiosa, como se você acredita em evolução, você tem de abandonar a sua moralidade. Essa é provavelmente a razão pela qual pessoas religiosas se opõem à evolução nos Estados Unidos e talvez no Brasil também, já que é um país religioso. Eles perguntam "que base você tem para ser moral, se é apenas um ser evoluído, como um chimpanzé?". E esse equívoco vem de um entendimento errado da real origem da nossa moralidade.  

E também existe o equívoco da definição da palavra aleatória no contexto de mutação aleatória. 
As pessoas leigas não sabem que mutação é um processo aleatório, muito menos entendem o que realmente queremos dizer por processo aleatório. Queremos dizer que a ocorrência de mutações é indiferente dos seuss efeitos  no sucesso reprodutivo dos indivíduos que as carregam. Esse equívoco é provavelmente mais comum entre criacionistas mais sofisticados. Porém, não acho que seja um equívoco, acho que é intencional, algo que eles dizem para fazer as pessoas questionarem a evolução, o que é a missão deles. 

E em relação ao equívoco do elo perdido?
Esse é um equívoco do que um elo perdido realmente é. O elo perdido entre humanos e chimpanzés seria o ancestral comum entre humanos e chimpanzés. Isso é uma única espécie que se dividiu em duas populações: uma que deu origem aos hominídeos e outra que deu origem aos bonobos e chimpanzés. Geralmente não encontramos uma espécie única no registro fóssil, mas não precisamos do elo perdido para provar que humanos e chimpanzés possuem um ancestral comum. Como explico no meu livro, à medida que vamos "para trás" na linhagem humana, esperamos encontrar mais formas intermediárias (ou transitórias) que mostram um ancestral com a forma de um primata. De fato, é isso que encontramos. Ken Ham disse isso no debate com Bill Nye: "temos evidência para evolução para cachorros evoluindo em outros cachorros, mas não para um cachorro evoluindo para um gato". Mas se você olhar para os registros fósseis, você vê essas formas transitórias. Tiktalik, que foi mencionado por Bill Nye, é a forma intermediária entre peixes e anfíbios; há a forma transitória entre anfíbios e répteis, entre répteis e mamíferos. Temos fósseis também entre répteis e aves, temos uma boa coleção de fósseis temos dos dinossauros com penas. Então, temos não apenas os elos entre os maiores tipos de animais que foram previstos pela teoria da evolução como temos também elos entre tipos diferentes que a criação bíblica diz que não poderia existir. Esses fósseis desbancam absolutamente qualquer forma de criacionismo.  

E sobre as idéias dos criacionistas/defensores do design inteligente de que a asa ou olho são muito complexos para evoluírem por mudanças graduais com o passar do tempo?
Darwin foi o primeiro a lidar com o olho no seu livro A Origem das Espécies, mostrando que temos todos os degraus do desenvolvimento do olho em espécies vivas e não há problema em visionar como você vai de um desses degraus para outro. Segundo, há um artigo escrito por Nilsson and Pelger* , onde eles fizeram um modelo simples da evolução de um olho que é uma câmera complexa a partir de um olho que é uma fenda sensível à luz. Eles fizeram suposições bem conservadoras em relação às taxas de mutação, quais as pressões seletivas. Em torno de mil gerações, eles viram esse olho complexo evoluir.
A coagulação sanguínea é outra característica complexa que os defensores do design inteligente utilizam. Eles dizem "como temos essa complexa cascata de reações enzimáticas que resulta na coagulação? Não pode ter evoluído, porque, se qualquer passo intermediário for removido, o sangue não irá coagular. Então, tudo tem de estar lá e Deus que fez". Mas pequisas mostram que você pode remover certos passos intermediários e ainda ter coagulação. Não sabemos como aconteceu, porque não estávamos lá, mas não precisamos observar diretamente para rejeitar os argumentos de criacionistas de que é muito complexo para evoluir. O que você precisa é mostrar que é um cenário plausível, que cada passo tem vantagem adaptativa, mostrando que a evolução foi plausível. E fizemos isso para quase todos esses traços supostamente não passíveis de evolução e muito complexos.       

O livro O Gene Egoísta de Richard Dawkins foca na visão da evolução centrada no gene. Mas o biólogo evolutivo Ernst Mayr era um crítico dessa visão. Qual é a visão atual do alvo da seleção natural?
Quando você usa as palavras "alvo da seleção", você está de alguma maneira antropomorfizando o processo, porque a seleção não é uma força. O que queremos dizer é a unidade de reprodução diferencial que causa a evolução. De forma geral, eu acho que Dawkins está certo. Em quase todos os casos que conhecemos, podemos reconstruir o que aconteceu e ver a base da adaptação evolutiva e a sua base o gene. Resistência a inseticidas em insetos é uma resistência contra inseticidas de organofosfato e em muitos casos é o mesmo gene. Podemos localizar onde está a lesão ocorrida no gene que está causando a resistência. Em muitos casos, é exatamente a mesma mutação em insetos diferentes. Nesse caso e em muitos outros, a seleção iniciou no nível do gene.
Mas há outros possíveis alvos de seleção. Muitos argumentam que a seleção de grupo, onde é o grupo que tem a reprodução diferencial, é uma alternativa viável. Isso tem sido usado para explicar algumas coisas desde da evolução do altruísmo até sexo. Primeiro, grupos não proliferam e são extintos como o indivíduo. Segundo, não consigo pensar em uma adaptação que é boa para o grupo, mas ruim para o indivíduo, que é o que se espera se a seleção de grupo ocorre sobrepondo a seleção individual. E eu acho que Dawkins está bem certo: a coisa que tem de mudar para ocorrer evolução é o gene, mas faz isso afetando o sucesso reprodutivo dos indivíduos que carregam tal gene. Você pode pensar que o gene é o replicador e o indivíduo cuja reprodução é afetada pela interação com o ambiente como o veículo para o gene. 

Mayr era crítico da definição de evolução "mudança na frequência dos genes".      
A maioria das pessoas considera evolução como mudanças observáveis nos organismos com o passar do tempo, como dinossauros evoluíram para pássaros. Mas, é claro, que isso significa que houve uma mudança na frequência dos genes. Prefiro olhar para evolução como a mudança na frequência dos genes, porque certas mudanças nos fenótipos com o passar do tempo não são o que chamamos de evolução. Por exemplo, a população Japonesa cresceu pelo menos 6 polegadas em altura, desde da 2ª Guerra Mundial, por causa de melhorias na nutrição. Não acho que chamamos isso de evolução. Algumas pessoas iriam chamar, porque elas acham que evolução é mudança. Mas para evolução biológica, que é o que estamos falando, temos que ir até o nível do gene, porque o aumento na altura dos japoneses não é evolução biológica. Acho que Mayr estava discutindo semântica, porque, afinal, ele admitiu explicitamente para mim que não sabia nada sobre genética populacional. Então, ele preferiu uma definição que era mais compatível com a área dele, que era a mudança dos fenótipos. 

Você mencionou outros mecanismos além da seleção natural, como a deriva genética. Há também seleção sexual. Qual é a importância deles? 
Seleção sexual é seleção natural; é uma forma específica de seleção natural que envolve acasalamento. Eu não separo isso de seleção sexual, mas algumas pessoas tentaram fazer isso. E.O.Wilson tentou chamar de um processo evolutivo separado. Mas não é; é a mesma coisa. A deriva genética é a mudança aleatória na frequência dos genes devidos a diferenças reprodutivas estocásticas, tais como a diferença na proporção do sexo, e diferença no número de prole, que não estão relacionadas com aptidão. É provavelmente importante na evolução molecular, porque há muitas características na evolução molecular que suas mudanças não afetam aptidão, como as partes do DNA que não fazem nada, o que é conhecido como "DNA lixo". Então, mudanças genéticas nessas regiões provavelmente vão evoluir apenas por deriva genética, porque não podem afetar o sucesso reprodutivo dos indivíduos que os carregam. No contexto de evolução de fenótipos, é difícil provar que uma característica evoluiu por deriva genética ao invés de seleção, dado que uma pequena vantagem seletiva pode causar mudanças ao longo de milhões de anos e é possível medir isso. A frequência mais alta de genes deletérios em populações humanas como Dunker e Amish e a frequência mais alta de genes causadores de doenças em judeus Ashkenasi podem ser atribuídos a deriva genética. Mas é difícil dar exemplos desse processo operando em características observáveis dos organismos. Provavelmente opera, só não temos bons exemplos disso. Há também distorção de segregação (meiotic drive), onde há duas cópias diferentes do mesmo gene e, no momento em que óvulos e espermas são feitos, uma delas mata a outra e isso é representado na próxima geração. Mas você pode pensar nisso como um tipo seleção, embora não seja uma seleção adaptativa; é a reprodução diferencial do gene que não torna os indivíduos que os carregam mais aptos e, na verdade, pode extinguir populações. Então, as duas grandes forças da evolução são a força determinística da seleção natural e a força aleatória da deriva genética. 

Algumas pessoas acreditam que as únicas evidências para evolução é o registro fóssil. Mas mesmo sem o registro fóssil evolução é verdade. Quais são as outras maneiras de corroborar evolução? 
Eu acho que o Dawkins fez esse argumento. Temos evidências suficientes de outras áreas que podemos documentar a evolução sem o registro fóssil. Temos a evidência de que os organismos são relacionados; os dados embriológicos, que só fazem sentido sob o foco da evolução; os dados biogeográficos, que eu descrevo no meu livro, é evidência bem poderosa para evolução; órgãos vestigiais; a existência de genes vestigiais, o genoma humano tem genes para a produção de gemas de ovo e não fazemos gema de ovo, esses genes foram desativados. A explicação para isso é que evoluímos de organismos que originalmente produziam gemas de ovos. Dez anos depois de Darwin, quase todo biólogo e pessoa leiga racional aceitou evolução e não havia nenhum registro fóssil que mostrava a evolução. Mas, para muitas pessoas, o registro fóssil é a evidência mais convincente. Quando é possível mostrar um fóssil de um dinossauro com pena, esse tipo de evidência é bem convincente. 

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* Esse artigo é “A Pessimistic Estimate of the Time Required for an Eye to Evolve” de autoria de Dan-E. Nilsson e Susanne Pelger publicado em Proceedings of The Royal Society of London, Series B, 256, 53-58, 22 de Abril de 1994. 
O resumo do artigo está disponível em: http://rspb.royalsocietypublishing.org/content/256/1345/53.abstract.



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