domingo, 22 de setembro de 2013

Paul Offit: "Ciência não tem nada a ver com ser mente aberta"

por Felipe Nogueira Barbara

Entrevista com Paul Offit
Paul Offit é um pediatra americano, chefe da Divisão de Doenças Infecciosas do Children's Hospital of Philadelphia (Hospital da Criança da Filadélfia) e foi co-inventor da vacina do rotavírus. Ele já escreveu livros sobre a importância das vacinas, além de esclarecer os riscos, que são frequentemente mal compreendidos pela população. Como exemplo, várias pessoas acreditam que a vacina MMR ou tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola) causa autismo. No entanto, essa suposta relação já foi cientificamente analisada e sabemos que está errada.

Este ano ele lançou o livro Do You Believe In Magic? The Sense and Nonsense of Alternative Medicine, onde analisa criticamente a medicina alternativa.  Eu já traduzi um de seus textos, sobre o perigo do uso excessivo de suplemento de vitaminas, disponível aqui

Eu fiz uma entrevista com ele, que está disponível no Youtube. A entrevista será dividida em dois posts. Este é o primeiro. 

Quando exatamente começou o movimento de anti-vacinação?
Acho que começou com a primeira vacina. A vacina da varíola, que foi desenvolvida por Edward Jenner no final do ano 1700. Houve uma violenta oposição a essa vacina logo no início do ano 1800 e a razão disso é que a vacina era obrigatória. As pessoas não gostam de ouvir do governo que elas precisam de vacina. Então, isso aconteceu com a primeira vacina e é verdade hoje. Se você conversar com os profissionais da anti-vacinação, como National Vaccine Information Center, Moms Against Mercury, Safeminds, Generation Rescue, eu acho que eles parariam o movimento da anti-vacinação se as vacinas fossem opcionais.

Vacinas podem causar complicações mais sérias. Por exemplo, existe uma associação da Síndrome de Guillain-Barré com a vacina da gripe? Qual é esse risco real ?
Eu acho que pode ser dito com confiança que a vacina para gripe suína usada em 1976 tinha um risco de causar Síndrome de Guillain-Barré em 1 de 100.000 pessoas vacinadas. Não está claro se as vacinas usadas depois disso causam Guillain-Barré. Mas o limite da detecção é 1 por milhão. Então, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças  e outros grupos que tentaram caracterizar isso afirmam que não podemos dizer que é mais comum do que 1 por milhão. As pessoas tem essa vaga noção que vacinas podem causar Síndrome de Guillain-Barré e desde da vacina da gripe suína de 1976 não há evidência clara para isso.

Se uma vacina causa um sintoma, a doença que essa vacina tenta prevenir normalmente causa o mesmo sintoma com maior risco. Você poderia comentar sobre isso?
O melhor exemplo para isso é trombocitopenia, que é baixa quantidade de plaquetas. A vacina de sarampo pode causar trombocitopenia. Há alguns estudos que foram consistentes e reproduzíveis. A vacina de sarampo causa trombocitopenia de 1 a cada 25.000 até 1 cada 30.000 vacinados. O vírus do sarampo também faz isso e é muito mais comum. Uma pessoa vacinada para catapora pode ter um leve rash em 8 até 12 dias depois de ser vacinada o que é consistente com menos de 5 bolhas, mas às vezes pode causar 30 bolhas, mas se alguém pegar a catapora pode ter de 300 a 500 bolhas.         

Sabendo que a vacina MMR (tríplice viral) não causa autismo, o quanto você acha perigoso divulgar informação não corroborada pela ciência?
Eu gostaria de ter a resposta para isso. Eu acho que, uma vez que você assusta as pessoas, é difícil desassustá-las. Quando se abre a caixa de pandora, é difícil fechá-la. Quando essa pergunta foi levantada por Andrew Wakefield em 1998 com a sua publicação no Lancet, aquilo não era um estudo, era apenas uma série de casos de 8 crianças que foram vacinadas e desenvolveram sintomas de autismo em 1 mês. Não era um estudo, era apenas uma série de casos. Subsequentemente, foram feitos 12 estudos com um grupo grande de pessoas que receberam e não receberam a vacina para responder a pergunta "você tem maior risco de desenvolver autismo se for vacinado?". A resposta foi bem reproduzível: não. Mas como você convence as pessoas? Em um lado, eu acho que as pessoas se convencem muito mais por anedotas do que por estatística. Então, se a Jenny McCarthy for na Oprah e dizer chorando "eu vi o meu filho receber essa vacina, eu vi a alma dele sair pelos olhos", é muito convincente. Um cientista no programa diria "ok, pergunta justa: pode a vacina ter causado o autismo? Quando foi vacinado estava bem, agora tem sintomas de autismo. Isso é uma relação de causa e efeito? Isso é apenas um efeito temporal? Ou é um efeito plausível?" Você pode responder essa pergunta. É uma pergunta científica. Pode ser e foi respondida de forma cientifica. Mas como você convence as pessoas com a ciência? E como você supera anedota com a ciência? E a mídia tem um papel fundamental e eles não são bons nisso.

E em relação a sua história com urologistas, PSA e câncer de próstata? Se a maioria dos homens com câncer de próstata morrem com ele e não por causa dele, temos de pesar os benefícios e os riscos da remoção da próstata. 
Sim. Eu fiquei trocando de urologistas, porque os urologistas que eu estava indo continuavam com a noção de repetir exames de PSA e biópsias. Há morbidade associada a isso. Meu pensamento era achar um urologista que estivesse praticando medicina consistente com a evidência de que PSAs e biópsias não estão associados com maior duração da vida de homens americanos. Muitos PSAs e biópsias significam muito dinheiro para os urologistas e eles estão vivendo disso. Foi bom poder achar um urologista disposto a praticar medicina baseada na evidência. Eu vi um artigo que saiu há poucas semanas no New England Journal of Medicine que comparou as pessoas que tomaram finasterida com quem não tinha tomado. O estudo encontrou, nas pessoas que tomaram finasterida, uma menor incidência de câncer de próstata que é improvável de matar, os mesmos tipos que causam altos níveis PSA, que são chamados de neoplasia intraepitelial prostática tipo I e II. Isso é improvável de matar. O problema acontece quando o câncer chega no terceiro estágio. Como os urologistas frequentemente vão perseguir diagnósticos com contínuos níveis de PSA e biópsias, a finasterida diminui o risco de alguém passar por isso. De qualquer maneira, é um sistema falho, por todas as biópsias que foram feitas, por todos os PSA que foram feitos, não estão associados com maior duração da vida de homens americanos. Mas isso é uma boa forma de fazer dinheiro para os urologistas. Então, acho que eles não irão desistir.

Qual a sua opinião sobre estudantes medicina serem ensinados em faculdades de medicina disciplinas não científicas?
Eu acho criminoso. Eu recebi um e-mail de um aluno da Universidade do Estado de Nova York do terceiro ano da faculdade de medicina. Ele disse que ele teve uma palestra de um homeopata, que explicou que a água pode lembrar que havia uma substância ativa no passado, o que não faz o menor sentido. Então, ele escreveu uma carta para o reitor da medicina dizendo que ele estava ofendido por um homeopata ter lecionado na faculdade medicina, que deveria ser baseada em evidência e não mística. O reitor respondeu que ele deveria ser mais mente aberta. Bem doloroso. Isso não tem nada a ver com ser mente aberta; é tudo sobre evidência. Ciência não tem nada a ver com ser mente aberta; ciência é formar uma hipótese, estabelecer ônus da prova, e submeter essas provas a análises estatísticas. Não tem nada a ver com política, com ser mente aberta. Eu pensava que o reitor da faculdade medicina saberia isso, mas ele não sabia.

Pode ser dito que quem não estava sendo mente aberta era o reitor da faculdade de medicina, por não aceitar que homeopatia não funciona.
Devido ao efeito placebo pode funcionar. Às vezes, você toma algo que acha que vai funcionar e acaba funcionando simplesmente porque acha que é verdade. O efeito placebo não é trivial. É um efeito real, que pode ter uma base fisiológica. Eu falo sobre isso no último capítulo do meu livro. As pessoas podem aprender a liberar as neuro-endorfinas e regular o sistema imune.

As pessoas normalmente mencionam para mim que não é bom ser tão cético. Elas acreditam a priori que ser cético é ruim. Você tem problemas com isso também?
É verdade. Quando eu fiz cirurgia no joelho, meu cirurgião me orientou no momento da recuperação que eu tomasse sulfato de condroitina e glucosamina. Mas se olhar os dados, sulfato de condroitina e glucosamina não fazem nada para promover recuperação, não fazem nada para diminuir a inflamação e dor. E há estudos mostrando que eles não fazem nada para dor da osteoartrite. Eu tinha lido esses estudos e não conseguia me convencer que deveria tomá-los. Alguém pode argumentar que se eu pensasse que isso iria remover a minha dor, eu não precisaria tomar anti-inflamatório não-esteroide ou um anti-inflamatório COX-2. É caro, mas não iria me fazer mal. Então, alguém pode argumentar isso. Mas eu não compartilhava esse sistema de crença. Na teoria, ciência não deveria ser um sistema de crença; é baseada em evidência. E a evidência não estava lá para isso.

Poderia fornecer exemplos de práticas usadas na medicina alternativa que sabemos funcionar? 
Há um remédio antigo chinês baseado na planta artemísia para tratar malária. Nessa planta artemísia, há uma substância ativa, que hoje chamamos de artemisinina, que tem atividade anti-malárica. As pessoas tinham o hábito de mastigar a planta dedaleira, que contém digitalis. Hoje sabemos que há digitalis nessa planta e podemos sintetizar drogas como digoxina. Uma medicina alternativa pode virar medicina convencional, ortodoxa. Mas isso tudo pode ser estudado, entendido; não precisamos olhar para os deuses para explicar porque certas coisas funcionam. Quando as coisas não funcionam, temos de aceitar o fato de que não funcionam. Então, não existe isso de medicina alternativa: se uma medicina alternativa funciona, então é medicina; se não funciona, não é alternativa.

E em relação a erva-de-são-joão para depressão?
Há estudos que comparam a erva de são joão com placebo para depressão leve a moderada e pode ser dito que a evidência apoia o uso da erva de são joão. Certamente, erva de são joão é melhor que placebo para depressão severa. O problema com essa indústria é: o que é erva de são joão? Como é uma indústria sem regulamentação, é difícil comparar um estudo com outro, porque não há garantia do que um produto contém é similar ao que contém em outro produto. Por exemplo, quando alguém chega no nosso hospital com malária, não usamos cinchona como fonte de quinina; usamos quinina de uma companhia regulamentada pela FDA. Então, sabemos exatamente a dosagem. Se algum psiquiatra no nosso hospital quiser usar erva de são joão por causa da evidência existente, teríamos problema com isso porque não saberíamos se o que está no produto é o que está descriminado no rótulo e isso tem sido historicamente verdade nos Estados Unidos. O rótulo reflete sem acurácia o que está dentro do suplemento. Isso precisa ser regulamentado. Erva-de-são-joão funciona para depressão, então uma empresa deveria fazer e ser regulamentada pela FDA e saberíamos o que estamos dando aos pacientes.




   



                    





quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Padronicidade

por Michael Shermer
Tradução: Felipe Nogueira Barbara
Fonte: MichaelShermer.com

Substantivo. A tendência de encontrar padrões significativos em dados insignificativos.

Por que as pessoas vêem rostos na natureza, interpretam manchas em janelas como figuras humanas, escutam vozes em sons aleatórios gerados por dispositivos elétricos ou encontram conspirações em noticias do cotidiano? Uma causa imediata é o efeito priming, no qual nossos cérebro e sentidos estão preparados para interpretar estímulos de acordo com um modelo esperado. Ufólogos [adeptos da Ufologia] vêem um rosto em Marte. Religiosos vêem Virgem Maria na lateral de um prédio. Adeptos da paranormalidade escutam pessoas mortas falando com eles através de um receptor de rádio. Teóricos da conspiração acham que 11/9 foi um trabalho interno da administração do Bush. Há uma última e profunda causa pela qual as pessoas acreditam nessas coisas estranhas? Existe. Eu chamo de "padronicidade", ou a tendência de encontrar padrões significativos em dados insignificativos.

Tradicionalmente, cientistas tratam padronicidade como um erro na cognição. Um erro do tipo I, ou um falso positivo, é acreditar que algo é real quando não é (encontrar um padrão não existente). Um erro do tipo II, ou um falso negativo, é não acreditar que algo é real quando é (não reconhecer um padrão real). No meu livro How We Believe, publicado em 2000, argumentei que nosso cérebro é uma máquina de crença: evoluída máquina de reconhecimento de padrões que conecta os pontos e cria significado a partir de padrões que pensamos ver na natureza. Algumas vezes, A realmente está conectado com B; algumas vezes, não está. Quando está, aprendemos alguma coisa valiosa sobre o ambiente e a partir disso podemos fazer previsões que auxiliam na sobrevivência e reprodução. Somos descendentes daqueles que eram os melhores em encontrar padrões. Esse processo é chamado de aprendizado por associação e é fundamental para o comportamento de todos animais, desde do humilde verme C.Elegans até o H. Sapiens.     

Infelizmente, não desenvolvemos uma Rede de Detecção de Mentiras no cérebro para distinguir entre padrões verdadeiros e falsos. Não temos um detector de erros para modular a máquina de detecção de padrão (Logo, a necessidade da ciência com seus mecanismos auto-corretivos de replicação e revisão de pares). Mas é provável que essa cognição errônea não nos remova do pool genético e então provavelmente não foi contra-selecionada pela evolução.

Em um artigo publicado em Setembro de 2008 em Proceedings of the Royal Society B, intitulado "The Evolution of Superstitious and Superstition-like Behaviour" [A Evolução de Comportamentos Supersticiosos e Similares à Superstição]*, o biólogo Kevin R. Foster, da Universidade de Harvard, e a bióloga Hanna Kokko, da Universidade de Helsinque, testaram minha teoria através de modelos evolucionários e demonstraram que, sempre que o custo de acreditar em um padrão não existente for menor que o custo de não acreditar num padrão real, a seleção natural favorecerá padronicidade. Eles começam com a fórmula pb > c, onde uma crença pode ser mantida quando o custo (c) de fazer isso é menor que a probabilidade (p) do benefício (b). Por exemplo, acreditar que um ruído na grama é um predador perigoso quando é apenas o vento não tem um alto custo, mas acreditar que um predador perigoso é o vento pode custar a vida do animal. 

O problema é que somos muito ruins em estimar essas probabilidades, então o custo de acreditar que o ruído na grama é um predador perigoso quando é apenas o vento é relativamente baixo comparado com o oposto. Então, deve ter existido uma seleção benéfica para acreditar que a maioria dos padrões é real. Através de uma série de fórmulas complexas que incluem estímulos adicionais (vento nas árvores) e eventos prévios (experiências passadas com predadores e ventos), os autores concluíram que "a inabilidade dos indivíduos - humanos ou não - para atribuir probabilidades causais para todos os conjuntos de eventos que ocorrem ao redor deles frequentemente os forçará a juntar associações causais com não causais. Com isso, a explicação evolucionária para superstição é clara: a seleção natural favorecerá estratégias que podem fazer muitas associações causais incorretas com o objetivo de estabelecer aquelas que são essenciais para a sobrevivência e reprodução".

Apoiando um modelo de seleção genética, Foster e Kokko observam que "predadores apenas evitam cobras não venenosas que mimetizam espécies venenosas em áreas onde a espécie venenosa é comum", e que até organizamos simples como "células de Escherichia Coli vão nadar em direção a aspartato metilado fisiologicamente inerte presumivelmente devido a uma adaptação para favorecer o aspartato verdadeiro".

Tais padronicidades, então, querem dizer que as pessoas acreditam em coisas estranhas por causa da nossa necessidade evolucionária de acreditar em coisas que não são estranhas.

* Nota do Tradutor: O artigo pode ser encontrado aqui.