sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

O que a Ciência diz sobre Deus?

por Felipe Nogueira Barbara de Oliveira
  
Alguns teólogos e religiosos dizem que a ciência nada pode falar sobre Deus, já que a ciência estuda o mundo natural e Deus faz parte do mundo sobrenatural. Há problemas com tal separação. Primeiro, se Deus é uma entidade completamente sobrenatural, não tem como ele interferir na vida dos seres humanos, que residem no mundo natural. Mas quando Deus atende uma prece e salva uma vida, há uma intervenção direta no mundo natural, que é passível de investigação pela ciência. Aliás, uma pergunta extremamente válida é justamente de que maneira Deus atua, por exemplo, nas partículas de um tumor para reduzir seu tamanho? Em segundo lugar, essa separação é totalmente arbitrária. Por que a realidade é, obrigatoriamente, separada em duas? Não podemos pré-definir o que é a realidade, não podemos forçar a realidade a encaixar com nossas crenças. São as nossas crenças que devem ser adaptadas de acordo com as evidências da realidade. Ciência é justamente a maneira de interrogar como a realidade funciona.

Na história da humanidade, acreditamos em diversos deuses diferentes. À medida que o nosso conhecimento sobre o funcionamento do Universo foi aumentando, o papel de Deus (ou deuses) nas explicações foi diminuindo. Porém, muitas pessoas acreditam, pelo menos, em uma forma de criacionismo.


Antes de Charles Darwin publicar A Origem das Espécies, dominava a crença de que Deus tinha criado as espécies de forma independente. O teólogo William Palley fez a seguinte analogia: assim como a complexidade do design de um relógio nos leva à conclusão de que ele possui um criador, o mesmo pode ser dito em relação ao olho humano, por exemplo. Palley argumentou que "todas as manifestações de um design que existem no relógio existem também nas obras da natureza..."Para Palley, Deus tem função similar de um relojeiro; Deus é o criador inteligente da complexidade observada na natureza.  No entanto, Charles Darwin e Alfred Russel Wallace mostraram que, na realidade, não há nenhum criador; a complexidade observada é explicada pela seleção natural. Diferente de um relojoeiro, que projeta suas engrenagens e molas imaginando o resultado final, a seleção natural é um processo cego, inconsciente e automático. A seleção natural, como cunhou Richard Dawkins, é o relojoeiro cego. A Teoria da Evolução mostra que partindo de uma forma de vida bem básica, como uma molécula auto-replicadora, é possível atingir a complexidade de um indivíduo humano.

O criacionismo de Palley, o que eu chamo de criacionismo biológico, já deveria ter caído em total desuso. A Evolução é suportada por uma convergência de evidências de sete diferentes áreas da biologia e não possui nenhuma evidência contrária. Religiosos (principalmente criacionistas, nesse caso) repetem que a evolução é "apenas uma teoria". Evolução é uma teoria, assim como a gravidade. Espero que as pessoas não se joguem de prédios afirmando que a gravidade é "apenas uma teoria". A Evolução é uma das teorias cientificas mais testadas e corroboradas; a evolução é tão verdade quanto, por exemplo, a afirmação de que a Terra orbita o sol.  Alguns religiosos afirmam aceitar a evolução, mas dizem que ela foi guiada por Deus. Mas isso não   é a teoria da evolução; é uma adaptação errada da ciência para encaixar crenças pessoais.  No entanto, ainda há lacunas no conhecimento para a hipótese de Deus como explicação. A evolução não explica a origem da vida, um problema da química ainda sem solução, e ainda  há o criacionismo cosmológico, onde Deus criou o universo.

Em qualquer tipo de criacionismo, a explicação que Deus criou o universo e/ou a vida não é satisfatória, já que postula-se uma entidade mais complexa (Deus) do que aquelas que desejamos explicar. Deus, de acordo com diferentes religiões, é uma entidade que comunica-se com um vasto número de pessoas em todos os idiomas possíveis, intervem simultaneamente na vida de várias pessoas, etc. O que eu quero dizer é: se a complexidade do olho humano precisa de explicação, a complexidade de Deus também; se o universo e/ou os seres vivos foram criados por Deus, quem criou Deus? A usual resposta que religiosos fornecem para essa pergunta é que Deus sempre existiu e não foi criado. Para dizer isso não é necessário postular Deus, basta dizer que o universo (ou a vida) sempre existiu e não foi criado.

Uma das mais interessantes idéias que aprendi na ciência pode estar relacionada com a criação do universo. Espaco vazio, isto é espaço sem matéria, não é totalmente vazio. Diversas partículas e anti-partículas são criadas "do nada", elas se chocam e deixam de existir. Tudo isso ocorre muito rapidamente. Esse fenômeno, chamado de flutuação quântica, foi observado independentemente em diferentes experimentos. A hipótese é que, em determinadas condições, esse conjunto de partículas "virtuais" poderiam aparecer do nada, mas não desaparecer, permitindo a criação de um ou até mais universos. Como explicam os físicos Hawking e Mlodinow no livro O Grande Projeto: "flutuações quânticas levam a criação de minúsculos universos a partir do nada. Uns poucos desses atingem tamanho crítico, e então se expandem de um modo inflacionário, formando galáxias, estrelas e, ao menos em um caso, seres como nós."  O cosmólogo Lawrence Krauss publicou em 2012 o livro A Universe From Nothing (sem tradução para o português) dedicado a esse assunto, onde ele deixa claro que "na gravidade quântica, universos podem, e na verdade sempre irão, aparecer do nada."

Teólogos, religiosos e crentes de uma maneira geral insistem em repetir que a ciência não refuta a existência de Deus. Isso está tecnicamente correto: a ciência não refuta a existência de Deus, mas também não refuta a existência de papai noel, dragões e unicórnios. Hipóteses que lidam com a existência de alguma coisa são irrefutáveis: é impossível encontrar evidências de que algo não existe.

É importante ressaltar que, mesmo não havendo respostas definitivas para algumas perguntas, não quer dizer que Deus seja a resposta, ou que qualquer outra resposta esteja correta. Qualquer que seja a explicação, ela precisa ser suportada por evidências. E, pelo menos até agora, a ciência não encontrou nenhuma evidência para a existência de Deus; a ciência não só não inclui Deus nas suas explicações, como tem feito enorme progresso sem recorrer a nenhuma entidade sobrenatural. Para ciência, Deus é desnecessário, além de muito improvável. Como explica o cosmólogo Sean Carrol em Why (Almost All) Cosmologist are Atheists, "de todas maneiras na qual Deus foi considerado uma hipótese útil, há explicações alternativas que não requerem nada fora de uma descrição completamente formal e materialista. Concluo que adicionar Deus só torna as coisas mais complicadas, e essa hipótese deve ser rejeitada pelo rigor científico".


Para ler mais:

1 - Richard Dawkins. O Relojoeiro Cego. A teoria da evolução contra o desígnio divino. 1986
2 - Richard Dawkins. O Maior Espetáculo da Terra. As evidências da evolução. 2010.
3 - Richard Dawkins. Deus, um Delírio. 2006
4 - Stephen Hawking & Leonard Mlodinow. O Grande Projeto. 2010
5 - Lawrence M. Krauss. A Universe From Nothing. Why There Is Something Rather Than Nothing. 2012
6 - Victor J. Stenger.  God The Failed Hypothesis. How Science Shows God Does Not Exist. 2008
7 - Victor J. Stenger. The Fallacy of Fine-Tunning. Why The Universe Is Not Designed For Us. 2011
8 - Michael Shermer. Why Darwin Matters. The Case Against Intelligent Design. 2007
9 - Michael Shermer. Nothing is Negligible. Why There is something Rather than Nothing. Skeptic Magazine. Vol 17. No 3. 2012.
10 - Sean Carrol. Why (Almost All) Cosmologists are Atheists. 2005

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Agradeço ao Ricardo Gomes pelos comentários.