quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Lawrence Krauss: "Ciência é um método para distinguir fato de ficção"

por Felipe Nogueira 

Entrevista com Lawrence Krauss
Lawrence Krauss é um físico teórico renomado, foi um dos primeiros físicos a sugerir que a maior parte da energia do universo reside em espaço vazio, o que atualmente é conhecido como "energia escura". Ele tem participado de vários debates e discussões para divulgação científica e dado palestras ao redor do mundo sobre seu último livro A Universe From Nothing: Why There Is Something Rather Than NothingO livro, que ainda não tem edição no Brasil, explica que o nosso universo pode ter surgido a partir do nada.
A Universe From Nothing

Eu fiz uma entrevista com ele, que está disponível no Youtube. Na minha opinião, Krauss é um dos melhores divulgadores da ciência atualmente; um grande defensor do ceticismo científico, da educação científica. Através de seus debates, palestras e livros, tenho aprendido muito com ele por um bom tempo: Krauss é um dos meus educadores, mesmo que eu não conheça ele pessoalmente. Com isso, Krauss é dos meus maiores inspiradores na minha "jornada científica" e, logo, deste blog. Não posso deixar de registrar a minha felicidade em conversar com ele; me sinto honrado de ter feito isso e sou muito grato a ele pela oportunidade e atenção.

Esta é a primeira parte da entrevista. Links: segunda parte | vídeo  no youtube | english version

Nos seus debates, você tem dito que ciência não é uma "coisa", mas sim um processo. Elabore um pouco isso, o que é ciência?
Krauss: Ciência é um método para distinguir fato de ficção. É um método para fazer perguntas sistematicamente e responder essas perguntas em uma maneira que é possível testar. Uma outra coisa importante é que a ciência é baseada em evidência empírica: alguém faz perguntas sobre o universo, alguém testa o universo com perguntas empíricas e observações, então alguém confirma ou refuta algo. A coisa importante é que em ciência você não pode provar que algo é verdade, geralmente você só pode provar apenas que algo é falso, mas, assim como Sherlock Holmes, você se livra das coisas falsas e o que sobra é verdade.

E em relação a concepções erradas sobre ciência?  Por exemplo, eu acho que há uma noção errada de que ciência é uma questão de opinião e deveríamos ouvir "todos os lados da história". 
Sim, como eu gosto de dizer, a ótima coisa sobre ciência é que um lado está geralmente errado. Há questões abertas, onde há incerteza e debate. A resolução dos debates não se dará por retórica ou volume, e sim pela natureza. Então, se você tem uma ideia, faz uma mensuração e essa ideia discorda com a observação, então você joga a ideia fora. Não há discussão, não há necessidade de debater a questão se a Terra é redonda ou plana. Ainda há pessoas que afirmam a Terra é plana. Mas elas estão simplesmente erradas. Como jornalista, você não precisá citá-las. Similar à evolução: há pessoas que de alguma forma não acham que a evolução ocorreu, mas elas estão erradas. E eu tenho de dizer o mesmo sobre o fato de que mudanças climáticas induzidas pelo homem estão acontecendo e que as pessoas que argumentam contra isso estão simplesmente erradas. 

Você falou recentemente que o único conhecimento que importa é o empírico. Poderia elaborar isso? 
Eu não entendo quando as pessoas falam que elas obtém conhecimento através de revelação. Isso simplesmente leva à ilusão. Nós todos, de fato, nos iludimos diariamente. Precisamos ser céticos de nós mesmos e precisamos testar as coisas. Eu posso ver reflexão ou até sabedoria, mas conhecimento vem de observação, teste e experimento. Alguém que afirma ter conhecimento de outra forma, em primeiro lugar, não pode demonstrar, e em segundo, está provavelmente errado.  

Você também mencionou que, nesse processo da ciência, não aprendemos como o universo funciona pela lógica...
O ponto é que a lógica clássica se baseia no que parece razoável. Mas o que parece razoável é baseado na nossa experiência e, à medida que ampliamos a nossa experiência, o que parece razoável pode mudar. Mecânica quântica é o exemplo perfeito. Não parece razoável uma partícula estar em dois lugares ao mesmo tempo, mas na mecânica quântica é isso o que acontece. Baseado em observações, é possível fazer raciocínios cuidadosos e argumentos lógicos. Mas presumir o que é lógico ou usar lógica clássica tem de ser feito com cuidado, porque o mundo não é clássico. 

O que você quer dizer com o "mundo não é clássico"? 
Como Richard Dawkins [renomado biólogo evolucionário] diz e eu gosto de repetir, nós evoluímos o nosso senso de lógica e raciocínio para escapar de leões na Savana e na África; não para entender mecânica quântica. Mas, em escalas muito pequenas e em escalas muito grandes, o universo se comporta de uma maneira que parece paradoxal para nós. E é paradoxal para nós porque nossa intuição é baseada num segmento pequeno da realidade e esse segmento não se aplica universalmente e precisamos ter cuidado para não fazer isso. Ciência nos ensina que nossas visões míopes não necessariamente representam toda a realidade e temos de ter muito cuidado para concluir que aquilo que pensamos ser natural ou sensível é isso realmente.

As pessoas dizem que a ciência muda o tempo inteiro e que isso é uma coisa ruim.
Ciência realmente muda, é chamado de progresso. Muda em uma maneira bem definida. Não jogamos fora o que foi feito antes. Isso é uma das concepções erradas da ciência. O que sobrevive ao teste e experimento sempre sobrevive. Até as Leis de Newton, que foram substituídas pela Relatividade Geral e Mecânica Quântica, na escala que elas se aplicam, para o movimento de balas de canhão, bolas de basebol, mísseis contra a Síria, as Leis de Newton sempre aplicarão. Então, podemos aprender coisas novas nas fronteiras da conhecimento - de fato, sempre iremos, o que faz a ciência ser maravilhosa - que mudam a nossa figura subjacente das coisas, mas há uma consistência na nossa habilidade de prever, e não jogamos fora o que foi feito antes.

Qual a sua opinião sobre filosofia? 
Filosofia é útil para refletir sobre o conhecimento gerado pela ciência. E todos os bons filósofos que eu conheço fazem isso. Eles usam lógica e raciocínio rigoroso para refletir em cima do conhecimento, interpretá-lo, e fazer novas perguntas. Então, filosofia é útil às vezes para fazer perguntas, mas é a ciência que é útil para obter as respostas e gerar esse conhecimento. Eu acho que qualquer filósofo que argumenta o contrário está exagerando. Como eu disse, tenho muitos amigos filósofos e acho que concordamos que é para isso que filosofia é bom. E filosofia era indistinguível da física na época de Filosofia Natural, mas as duas divergiram. Filosofia simplesmente não é o jeito certo de gerar conhecimento sobre o mundo, é o jeito de refletir sobre esse conhecimento. 

As pessoas aplicam palavras, como "teoria" ou "nada", de forma diferente do que na ciência. O que é teoria para ciência? 
Teoria em ciência é o nível mais alto de conhecimento, não é uma hipótese. Teoria, como a teoria da gravitação universal de Newton ou teoria quântica, é uma suposição matemática que foi submetida a testes várias e várias vezes. Então, quando falamos que evolução é uma teoria, estamos colocando-a no pedestal mais alto possível, não sugerindo que é uma hipótese aleatória. 

Mas há um artigo que você escreveu há um tempo atrás que dizia que a teoria das cordas não é uma teoria no mesmo sentido que evolução é uma teoria...
Cientistas são humanos e usam as palavras de forma errada como qualquer outra pessoa. E agora estou feliz de dizer que eu convenci pessoas como Brian Greene [físico teórico de cordas], que é meu amigo, e ele concorda comigo agora - mas é claro que ele não me cita - que a teoria das cordas não é uma teoria e não deveria ser chamada de teoria. Há muitas teorias que não temos e um bom exemplo é a teoria quântica da gravidade. Não temos uma teoria do que acontece no centro da singularidade de buracos negros, não temos ainda uma teoria do que acontece quando t = 0 no big bang. Temos ideias, mas não fomos capazes de testá-las. Algumas pessoas argumentaram que complexidade é uma teoria - Teoria da Complexidade - mas eu não estou convencido que há realmente uma base teórica da complexidade. 

A teoria das cordas não é uma teoria por que não faz previsões ainda ou por que as previsões que faz não são refutáveis neste momento? 
Teoria das cordas é ambos. Realmente não faz previsões neste momento porque ainda é uma ideia em desenvolvimento. E todas as vezes que faz previsões, eles descobrem que provavelmente são prematuras. As previsões que poderia fazer estão provavelmente além do escopo do experimento, embora teóricos espertos continuam pensando em maneiras de como testar as idéias, como a existência de dimensões extras, por exemplo. Há uma pequena possibilidade de testar tais dimensões no Large Hadron Collider, mas é uma possibilidade bem pequena na verdade. 

O que você quer dizer que o universo pode ter surgido a partir do nada no seu último livro? 
Eu quero dizer que é plausível, dado tudo o que sabemos e toda medida que fizemos sobre o universo que pode ter surgido a partir do nada: sem espaço, sem tempo, sem partículas, sem radiação. Em particular, se perguntarmos quais seriam as características de um universo que surgiu do nada, dada as conhecidas leis da física e algumas extrapolações razoáveis das leis da física, seriam as características do nosso universo.  

No seu livro e nas palestras, você define três níveis de "nada".
Sim, nada, assim como teoria, é uma palavra que tem diferentes significados para diferentes pessoas. Como eu gosto de dizer que as pessoas que não gostam do que eu digo definem nada de um jeito que só Deus pode criar algo. Mas, para muitas pessoas, nada era o espaço vazio da Bíblia. É claro que isso não é nada, nós mostramos isso. Esse tipo de nada pode criar algo.* Isso pode ser definido como nada: espaço vazio é uma boa aproximação, mas é mais complexo que imaginávamos. Então, eu digo que uma versão mais dramática do nada envolve não só a ausência de partículas, tempo e radiação, mas a ausência do espaço-tempo também. O espaço-tempo pode vir à existência por qualquer teoria razoável da gravidade quântica. E, então, a versão final do nada: talvez até as leis que governam como as coisas evoluem no nosso universo são acidentais. Essa é última versão: sem leis, sem espaço, sem tempo, sem matéria, sem radiação. Bem, isso pode não ser o nada, mas é um nada muito bom para mim. 

------------
* Lawrence Krauss está se referindo ao fato de que espaço vazio, ou vácuo, contém partículas virtuais criadas a partir do nada e que rapidamente deixam de existir. Elas são chamadas virtuais porque não podemos observá-las diretamente, mas seus efeitos indiretos foram observados repetidas vezes. Na verdade, essas partículas "virtuais" são responsáveis pela maior parte da massa do seu corpo (e a maior parte da massa do universo reside em espaço vazio)!
No seu livro, Krauss menciona outro fato interessante sobre as partículas virtuais: a teoria prevê o impacto dessas partículas virtuais no espectro do átomo de hidrogênio. E essa é a melhor, mais correta, previsão em toda a ciência: a previsão teórica e observações estão de acordo em 1 parte em um bilhão!!

Links: Parte 2 | Youtube | Versão em inglês

Lawrence Krauss: "As doutrinas das grandes religiões do mundo são incompatíveis com a ciência"

por Felipe Nogueira

Entrevista com Lawrence Krauss

Lawrence Krauss é um físico teórico renomado, foi um dos primeiros físicos a sugerir que a maior parte da energia do universo reside em espaço vazio, o que atualmente é conhecido como "energia escura". Ele tem participado de vários debates e discussões para divulgação científica e dado palestras ao redor do mundo sobre seu último livro A Universe From Nothing: Why There Is Something Rather Than Nothing. O livro, que ainda não tem edição no Brasil, explica que o nosso universo pode ter surgido a partir do nada.

Esta é a segunda parte da entrevista que fiz com ele, que está disponível no Youtube. Me sinto honrado por ter feito isso e só agradeço ao Krauss pelo tempo e pela atenção.

Links:  Primeira parte | Video no Youtube | English version.

Eu sou fascinado com a ideia de computação quântica.
Krauss: Computadores quânticos são uma idéia fascinante, mas o ponto é que eles permitem fazer certos algoritmos que classicamente não são possíveis, como fatorar números grandes em seus números primos. Todo número tem um expressão única em termos de produtos de números primos. Os números primos que números muito grandes são produtos não podem ser facilmente determinados. Esse algoritmo é possível em computadores quânticos. Por que deveríamos nos importar? Acontece que as pessoas usam números grandes e seus primos como chaves de segurança de cartões de crédito e contas bancárias. Então, se pudermos fatorá-los facilmente, teremos de pensar em outras maneiras para garantir a segurança. Essa é a notícia ruim. A boa notícia, entretanto, é que computadores quânticos permitem encriptação quântica e de certa forma possibilita ver se alguém espionou uma mensagem (eavesdropping). Então, há ganhos e perdas com computadores quânticos. Mas não está claro que poderemos fazer computadores quânticos praticamente.

Não conseguimos fazê-los por causa da decoerência quântica?  
Em geral, isso está certo. O mundo quântico é geralmente invisível por boas razões porque as interações das partículas com o ambiente destroem as correlações quânticas e é precisamente as correlações quânticas que se deseja explorar para fazer um computação quântica ou teletransporte quântico.    

Sobre ciência e moralidade, você diz que sem a ciência nossas morais são inúteis?        
Sim. Todo mundo que diz que moralidade é baseada em religião, na verdade baseia moralidade na razão. Eu digo para as pessoas com frequência que se elas não acreditassem em Deus elas provavelmente não mataria seus vizinhos. Embora, algumas pessoas dizem que matariam. O ponto é que a ciência nos diz as consequências das nossas ações. E se não sabemos as consequências de nossas ações, não podemos determinar certo e errado. Então, usamos razão, evidência empírica das consequências das nossas ações e raciocinamos sobre nisso para determinar o que é apropriado. A maioria das pessoas opera dessa forma e nisso que as leis da maioria das nações são baseadas, não são baseadas em doutrinas religiosas, mas sim na razão e evidência empírica. Como Steven Pinker [renomado psicólogo evolucionário] colocou, você pode perguntar como Deus sabe o que é certo e errado. Há duas possibilidade. Uma é que ele inventou arbitrariamente e, nesse caso, qual é o ponto de se preocupar com isso?  Ou a segunda: ele baseia certo e errado no que é razoável, mas se ele faz isso, podemos nos livrar do homem do meio e ir nós mesmos diretamente na razão.

Você acha que há uma moral objetiva?  
Acho que há morais universais no sentido que as pessoas são biologicamente programadas para pensar que certas coisas são erradas, como, por exemplo, a maioria das pessoas acha a priori que incesto é repulsivo. Mas há razões biológicas para isso. Eu acho que moralidade é determinada contextualmente, num contexto relacionado ao tempo e certas circunstâncias. E como eu digo, em certas circunstâncias, incesto não é errado na minha opinião. Deixando claro: em certas circunstâncias, não é óbvio que é errado ou imoral.

Você disse que as leis da mecânica quântica são determinísticas, mas e as distribuição das probabilidades?
As equações subjacentes são equações diferenciais secundárias, que são determinísticas: a partir de um conjunto inicial de condições, é possível derivar sem ambiguidade. A função de onda evolui deterministicamente, então a física subjacente evolui deterministicamente. É totalmente verdade que efetivamente do ponto de vista de observação ou experimento as coisas são probabilísticas, mas as leis subjacentes são determinísticas.     

O que você acha sobre livre-arbítrio?
Acho que é um ilusão, uma ilusão eficiente. Vivemos em um mundo que para todas as intenções e propósitos se comporta como um mundo em que temos livre-arbítrio. A questão se livre-arbítrio existe ou não é uma dessas questões irrelevantes.

Você deixa bem claro que usar Deus como explicação é uma escapatória...
Sim. As pessoas querem dizer muitas coisas diferentes com Deus, porque Deus não é bem definido. Todo mundo inventa o seu próprio Deus. Quando as pessoas usam o termo Deus, é bem pessoal e pode significar muitas coisas diferentes. É um termo mal definido, não é para menos porque é uma ilusão.

Algumas pessoas argumentam que ciência e religião são compatíveis, porque alguns cientistas acreditam em Deus.   
Isso é ridículo. Há cientistas que podem manter crenças mutualmente contraditórias. E esses cientistas viram ateus quando eles entram no laboratório e param de ser ateus quando saem do laboratório. Então, se você consegue ignorar tudo que você acredita em uma circunstância, é absolutamente compatível. E uma crença vaga em uma certa ordem e propósito no universo não é incompatível com a ciência: não evidência para isso, mas não é incompatível. Mas as doutrinas das grandes religiões do mundo são incompatíveis com a ciência. Então, um deísmo vago é compatível com a ciência, mas certamente não a crença nas grandes religiões.  

E em relação à ideia de que ciência lida com as perguntas do tipo "como?" e religião lida com as perguntas do tipo "porque?"
Isso é besteira. Religião não lida com nada. O que nós queremos dizer com "por que"? Se você pergunta por que, você assume propósito. Religião presume propósito e presume respondê-lo. Mas a presunção de propósito é uma presunção. A não ser que você estabeleça evidências de propósito, você está inventando coisas e é por isso que religião inventa coisas.

Algumas pessoas religiosas usam o argumento do ajuste fino do universo como um "ponto" para eles...
Eles não entendem do que estão falando. A antiga afirmação de que abelhas foram finamente ajustadas para ver as cores de flores e isso significaria que elas fora projetadas. Mas não. Se elas não pudessem ver as cores das flores, elas não iriam obter o néctar e não seriam capazes de reproduzir. Nossas características parecem de um jeito que são finamente ajustadas para o universo em que vivemos. Para colocar do outro jeito, elas sugerem que o universo é finamente ajustado para nós. Mas isso pode ser um acidente. Evoluímos nesse universo; se tivéssemos evoluído em outro universo, nossas características poderiam ser diferentes. Segundo, o universo não é finamente ajustado para vida: o universo é bem inóspito para vida e ele está tentando nos matar todo o tempo. Terceiro: há constantes que poderiam ser mais naturais e isso faria a vida ser ainda melhor. Todos esses argumentos são baseados numa falta de entendimento do ajuste fino.   

E sobre o documentário The Unbelievers*? Você sabe se terá distribuição no Brasil? 
Estamos na fase final da negociação das distribuições. Terá uma distribuição mundial em 2014 e estará em alguns cinemas nos Estados Unidos em 2013. Certamente será distribuído na Amazon, Netflix, video sob-demanda, e por DVD. Se terá distribuição no cinema, dependerá da negociação com cada país da qual eu não faço parte.
-------------
* The Unbelievers ("Os Incrédulos") é um documentário que acompanha Lawrence Krauss e o renomado biólogo evolucionário Richard Dawkins na divulgação da ciência e defesa da razão em vários lugares do mundo. 

Paul Offit: "Peço para as pessoas serem mais céticas"

Entrevista com Paul Offit
Paul Offit é um pediatra americano, chefe da Divisão de Doenças Infecciosas do Children's Hospital of Philadelphia (Hospital da Criança da Filadélfia) e foi co-inventor da vacina do rotavírus. Seu último livro, Do You Believe in Magic? The Sense and Nonsense of Alternative Medicine, é uma análise crítica da medicina alternativa. 

Esta é a segunda parte da entrevista que fiz com Paul Offit, que está disponível no Youtube. Links: primeira parte | video no youtube

Com maiores riscos de adquirir doença cardíaca e câncer com a ingestão de vitamina E, você está ciente que hepatologistas usam vitamina E para esteato-hepatite não alcoólica*?
Não estou familiarizado com esses dados. Se há estudos claros mostrando que vitamina E é uma valiosa adição nessa situação, tudo bem. Mas eu não conheço esses dados. O que me impressiona na história da vitamina E é o seguinte. Eu peguei um frasco de vitamina E que dizia "vitamina E natural 1000", mas no verso do rótulo estava escrito que continha 3330% do limite diário recomendado, o que é 33 vezes o limite recomendado. Essa cápsula gelatinosa tem metade do tamanho de uma amêndoa, que é uma ótima fontes de vitamina E. Você precisaria comer 1650 amêndoas para obter a mesma dose dessa cápsula gelatinosa. Isso não é uma coisa natural a se fazer. É por isso que não entendo porque eles colocam a palavra natural no rótulo. Mas as pessoas nunca vêem dessa maneira. Eu acho que tomar grandes quantidades de qualquer coisa deve ser visto com suspeitas. E agora sabemos: se tomar grandes quantidades de vitamina E ou betacaroteno por um tempo prolongado, você aumenta o risco de câncer, aumenta o risco de doença cardíaca e potencialmente diminui a sua vida. Esses dados são claros: há 20 estudos que mostram isso. Se fosse uma indústria regulamentada, eu acho que teria um aviso em uma tarja preta, mas o que está escrito é que a FDA. não aprovou o medicamento para tratar ou prevenir doenças.

E suplementação multivitamínica, sem doses exageradas?
Há um estudo com mulheres que tomaram suplementação multivitamínica, que tem a dose próxima do limite diário recomendado, e elas foram pior do que as que não tomaram. Eu gostaria de ver esse estudo ser repetido, antes de dizermos isso com alguma confiança. Mas o perigo disso é o seguinte. As pessoas pensam "minha dieta não é perfeita" ou "não presto muito atenção na minha dieta e talvez eu não estou comendo a quantidade necessária de frutas e vegetais, então talvez não estou obtendo a quantidade de vitaminas que preciso, então só para ter certeza vou tomar esse multivitamínico". A falsa suposição é que as vitaminas dos suplementos serão processadas da mesma maneira do que as vitaminas da frutas ou vegetais. Eu acho que você está muito melhor servido e será mais barato se você apenas gastar tempo pensando na sua dieta.         

Eu acho 
uma forma de preconceito assumir que suplementos de vitaminas são seguros. Não sei da onde vem essa confiança das pessoas. É como responder antes de fazer a pergunta. O que você acha?  
Sim. Eu dou crédito para indústria, que consegue se vender como natural. Em um lado você tem a grande indústria farmacêutica, que faz produtos sintéticos e só quer ganhar dinheiro e não se importa. E você tem a indústria nutracêutica e a de suplementos dietéticos que se vendem como natural, que não fazem mal nenhum, e cujos suplementos são feitos por hippies ao lado de montanhas floridas. Isso não é verdade. Pfizer e Hoffman-LaRoche são bem ativas na indústria de suplementação dietética e elas são grandes empresas farmacêuticas. Segundo, é uma indústria não regulamentada, sem obrigação de apoiar suas afirmações e que nos Estados Unidos conseguiu influência política para impedir a FDA de regulamentá-la.

Por que as pessoas acreditam que há uma controvérsia, quando não há? Isso acontece, ainda mais historicamente, com evolução e criacionismo...
Há 4000 estudos publicados diariamente em jornais médicos científicos. Não surpreendente, eles seguem uma "curva em forma de sino" [distribuição normal]: alguns deles são excelentes, alguns são ruins e a maioria é mais ou menos na média. Isso quer dizer que você consegue encontrar um estudo que prova qualquer coisa. Seria um estudo ruim, mas isso não importa. Em 1950, quando os dois primeiros estudos saíram mostrando que fumar cigarro estava associado com câncer pulmonar, esses dados não poderiam ser mais claros. Mas a indústria disse que isso era controverso, porque tinha sido feito em ratos e foi mostrado que cigarro não era prejudicial. E "aqui está meu amigo Bob que está vivo até os 90 anos e fuma diariamente e está bem". Isso foi apresentado como controverso até não poder ser mais taxado de converso, porque havia muitos dados. A mesma coisa aconteceu com a fusão fria. Quando a fusão foi proposta em 1980, isso era controvérsia, até ser impossível chamar de controvérsia. E eu acho que isso irá acontecer com essas  altas doses de vitaminas. Eu tenho de acreditar que, em algum momento, a FDA vai levantar e dizer que há danos sendo feitos e que não podem ser ignorados, porque existem 20 estudos.

E outras tipos de medicina alternativa, como acupuntura? Você acha que tem valor para alguma condição?
O trabalho de Edzard Ernst, que eu acho brilhante, foi o primeiro a fazer estudos com agulhas retráteis que mostraram que se você pensar que a agulha está indo dentro da sua pele é tão valioso quanto a agulha realmente ir dentro da sua pele. Há estudos mostrando que algumas pessoas podem aprender a liberar neuro-endorfinas com acupressão. Posso te dizer que há dois pediatras no Hospital da Criança da Filadélfia que são treinados como acupunturistas - é como ser treinado para ser vidente, na minha opinião - e querem trazer acupuntura para o hospital. Isso não vai acontecer. Por que eles querem isso? Eu acho que é porque os pacientes demandam. Ao invés de fazer o que deveríamos como médicos, que é ajudar pacientes, ao invés de definir um padrão profissional, nos tornamos garçons em um hospital. O Hospital da Universidade da Pensilvânia, que faz parte da faculdade de medicina da Universidade de Pensilvânia, oferece reiki para ajudar a manipular energias de cura na clínica de oncologia. Não acho que isso seja danoso, mas cria essa noção de que há energia de cura a serem manipuladas.

As pessoas precisam entender que se um tratamento funciona não quer dizer que funciona da maneira que afirma.
Esse é um argumento muito bom. Mehmet Oz, que é bem popular nos Estados Unidos e tem um programa de televisão que 4 milhões de pessoas assistem anualmente, foi perguntado o que ele faz quando suas crianças ficam doente. Ele respondeu: minha a mulher dá arnica homeopática e, se elas não melhorarem, então ela me liga." Aqui está a lógica disso. Provavelmente 80% das doenças que vemos na emergência do Hospital da Criança da Filadélfia são auto-limitadas. Elas vão embora sozinhas, por exemplo infecções virais do nariz e garganta. Então, você pode fazer o argumento de que a arnica homeopática não irá machucá-los e a probabilidade é que eles estejam com uma infecção viral. Dar arnica homeopática significa que as crianças não estão tomando antibiótico para infecção viral, o que é bom. Significa que elas não estão tomando uma preparação para tosse e resfriado, que contém pseudoefedrina, que pode ser bem prejudicial especialmente para crianças novas, e isso é bom. E elas melhoram. O problema é ele ou a mulher dele acreditar que a arnica fez elas melhorarem. Então, você dá próximo e possivelmente terrível passo: quando uma criança tem asma, você dá broncodilatadores homeopáticos. Crianças tomaram broncodilatadores homeopáticos e morreram, ao invés de tomar broncodilatadores reais, que salvariam a vida delas.

Qual foi o objetivo de escrever o seu livro Do You Believe in Magic?
Acho que tenha essa noção fantasiosa de que, se você explicar de uma forma clara, convincente e interessante, as pessoas podem parar e pensar no que elas estão fazendo. É tudo que eu peço. O que eu peço é para as pessoas serem mais céticas com que elas põem nos seus corpos. Acho que você deve ser cético com tudo que você põe no corpo, inclusive vacinas.

No seu livro, você menciona que nós usávamos explicações sobrenaturais para as doenças e hoje foram substituídas. Você acredita que idéias religiosas ou sobrenaturais dificulta ou cria uma barreira para o entendimento científico?
Sim. Quando eu escrevi esse livro, eu recebi vários emails raivosos de pessoas que acredito que tiveram seus sistemas de crença atacados por mim. Eu ataquei a igreja de vitaminas e suplementos. Na verdade, meu próximo livro tem a ver com isso e o subtítulo deve ser: "o confronto entre medicina moderna e crenças religiosas". Religião é um sistema de crença e ciência é um sistema baseado em evidência. As pessoas fazem com que o que deveria ser um sistema baseado em evidências seja um sistema de crença.

Por que as pessoas não acreditam na medicina moderna?
Acredito que é porque pode ser frustante, tecnológica e fria. O que a medicina alternativa oferece é algo "quente" e construído em cima de alguma espiritualidade. E o fato de que a  medicina moderna é incerta. Há muitas coisas que não sabemos. Tenho certeza que saberemos mais em 100 anos do que sabemos agora. Estamos constantemente gerando novas informações, isso é que é a ciência. Na ciência, à medida que geramos novas informações, você pode pegar gerar um livro texto e jogar fora sem dúvida. Isso é uma coisa boa, a ciência é mutável, é sempre auto-corretiva. Acho que a incerteza é desconcertante, quando você tem a certeza do Andrew Weil. Se você olhar os livros dele, ele não apenas diz como tratar sua hepatite, ele diz como ser amigo, como educar suas crianças; é como uma bíblia. Acho que as pessoas são atraídas a isso.

----------------
 *É uma recomendação publicada em um guideline da American Association for the Study of Liver Diseases, American College of Gastroenterology e American Gastroenterological Association disponível aqui