quarta-feira, 18 de julho de 2012

O que é o bóson de Higgs?

por Felipe Nogueira Barbara de Oliveira


"There is real poetry in the real world. 
Science is the poetry of reality." 
Richard Dawkins

No dia 4 de julho, foi divulgada a notícia de que o bóson de Higgs pode ter sido encontrado no LHC (Large Hadron Collider), o maior colisor de partículas do mundo. Mas o que é o bóson de Higgs? 

Em 1687, no seu livro Principia, Isaac Newton publicou suas leis de movimento e sua lei da gravitação universal. As leis de Newton, que ficaram conhecidas como mecânica newtoniana, podem ser usadas para calcular a órbita da Lua e de planetas distantes e elas previram a existência de Netuno. No entanto, observações das partículas atômicas e subatômicas não eram consistentes com a mecânica newtoniana.

Esse problema é resolvido pela mecânica quântica, que começou a ser criada por volta de 1900 com a idéia proposta por Max Planck de que a energia é radiada e absorvida em elementos discretos, chamados de quanta. Utilizando essa idéia, Einstein também contribuiu para o início da mecânica quântica com a publicação de um artigo em 1905, no qual postulou que a luz é formada por partículas individuais. Até 1930, diversos cientistas contribuíram para criação das leis da mecânica quântica, entre eles Bohr, Heinsenberg, Schrödinger e Dirac.

Um dos princípios da mecânica quântica é a dualidade onda-partícula, que diz que todas partículas comportam-se tanto como ondas ou como partículas. Outro fundamento central da mecânica quântica é o princípio da incerteza de Heisenberg: quanto mais precisamente se sabe a posição de uma partícula, menos precisamente se sabe a sua velocidade, e vice-versa. Bem diferente da mecânica newtoniana, onde o estado futuro de um corpo em movimento pode ser previsto com certeza, a mecânica quântica apenas prediz probabilidades para os diferentes estados futuros de uma partícula. Por mais absurdo que possa parecer, as previsões feitas pela mecânica quântica são todas confirmadas experimentalmente com altíssima precisão.

Para descrever corretamente o nível atômico e subatômico, é necessário descrever as leis naturais de forma quântica. As teorias que fazem isso são chamadas de teorias quânticas de campo. De acordo com a física clássica, forças são transmitidas por campos. Mas, nas teorias quânticas de campo, os campos de força são contituídos de partículas transmissoras de forças, chamadas de bósons. Quatro forças da natureza são conhecidas: gravidade, eletromagnetismo, força nuclear forte e força nuclear fraca. O eletromagnetismo, que classicamente é descrito pelas equações de Maxwell, foi a primeira força a ganhar uma versão quântica, chamada de QED (quantum electrodynamics), o que rendeu o prêmio Nobel de 1965 aos físicos Richard Feynman, Tomonaga e Schwinger.

Já a versão quântica da força fraca, simplificadamente, só foi possível através da unificação da força fraca e eletromagnetismo na força eletrofraca, que previu a existência dos bósons W e Z.  Finalmente, a força forte, responsável por manter quarks unidos dentro de prótons e nêutrons, é descrita pela QCD (quantum chromodynamics). Uma característica incrível da QCD é que, quanto mais perto estão os quarks, menor é a interação entre eles proveniente da força forte.

As teorias eletrofraca e QCD junto com as descrições das partículas existentes são agrupadas no Modelo Padrão (Standard Model). Conforme mostra a figura a seguir, 17 partículas são descritas pelo Modelo Padrão. As partículas são divididas em fermións e bósons. Os férmions, ou as partículas de matérias, são classificados de acordo com as forças que interagem: se interagem com a força forte, são chamados de quarks; se interagem com a força eletrofraca, são chamados de léptons. Já os bósons, como mencionado, são partículas mediadoras das forças: gluón para força forte, W e Z para força fraca, e fóton para o eletromagnetismo.
O problema é que enquanto algumas partículas possuem massa, como o elétron e os bósons W e Z, outras partículas tem massa igual a zero, como o fóton e o gluón. O campo de Higgs é a explicação para essa disparidade de massas entres as partículas do Modelo Padrão. A massa das partículas é proveniente da interação com o campo de Higgs, que está presente em todo lugar; quanto mais uma partícula interage com o campo de Higgs, mais pesada ela é. Por exemplo, o fóton, que não tem massa, não interagiu com o campo de Higgs.

Esse mecanismo de Higgs, a forma como as partículas ganham massa, pode ser explicado simplificadamente através da seguinte analogia. Suponha uma sala com diversas pessoas. Quando uma pessoa desconhecida chega na sala, o grupo não vai dar importância, nem notando que uma pessoa chegou e ela atravessará a sala com facilidade. No entanto, conforme ilustra a próxima figura, se uma celebridade mundialmente conhecida, como Richard Dawkins, chegar na sala, as pessoas notam e se aglomeram em volta de Dawkins querendo cumprimentá-lo. O caminhar de Dawkins pela sala é dificultado pelas pessoas em volta dele, como se ele fosse mais pesado. Relembrando que em teoria quântica de campo bósons são portadores de forças, o bóson de Higgs é o mediador do campo de Higgs, assim como o fóton é o mediador do eletromagnetismo, ou como o gluón é o mediador da força forte. Na analogia, as pessoas da sala formam o campo de Higgs, então cada pessoa representa um bóson de Higgs. A pessoa desconhecida é uma partícula que não interagiu com o campo de Higgs, como o fóton, e, por isso, não tem massa. Já Richard Dawkins representa uma partícula que interagiu com o campo de Higgs, como as partículas W e Z, e por isso tem massa.

Com exceção do bóson de Higgs, todas as demais partículas do Modelo Padrão foram encontradas em aceleradores de partículas. O problema em encontrar o bóson de Higgs é que altíssima energia é necessária  e ele decai em outras partículas muito rapidamente. Por essa grande dificuldade, o ganhador do prêmio Nobel Leon Lederman tinha em mente o nome The Goddam Particle (A Maldita Partícula) para o seu livro sobre esse bóson. O editor do livro insistiu para que as letras dam fossem removidas do título e o nome do livro tornou-se The God Particle, que em português significa A Partícula de Deus. No entanto, o bóson de Higgs nada tem a ver com Deus, ou algum ser sobrenatural. 

Resultados independentes de duas equipes de cientistas confirmam que foi detectado no LHC um novo bóson que tem características em comum com o bóson de Higgs descrito no Modelo Padrão. No entanto, isso ainda não significa que o bóson encontrado é justamente o bóson de Higgs; mais análises são necessárias para entender o que é o novo bóson. Se for mesmo o bóson de Higgs, todas as previsões feitas pelo Modelo Padrão estarão corretas; o Modelo Padrão consagra-se, até agora, como a melhor descrição de como o Universo funciona. Mas isso não é o final da história para compreensão do Universo, longe disso: o Modelo Padrão não inclui a gravidade.

Além de não explicar corretamente a natureza atômica e subâtomica, a lei da gravidade de Newton também falha em escalas muito grandes. Na realidade, o modelo corrente da gravidade é a teoria da Relatividade Geral, proposta por Einstein. O que sentimos como gravidade é, na verdade, a curvatura do espaço-tempo provocada por massa ou energia, conforme mostra a figura a seguir.

Um dos grandes problemas da física é que ainda não há uma versão quântica da teoria da relatividade geral. Além disso, o que diversos físicos buscam é uma teoria que unifique todas as forças da natureza, o que Einstein chamou de theory of everything, teoria de tudo.

O problema inicial de uma teoria quântica da gravidade é que, abaixo da escala atômica, a gravidade é bem mais fraca que as demais forças e seus efeitos só tornam-se significativos em escalas muito pequenas, escalas menores que a constante de Planck. O nível de energia necessário para explorar essa pequenina escala é altíssimo e está longe do alcance de qualquer acelerador de partículas já construído. Até o momento, o que domina a busca pela gravidade quântica e unificação das forças da natureza é a teoria das Supercordas, ou teoria-M, que descreve as partículas não como "pontos", mas como cordas vibratórias. No entanto, a teoria-M não é apenas uma única teoria, mas cinco diferentes e não inclui o estabelecido Modelo Padrão. A teoria-M também é criticada ferozmente por físicos renomados como Lawrence Krauss, Lee Smolin, Peter Woit e o ganhador do prêmio Nobel Sheldon Glashow pela falta de previsões testáveis.

Se o bóson de Higgs foi realmente encontrado, essa será a maior descoberta científica dos últimos anos. O Modelo Padrão ficará, definitivamente, estabelecido. No entanto, isso ainda não é o fim da busca pela compreensão das leis mais fundamentais do Universo. Nessa busca, a única coisa que importa é a verdade, não importa o quão estranha ela seja. Ou seja, as teorias precisam ser refutáveis, elas precisam fazer previsões que possam ser testadas por experimento ou observação. É justamente isso que separa o certo do errado; é o que separa teorias científicas de meras opiniões, ou de crenças pessoais.



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Agradeço ao físico Daniel da Costa Bezerra pela revisão do texto. O blog dele é: http://otelhado.wordpress.com/