domingo, 22 de dezembro de 2013

"Pare de gastar dinheiro com suplementos de vitaminas e minerais"

por Felipe Nogueira 

"Pare de gastar dinheiro com suplementos de vitaminas e minerais" é a recomendação de um editorial elaborado por médicos pesquisadores publicado no jornal médico Annals of Internal Medicine, no dia 17 dezembro de 2013. Os autores são muitos claros:
O grande corpo de evidência acumulado tem implicações na clínica e na saúde publica. As evidências são suficientes para recomendar contra a suplementação rotineira, e devemos traduzir achados nulos e negativos em ações. A mensagem é simples: a maioria dos suplementos não previne doenças crônicas ou morte, seu uso não é justificado, e eles devem ser evitados. Essa mensagem é especialmente verdadeira para a população geral sem claras evidências de deficiência de micronutrientes, que representa a maioria dos usuários de suplementos nos Estados Unidos e em outros países.
As evidências também têm implicações para pesquisa. Antioxidantes, ácido fólico e vitaminas B são nocivos ou inefetivos para prevenção de doenças crônicas, e grandes ensaios clínicos na prevenção não são mais justificados. Suplementação com vitamina D, entretanto, é uma área aberta de investigação, particularmente em pessoas deficientes. Ensaios clínicos tem sido equivocados e algumas vezes contraditórios. Por exemplo, suplementação com vitamina D, que poderia prevenir quedas em pessoas idosas, reduziu o risco de quedas em alguns ensaios, não teve efeito na maioria dos ensaios, e aumentou as quedas em 1 ensaio. Embora estudos futuros são necessários para determinar o uso apropriado de vitamina D, seu uso difundido não é baseado em sólidas evidências de que benefícios superam os malefícios. 
O editorial se baseia nas evidências de diversos estudos feitos com suplementação multivitamínica. Nessa mesma edição do jornal científico, foi publicada uma revisão sistemática da evidência do uso de vitaminas e minerais na prevenção primária de câncer e doença cardiovascular

A revisão incluiu 26 estudos, dos quais 24 são estudos randomizados e controlados. Os autores não encontraram evidências consistentes que suplementos de vitaminas e minerais afetam doença cardíaca, câncer, ou mortalidade em geral em indivíduos saudáveis sem deficiências nutricionais conhecidas. Além disso, a revisão também confirmou o estabelecido dano da suplementação de beta-caroteno na incidência de câncer pulmonar e morte para indivíduos em alto risco de câncer pulmonar. Os autores concluíram da seguinte maneira:
a literatura atual em vitaminas e minerais é suficiente para desencorajar estudos adicionais de beta-caroteno ou vitaminas A, C, e E em populações gerais sem déficits de nutrientes. Estudos adicionais de vitamina D devem ser feitos separadamente de estudos de cálcio. Estudos de vitamina D e cálcio devem incluir todo os benefícios hipotéticos, incluindo prevenção de fratura, para possibilitar uma comparação abrangente de todos benefícios e malefícios. Em conclusão, não encontramos evidências de efeito de doses nutricionais de vitaminas ou minerais em doença cardiovascular, câncer, ou mortalidade em indivíduos saudáveis sem deficiências nutricionais conhecidas para a maioria dos suplementos que examinamos. Na maioria dos casos, os dados são insuficientes para chegar a uma conclusão, embora para vitamina E e beta-caroteno a falta de benefício é consistente entre diferentes ensaios. Identificamos 2 ensaios com multivitamínicos que encontraram menor incidência de câncer em homens. Ambos ensaios são metodologicamente sólidos, mas a falta de efeito em mulheres (pelo menos em 1 ensaio), a significância limítrofe em homens nos dois ensaios, e a falta de qualquer efeito em doença cardiovascular nos dois estudos tornam difícil concluir que suplementação multivitamínica é benéfica.
A mensagem não poderia ser mais clara: pare de tomar suas vitaminas!

  


  




domingo, 24 de novembro de 2013

A pseudociência de Deepak Chopra

por Felipe Nogueira

Se eu tivesse que escolher uma pessoa como ícone da pseudociência, essa pessoa seria Deepak Chopra. Todas as vezes que eu ouvi Chopra, ele usou termos científicos de forma errada diversas vezes - parece que o termo quântico não pode ficar de fora - combinados com idéias religiosas/supernaturais. Quando é possível extrair algum significado do que ele está falando, normalmente contém erros científicos. 

Chopra tem propagado a noção de "medicina quântica" ou "cura quântica". A palavra quântica vem de mecânica quântica, que descreve o comportamento da matéria em escalas microscópicas. Em outras palavras, efeitos quânticos são significantes em escalas muito pequenas e, numa escala muito maior que a atômica, efeitos quânticos desaparecem e não são percebidos. Então, não existe isso de "medicina quântica".

Recentemente, o renomado biólogo evolucionário Richard Dawkins debateu com Deepak Chopra. O debate está no Youtube. É impressionante como Deepak Chopra não consegue responder adequadamente uma pergunta, ou comentar sobre uma determinada questão, sem mudar o assunto, sem usar termos científicos fora de seus contextos. Dawkins mencionou isso diversas durante o debate e ressaltou um dos incorretos usos da palavra "quântica" feitos por Chopra: 
Você usou a frase "salto quântico" aplicada à origem da linguagem, origem da vida e pulos nos registros fósseis. Isso é apenas um uso metafórico do termo salto quântico. Você está usando o termo para uma mudança que ocorreu no mundo que ainda não temos explicação. Por outro lado, você usou a palavra quântica no adequado sentido físico. Você falou de informação digital indo para satélite. Nesse caso, você estava falando sobre teoria quântica no verdadeiro sentido de mecânica quântica. Você está enganando as pessoas ao usar quântico em dois sentidos completamente diferentes, dando a impressão que há algo sobre física moderna, sobre os aspectos estranhos da física moderna, para coisas como a origem da linguagem, origem da vida e quebras no registros fósseis. Essas três coisas - origem da vida, origem da linguagem e quebras nos registros fósseis - são problemas científicos que ainda não respondemos; ainda estamos trabalhando neles. Eles não tem absolutamente nada a ver com o termo quântico no sentido físico.
Outros cientistas também criticaram Chopra. Apenas há alguns dias, o biólogo evolucionário Jerry Coyne fez o seguinte comentário sobre Chopra
ele é um pseudocientista, mostrando todas as características desse gênero, inclusive o uso de um jargão sem sentido que soa profundo, a recusa de discutir seriamente suas visões, e a noção de que é perseguido "pelo estabelecimento".
Em um debate na Caltech, o psicólogo Michael Shermer e o neurocientista Sam Harris debateram contra Chopra (e a escritora Jean Houston). Shermer disse o seguinte sobre o modo de falar do Chopra:
juntando, num padrão rápido, um monte de palavras que soam científicas misturadas com palavras espirituais da Nova Era... não quer dizer nada.  
Um das coisas interessantes sobre esse debate na Caltech é que Chopra pede para um físico na platéia falar em sua defesa. Na sessão de perguntas e respostas, o moderador o debate reconheceu o físico teórico Leonard Mlodinow na platéia e pede para ele fazer uma pergunta. Se as críticas de Shermer e Harris não foram suficientes para aquele dia, Mlodinow resolveu a questão claramente (disponível aqui):
Você [Chopra] gostaria de fazer um curso pequeno em mecânica quântica para que possamos corrigir seu uso levemente errado da notação quântica?*
Mlodinow não foi o único físico a criticar Chopra. Em uma coluna na Scientific American, o renomado cosmologista Lawrence Krauss comentou que Chopra é um dos piores abusadores da mecânica quântica para o lucro. Krauss também disse o seguinte Chopra:
Eu tenho lido inúmeros textos dele sobre como mecânica quântica provê racionalidades para tudo desde a existência de Deus até a possibilidade de mudar o passado. Nada que eu tenha lido, entretanto, sugere que ele tem conhecimento suficiente de mecânica quântica para passar em curso de graduação que eu possa lecionar no assunto.  
A pseudociência de Chopra vai além disso. Ele também diz que o universo tem propósito e consciência. De acordo com Chopra, até átomos e partículas subatômicas têm consciência; evolução é orientada pela consciência. É claro que dizer essas coisas não as torna verdades e Chopra não oferece nenhuma evidência para suas afirmações. No debate recente, Dawkins explicou que alguns organismos têm propósito, por conhecidas razões evolucionárias, mas isso não quer dizer que o universo propriamente dito tem propósito. Alguns organismos também têm consciência, mas isso não é verdade para átomos, fótons, elétrons e universo, porque consciência é originada no cérebro. E a evolução deu origem a consciência, então não pode ser guiada por ela.

Acho que a seguinte contradição é bem evidente. Quando um cientista diz que não há evidências para o sobrenatural (Deus, vida após morte, almas e fantasmas, etc), alguns religiosos/espirituais, Chopra inclusive, dizem que a ciência não tem e não pode ter todas as respostas, porque a metodologia da ciência é incompleta. Porém, isso não os impede de usar termos científicos. Parece que ter a crença religiosa e rezar para o Deus deles não são suficientes: eles insistem desesperadamente que a religião deles é apoiada pela ciência, quando não é. 

A importância de mencionar essas coisas é que o entendimento cientifico já está comprometido; Chopra está fornecendo explicações erradas, as pessoas caem, compram e propagam essas idéias sem sentido. Por exemplo, mecânica quântica é, de fato, altamente não intuitiva e estranhas coisas acontecem o tempo todo, mas acontecem, como eu disse, em escalas microscópicas. Entretanto, muitas pessoas acreditam que a mecânica quântica está associada com religião, sobrenatural, espiritualidade, meditação ou misticismo. Essas pessoas estão simplesmente erradas.** Em uma entrevista sobre essas pseudociências relacionadas com mecânica quântica, Krauss é bem claro
mecânica quântica, para melhor ou pior, não trás nenhum benefício espiritual a mais que a gravidade.
Deixar afirmações falsas, como essas feitas por Chopra, espalhar sem críticas é um desserviço para a ciência e falhar em reconhecer a importância do entendimento científico na nossa sociedade. O "obscurantismo intencional" que Chopra tem feito é exatamente o que Dawkins falou no final do debate: "o inimigo da verdade e da ciência."  

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* A discussão entre Shermer, Mlodinow e Chopra não terminou aí e eles tiveram em um debate na Chapman University. O confronto entre Mlodinow e Chopra deu origem ao livro Ciência x Espiritualidade. Dois Pensadores, Duas Visões de Mundo coautorado por ambos. Quando eu fiquei sabendo desse livro, eu pensei que poderia dar um crédito não merecido ao Chopra, embora presumi que Mlodinow iria mostrar a confusão que Chopra faz com frequência. De fato, a parte do Mlodinow é boa e eu recomendo o livro quando eu quero mostrar como um cientista pensa e algumas contradições entre ciência e idéias religiosas (ou espirituais). 

** Se você é uma dessas pessoas, você deveria considerar aperfeiçoar o seu conhecimento cientifico. Por exemplo, se quiser saber mais sobre mecânica quântica, você pode tentar a excelente explicação do físico teórico Sean Carroll disponível em inglês aqui, ou em português aqui  Para uma explicação em português, o livro Quem Tem Medo da Física Quântica do físico brasileiro Ramayana Gazzinelli é excelente.   

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ATUALIZAÇÃO -  02/11/2016: 

1)  No dia 29/10/2016, foi divulgado a escolha de Deepak Chopra como "speaker" numa conferência de autismo.  Em relação à tal escolha, o site de notícias CBC news perguntou a opinião de Timothy Caulfield, que disse o seguinte: 
 
"Chopra é o ícone da pseudociência"

"Ele [Chopra] é como o grande deseducador. Ele legitimiza essas ideias que não possuem base científica e faz com que se pareçam científicas. Ele é realmente uma fonte de um jargão sem sentido"

"Eu acho que nós, como sociedade, precisamos ser incrivelmente suspeitos de pessoas que estão tentando distorcer a ciência para favorecer uma perspectiva que não possui nenhuma evidência por trás."

2) Eu e Iran Filho, um dos colaboradores do Universo Racionalista, traduzimos a excelente introdução de física quântica do Sean Carroll e está disponível aqui. A nota acima foi atualizada. 
    


quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Lawrence Krauss: "Ciência é um método para distinguir fato de ficção"

por Felipe Nogueira 

Entrevista com Lawrence Krauss
Lawrence Krauss é um físico teórico renomado, foi um dos primeiros físicos a sugerir que a maior parte da energia do universo reside em espaço vazio, o que atualmente é conhecido como "energia escura". Ele tem participado de vários debates e discussões para divulgação científica e dado palestras ao redor do mundo sobre seu último livro A Universe From Nothing: Why There Is Something Rather Than NothingO livro, que ainda não tem edição no Brasil, explica que o nosso universo pode ter surgido a partir do nada.
A Universe From Nothing

Eu fiz uma entrevista com ele, que está disponível no Youtube. Na minha opinião, Krauss é um dos melhores divulgadores da ciência atualmente; um grande defensor do ceticismo científico, da educação científica. Através de seus debates, palestras e livros, tenho aprendido muito com ele por um bom tempo: Krauss é um dos meus educadores, mesmo que eu não conheça ele pessoalmente. Com isso, Krauss é dos meus maiores inspiradores na minha "jornada científica" e, logo, deste blog. Não posso deixar de registrar a minha felicidade em conversar com ele; me sinto honrado de ter feito isso e sou muito grato a ele pela oportunidade e atenção.

Esta é a primeira parte da entrevista. Links: segunda parte | vídeo  no youtube | english version

Nos seus debates, você tem dito que ciência não é uma "coisa", mas sim um processo. Elabore um pouco isso, o que é ciência?
Krauss: Ciência é um método para distinguir fato de ficção. É um método para fazer perguntas sistematicamente e responder essas perguntas em uma maneira que é possível testar. Uma outra coisa importante é que a ciência é baseada em evidência empírica: alguém faz perguntas sobre o universo, alguém testa o universo com perguntas empíricas e observações, então alguém confirma ou refuta algo. A coisa importante é que em ciência você não pode provar que algo é verdade, geralmente você só pode provar apenas que algo é falso, mas, assim como Sherlock Holmes, você se livra das coisas falsas e o que sobra é verdade.

E em relação a concepções erradas sobre ciência?  Por exemplo, eu acho que há uma noção errada de que ciência é uma questão de opinião e deveríamos ouvir "todos os lados da história". 
Sim, como eu gosto de dizer, a ótima coisa sobre ciência é que um lado está geralmente errado. Há questões abertas, onde há incerteza e debate. A resolução dos debates não se dará por retórica ou volume, e sim pela natureza. Então, se você tem uma ideia, faz uma mensuração e essa ideia discorda com a observação, então você joga a ideia fora. Não há discussão, não há necessidade de debater a questão se a Terra é redonda ou plana. Ainda há pessoas que afirmam a Terra é plana. Mas elas estão simplesmente erradas. Como jornalista, você não precisá citá-las. Similar à evolução: há pessoas que de alguma forma não acham que a evolução ocorreu, mas elas estão erradas. E eu tenho de dizer o mesmo sobre o fato de que mudanças climáticas induzidas pelo homem estão acontecendo e que as pessoas que argumentam contra isso estão simplesmente erradas. 

Você falou recentemente que o único conhecimento que importa é o empírico. Poderia elaborar isso? 
Eu não entendo quando as pessoas falam que elas obtém conhecimento através de revelação. Isso simplesmente leva à ilusão. Nós todos, de fato, nos iludimos diariamente. Precisamos ser céticos de nós mesmos e precisamos testar as coisas. Eu posso ver reflexão ou até sabedoria, mas conhecimento vem de observação, teste e experimento. Alguém que afirma ter conhecimento de outra forma, em primeiro lugar, não pode demonstrar, e em segundo, está provavelmente errado.  

Você também mencionou que, nesse processo da ciência, não aprendemos como o universo funciona pela lógica...
O ponto é que a lógica clássica se baseia no que parece razoável. Mas o que parece razoável é baseado na nossa experiência e, à medida que ampliamos a nossa experiência, o que parece razoável pode mudar. Mecânica quântica é o exemplo perfeito. Não parece razoável uma partícula estar em dois lugares ao mesmo tempo, mas na mecânica quântica é isso o que acontece. Baseado em observações, é possível fazer raciocínios cuidadosos e argumentos lógicos. Mas presumir o que é lógico ou usar lógica clássica tem de ser feito com cuidado, porque o mundo não é clássico. 

O que você quer dizer com o "mundo não é clássico"? 
Como Richard Dawkins [renomado biólogo evolucionário] diz e eu gosto de repetir, nós evoluímos o nosso senso de lógica e raciocínio para escapar de leões na Savana e na África; não para entender mecânica quântica. Mas, em escalas muito pequenas e em escalas muito grandes, o universo se comporta de uma maneira que parece paradoxal para nós. E é paradoxal para nós porque nossa intuição é baseada num segmento pequeno da realidade e esse segmento não se aplica universalmente e precisamos ter cuidado para não fazer isso. Ciência nos ensina que nossas visões míopes não necessariamente representam toda a realidade e temos de ter muito cuidado para concluir que aquilo que pensamos ser natural ou sensível é isso realmente.

As pessoas dizem que a ciência muda o tempo inteiro e que isso é uma coisa ruim.
Ciência realmente muda, é chamado de progresso. Muda em uma maneira bem definida. Não jogamos fora o que foi feito antes. Isso é uma das concepções erradas da ciência. O que sobrevive ao teste e experimento sempre sobrevive. Até as Leis de Newton, que foram substituídas pela Relatividade Geral e Mecânica Quântica, na escala que elas se aplicam, para o movimento de balas de canhão, bolas de basebol, mísseis contra a Síria, as Leis de Newton sempre aplicarão. Então, podemos aprender coisas novas nas fronteiras da conhecimento - de fato, sempre iremos, o que faz a ciência ser maravilhosa - que mudam a nossa figura subjacente das coisas, mas há uma consistência na nossa habilidade de prever, e não jogamos fora o que foi feito antes.

Qual a sua opinião sobre filosofia? 
Filosofia é útil para refletir sobre o conhecimento gerado pela ciência. E todos os bons filósofos que eu conheço fazem isso. Eles usam lógica e raciocínio rigoroso para refletir em cima do conhecimento, interpretá-lo, e fazer novas perguntas. Então, filosofia é útil às vezes para fazer perguntas, mas é a ciência que é útil para obter as respostas e gerar esse conhecimento. Eu acho que qualquer filósofo que argumenta o contrário está exagerando. Como eu disse, tenho muitos amigos filósofos e acho que concordamos que é para isso que filosofia é bom. E filosofia era indistinguível da física na época de Filosofia Natural, mas as duas divergiram. Filosofia simplesmente não é o jeito certo de gerar conhecimento sobre o mundo, é o jeito de refletir sobre esse conhecimento. 

As pessoas aplicam palavras, como "teoria" ou "nada", de forma diferente do que na ciência. O que é teoria para ciência? 
Teoria em ciência é o nível mais alto de conhecimento, não é uma hipótese. Teoria, como a teoria da gravitação universal de Newton ou teoria quântica, é uma suposição matemática que foi submetida a testes várias e várias vezes. Então, quando falamos que evolução é uma teoria, estamos colocando-a no pedestal mais alto possível, não sugerindo que é uma hipótese aleatória. 

Mas há um artigo que você escreveu há um tempo atrás que dizia que a teoria das cordas não é uma teoria no mesmo sentido que evolução é uma teoria...
Cientistas são humanos e usam as palavras de forma errada como qualquer outra pessoa. E agora estou feliz de dizer que eu convenci pessoas como Brian Greene [físico teórico de cordas], que é meu amigo, e ele concorda comigo agora - mas é claro que ele não me cita - que a teoria das cordas não é uma teoria e não deveria ser chamada de teoria. Há muitas teorias que não temos e um bom exemplo é a teoria quântica da gravidade. Não temos uma teoria do que acontece no centro da singularidade de buracos negros, não temos ainda uma teoria do que acontece quando t = 0 no big bang. Temos ideias, mas não fomos capazes de testá-las. Algumas pessoas argumentaram que complexidade é uma teoria - Teoria da Complexidade - mas eu não estou convencido que há realmente uma base teórica da complexidade. 

A teoria das cordas não é uma teoria por que não faz previsões ainda ou por que as previsões que faz não são refutáveis neste momento? 
Teoria das cordas é ambos. Realmente não faz previsões neste momento porque ainda é uma ideia em desenvolvimento. E todas as vezes que faz previsões, eles descobrem que provavelmente são prematuras. As previsões que poderia fazer estão provavelmente além do escopo do experimento, embora teóricos espertos continuam pensando em maneiras de como testar as idéias, como a existência de dimensões extras, por exemplo. Há uma pequena possibilidade de testar tais dimensões no Large Hadron Collider, mas é uma possibilidade bem pequena na verdade. 

O que você quer dizer que o universo pode ter surgido a partir do nada no seu último livro? 
Eu quero dizer que é plausível, dado tudo o que sabemos e toda medida que fizemos sobre o universo que pode ter surgido a partir do nada: sem espaço, sem tempo, sem partículas, sem radiação. Em particular, se perguntarmos quais seriam as características de um universo que surgiu do nada, dada as conhecidas leis da física e algumas extrapolações razoáveis das leis da física, seriam as características do nosso universo.  

No seu livro e nas palestras, você define três níveis de "nada".
Sim, nada, assim como teoria, é uma palavra que tem diferentes significados para diferentes pessoas. Como eu gosto de dizer que as pessoas que não gostam do que eu digo definem nada de um jeito que só Deus pode criar algo. Mas, para muitas pessoas, nada era o espaço vazio da Bíblia. É claro que isso não é nada, nós mostramos isso. Esse tipo de nada pode criar algo.* Isso pode ser definido como nada: espaço vazio é uma boa aproximação, mas é mais complexo que imaginávamos. Então, eu digo que uma versão mais dramática do nada envolve não só a ausência de partículas, tempo e radiação, mas a ausência do espaço-tempo também. O espaço-tempo pode vir à existência por qualquer teoria razoável da gravidade quântica. E, então, a versão final do nada: talvez até as leis que governam como as coisas evoluem no nosso universo são acidentais. Essa é última versão: sem leis, sem espaço, sem tempo, sem matéria, sem radiação. Bem, isso pode não ser o nada, mas é um nada muito bom para mim. 

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* Lawrence Krauss está se referindo ao fato de que espaço vazio, ou vácuo, contém partículas virtuais criadas a partir do nada e que rapidamente deixam de existir. Elas são chamadas virtuais porque não podemos observá-las diretamente, mas seus efeitos indiretos foram observados repetidas vezes. Na verdade, essas partículas "virtuais" são responsáveis pela maior parte da massa do seu corpo (e a maior parte da massa do universo reside em espaço vazio)!
No seu livro, Krauss menciona outro fato interessante sobre as partículas virtuais: a teoria prevê o impacto dessas partículas virtuais no espectro do átomo de hidrogênio. E essa é a melhor, mais correta, previsão em toda a ciência: a previsão teórica e observações estão de acordo em 1 parte em um bilhão!!

Links: Parte 2 | Youtube | Versão em inglês

Lawrence Krauss: "As doutrinas das grandes religiões do mundo são incompatíveis com a ciência"

por Felipe Nogueira

Entrevista com Lawrence Krauss

Lawrence Krauss é um físico teórico renomado, foi um dos primeiros físicos a sugerir que a maior parte da energia do universo reside em espaço vazio, o que atualmente é conhecido como "energia escura". Ele tem participado de vários debates e discussões para divulgação científica e dado palestras ao redor do mundo sobre seu último livro A Universe From Nothing: Why There Is Something Rather Than Nothing. O livro, que ainda não tem edição no Brasil, explica que o nosso universo pode ter surgido a partir do nada.

Esta é a segunda parte da entrevista que fiz com ele, que está disponível no Youtube. Me sinto honrado por ter feito isso e só agradeço ao Krauss pelo tempo e pela atenção.

Links:  Primeira parte | Video no Youtube | English version.

Eu sou fascinado com a ideia de computação quântica.
Krauss: Computadores quânticos são uma idéia fascinante, mas o ponto é que eles permitem fazer certos algoritmos que classicamente não são possíveis, como fatorar números grandes em seus números primos. Todo número tem um expressão única em termos de produtos de números primos. Os números primos que números muito grandes são produtos não podem ser facilmente determinados. Esse algoritmo é possível em computadores quânticos. Por que deveríamos nos importar? Acontece que as pessoas usam números grandes e seus primos como chaves de segurança de cartões de crédito e contas bancárias. Então, se pudermos fatorá-los facilmente, teremos de pensar em outras maneiras para garantir a segurança. Essa é a notícia ruim. A boa notícia, entretanto, é que computadores quânticos permitem encriptação quântica e de certa forma possibilita ver se alguém espionou uma mensagem (eavesdropping). Então, há ganhos e perdas com computadores quânticos. Mas não está claro que poderemos fazer computadores quânticos praticamente.

Não conseguimos fazê-los por causa da decoerência quântica?  
Em geral, isso está certo. O mundo quântico é geralmente invisível por boas razões porque as interações das partículas com o ambiente destroem as correlações quânticas e é precisamente as correlações quânticas que se deseja explorar para fazer um computação quântica ou teletransporte quântico.    

Sobre ciência e moralidade, você diz que sem a ciência nossas morais são inúteis?        
Sim. Todo mundo que diz que moralidade é baseada em religião, na verdade baseia moralidade na razão. Eu digo para as pessoas com frequência que se elas não acreditassem em Deus elas provavelmente não mataria seus vizinhos. Embora, algumas pessoas dizem que matariam. O ponto é que a ciência nos diz as consequências das nossas ações. E se não sabemos as consequências de nossas ações, não podemos determinar certo e errado. Então, usamos razão, evidência empírica das consequências das nossas ações e raciocinamos sobre nisso para determinar o que é apropriado. A maioria das pessoas opera dessa forma e nisso que as leis da maioria das nações são baseadas, não são baseadas em doutrinas religiosas, mas sim na razão e evidência empírica. Como Steven Pinker [renomado psicólogo evolucionário] colocou, você pode perguntar como Deus sabe o que é certo e errado. Há duas possibilidade. Uma é que ele inventou arbitrariamente e, nesse caso, qual é o ponto de se preocupar com isso?  Ou a segunda: ele baseia certo e errado no que é razoável, mas se ele faz isso, podemos nos livrar do homem do meio e ir nós mesmos diretamente na razão.

Você acha que há uma moral objetiva?  
Acho que há morais universais no sentido que as pessoas são biologicamente programadas para pensar que certas coisas são erradas, como, por exemplo, a maioria das pessoas acha a priori que incesto é repulsivo. Mas há razões biológicas para isso. Eu acho que moralidade é determinada contextualmente, num contexto relacionado ao tempo e certas circunstâncias. E como eu digo, em certas circunstâncias, incesto não é errado na minha opinião. Deixando claro: em certas circunstâncias, não é óbvio que é errado ou imoral.

Você disse que as leis da mecânica quântica são determinísticas, mas e as distribuição das probabilidades?
As equações subjacentes são equações diferenciais secundárias, que são determinísticas: a partir de um conjunto inicial de condições, é possível derivar sem ambiguidade. A função de onda evolui deterministicamente, então a física subjacente evolui deterministicamente. É totalmente verdade que efetivamente do ponto de vista de observação ou experimento as coisas são probabilísticas, mas as leis subjacentes são determinísticas.     

O que você acha sobre livre-arbítrio?
Acho que é um ilusão, uma ilusão eficiente. Vivemos em um mundo que para todas as intenções e propósitos se comporta como um mundo em que temos livre-arbítrio. A questão se livre-arbítrio existe ou não é uma dessas questões irrelevantes.

Você deixa bem claro que usar Deus como explicação é uma escapatória...
Sim. As pessoas querem dizer muitas coisas diferentes com Deus, porque Deus não é bem definido. Todo mundo inventa o seu próprio Deus. Quando as pessoas usam o termo Deus, é bem pessoal e pode significar muitas coisas diferentes. É um termo mal definido, não é para menos porque é uma ilusão.

Algumas pessoas argumentam que ciência e religião são compatíveis, porque alguns cientistas acreditam em Deus.   
Isso é ridículo. Há cientistas que podem manter crenças mutualmente contraditórias. E esses cientistas viram ateus quando eles entram no laboratório e param de ser ateus quando saem do laboratório. Então, se você consegue ignorar tudo que você acredita em uma circunstância, é absolutamente compatível. E uma crença vaga em uma certa ordem e propósito no universo não é incompatível com a ciência: não evidência para isso, mas não é incompatível. Mas as doutrinas das grandes religiões do mundo são incompatíveis com a ciência. Então, um deísmo vago é compatível com a ciência, mas certamente não a crença nas grandes religiões.  

E em relação à ideia de que ciência lida com as perguntas do tipo "como?" e religião lida com as perguntas do tipo "porque?"
Isso é besteira. Religião não lida com nada. O que nós queremos dizer com "por que"? Se você pergunta por que, você assume propósito. Religião presume propósito e presume respondê-lo. Mas a presunção de propósito é uma presunção. A não ser que você estabeleça evidências de propósito, você está inventando coisas e é por isso que religião inventa coisas.

Algumas pessoas religiosas usam o argumento do ajuste fino do universo como um "ponto" para eles...
Eles não entendem do que estão falando. A antiga afirmação de que abelhas foram finamente ajustadas para ver as cores de flores e isso significaria que elas fora projetadas. Mas não. Se elas não pudessem ver as cores das flores, elas não iriam obter o néctar e não seriam capazes de reproduzir. Nossas características parecem de um jeito que são finamente ajustadas para o universo em que vivemos. Para colocar do outro jeito, elas sugerem que o universo é finamente ajustado para nós. Mas isso pode ser um acidente. Evoluímos nesse universo; se tivéssemos evoluído em outro universo, nossas características poderiam ser diferentes. Segundo, o universo não é finamente ajustado para vida: o universo é bem inóspito para vida e ele está tentando nos matar todo o tempo. Terceiro: há constantes que poderiam ser mais naturais e isso faria a vida ser ainda melhor. Todos esses argumentos são baseados numa falta de entendimento do ajuste fino.   

E sobre o documentário The Unbelievers*? Você sabe se terá distribuição no Brasil? 
Estamos na fase final da negociação das distribuições. Terá uma distribuição mundial em 2014 e estará em alguns cinemas nos Estados Unidos em 2013. Certamente será distribuído na Amazon, Netflix, video sob-demanda, e por DVD. Se terá distribuição no cinema, dependerá da negociação com cada país da qual eu não faço parte.
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* The Unbelievers ("Os Incrédulos") é um documentário que acompanha Lawrence Krauss e o renomado biólogo evolucionário Richard Dawkins na divulgação da ciência e defesa da razão em vários lugares do mundo. 

Paul Offit: "Peço para as pessoas serem mais céticas"

Entrevista com Paul Offit
Paul Offit é um pediatra americano, chefe da Divisão de Doenças Infecciosas do Children's Hospital of Philadelphia (Hospital da Criança da Filadélfia) e foi co-inventor da vacina do rotavírus. Seu último livro, Do You Believe in Magic? The Sense and Nonsense of Alternative Medicine, é uma análise crítica da medicina alternativa. 

Esta é a segunda parte da entrevista que fiz com Paul Offit, que está disponível no Youtube. Links: primeira parte | video no youtube

Com maiores riscos de adquirir doença cardíaca e câncer com a ingestão de vitamina E, você está ciente que hepatologistas usam vitamina E para esteato-hepatite não alcoólica*?
Não estou familiarizado com esses dados. Se há estudos claros mostrando que vitamina E é uma valiosa adição nessa situação, tudo bem. Mas eu não conheço esses dados. O que me impressiona na história da vitamina E é o seguinte. Eu peguei um frasco de vitamina E que dizia "vitamina E natural 1000", mas no verso do rótulo estava escrito que continha 3330% do limite diário recomendado, o que é 33 vezes o limite recomendado. Essa cápsula gelatinosa tem metade do tamanho de uma amêndoa, que é uma ótima fontes de vitamina E. Você precisaria comer 1650 amêndoas para obter a mesma dose dessa cápsula gelatinosa. Isso não é uma coisa natural a se fazer. É por isso que não entendo porque eles colocam a palavra natural no rótulo. Mas as pessoas nunca vêem dessa maneira. Eu acho que tomar grandes quantidades de qualquer coisa deve ser visto com suspeitas. E agora sabemos: se tomar grandes quantidades de vitamina E ou betacaroteno por um tempo prolongado, você aumenta o risco de câncer, aumenta o risco de doença cardíaca e potencialmente diminui a sua vida. Esses dados são claros: há 20 estudos que mostram isso. Se fosse uma indústria regulamentada, eu acho que teria um aviso em uma tarja preta, mas o que está escrito é que a FDA. não aprovou o medicamento para tratar ou prevenir doenças.

E suplementação multivitamínica, sem doses exageradas?
Há um estudo com mulheres que tomaram suplementação multivitamínica, que tem a dose próxima do limite diário recomendado, e elas foram pior do que as que não tomaram. Eu gostaria de ver esse estudo ser repetido, antes de dizermos isso com alguma confiança. Mas o perigo disso é o seguinte. As pessoas pensam "minha dieta não é perfeita" ou "não presto muito atenção na minha dieta e talvez eu não estou comendo a quantidade necessária de frutas e vegetais, então talvez não estou obtendo a quantidade de vitaminas que preciso, então só para ter certeza vou tomar esse multivitamínico". A falsa suposição é que as vitaminas dos suplementos serão processadas da mesma maneira do que as vitaminas da frutas ou vegetais. Eu acho que você está muito melhor servido e será mais barato se você apenas gastar tempo pensando na sua dieta.         

Eu acho 
uma forma de preconceito assumir que suplementos de vitaminas são seguros. Não sei da onde vem essa confiança das pessoas. É como responder antes de fazer a pergunta. O que você acha?  
Sim. Eu dou crédito para indústria, que consegue se vender como natural. Em um lado você tem a grande indústria farmacêutica, que faz produtos sintéticos e só quer ganhar dinheiro e não se importa. E você tem a indústria nutracêutica e a de suplementos dietéticos que se vendem como natural, que não fazem mal nenhum, e cujos suplementos são feitos por hippies ao lado de montanhas floridas. Isso não é verdade. Pfizer e Hoffman-LaRoche são bem ativas na indústria de suplementação dietética e elas são grandes empresas farmacêuticas. Segundo, é uma indústria não regulamentada, sem obrigação de apoiar suas afirmações e que nos Estados Unidos conseguiu influência política para impedir a FDA de regulamentá-la.

Por que as pessoas acreditam que há uma controvérsia, quando não há? Isso acontece, ainda mais historicamente, com evolução e criacionismo...
Há 4000 estudos publicados diariamente em jornais médicos científicos. Não surpreendente, eles seguem uma "curva em forma de sino" [distribuição normal]: alguns deles são excelentes, alguns são ruins e a maioria é mais ou menos na média. Isso quer dizer que você consegue encontrar um estudo que prova qualquer coisa. Seria um estudo ruim, mas isso não importa. Em 1950, quando os dois primeiros estudos saíram mostrando que fumar cigarro estava associado com câncer pulmonar, esses dados não poderiam ser mais claros. Mas a indústria disse que isso era controverso, porque tinha sido feito em ratos e foi mostrado que cigarro não era prejudicial. E "aqui está meu amigo Bob que está vivo até os 90 anos e fuma diariamente e está bem". Isso foi apresentado como controverso até não poder ser mais taxado de converso, porque havia muitos dados. A mesma coisa aconteceu com a fusão fria. Quando a fusão foi proposta em 1980, isso era controvérsia, até ser impossível chamar de controvérsia. E eu acho que isso irá acontecer com essas  altas doses de vitaminas. Eu tenho de acreditar que, em algum momento, a FDA vai levantar e dizer que há danos sendo feitos e que não podem ser ignorados, porque existem 20 estudos.

E outras tipos de medicina alternativa, como acupuntura? Você acha que tem valor para alguma condição?
O trabalho de Edzard Ernst, que eu acho brilhante, foi o primeiro a fazer estudos com agulhas retráteis que mostraram que se você pensar que a agulha está indo dentro da sua pele é tão valioso quanto a agulha realmente ir dentro da sua pele. Há estudos mostrando que algumas pessoas podem aprender a liberar neuro-endorfinas com acupressão. Posso te dizer que há dois pediatras no Hospital da Criança da Filadélfia que são treinados como acupunturistas - é como ser treinado para ser vidente, na minha opinião - e querem trazer acupuntura para o hospital. Isso não vai acontecer. Por que eles querem isso? Eu acho que é porque os pacientes demandam. Ao invés de fazer o que deveríamos como médicos, que é ajudar pacientes, ao invés de definir um padrão profissional, nos tornamos garçons em um hospital. O Hospital da Universidade da Pensilvânia, que faz parte da faculdade de medicina da Universidade de Pensilvânia, oferece reiki para ajudar a manipular energias de cura na clínica de oncologia. Não acho que isso seja danoso, mas cria essa noção de que há energia de cura a serem manipuladas.

As pessoas precisam entender que se um tratamento funciona não quer dizer que funciona da maneira que afirma.
Esse é um argumento muito bom. Mehmet Oz, que é bem popular nos Estados Unidos e tem um programa de televisão que 4 milhões de pessoas assistem anualmente, foi perguntado o que ele faz quando suas crianças ficam doente. Ele respondeu: minha a mulher dá arnica homeopática e, se elas não melhorarem, então ela me liga." Aqui está a lógica disso. Provavelmente 80% das doenças que vemos na emergência do Hospital da Criança da Filadélfia são auto-limitadas. Elas vão embora sozinhas, por exemplo infecções virais do nariz e garganta. Então, você pode fazer o argumento de que a arnica homeopática não irá machucá-los e a probabilidade é que eles estejam com uma infecção viral. Dar arnica homeopática significa que as crianças não estão tomando antibiótico para infecção viral, o que é bom. Significa que elas não estão tomando uma preparação para tosse e resfriado, que contém pseudoefedrina, que pode ser bem prejudicial especialmente para crianças novas, e isso é bom. E elas melhoram. O problema é ele ou a mulher dele acreditar que a arnica fez elas melhorarem. Então, você dá próximo e possivelmente terrível passo: quando uma criança tem asma, você dá broncodilatadores homeopáticos. Crianças tomaram broncodilatadores homeopáticos e morreram, ao invés de tomar broncodilatadores reais, que salvariam a vida delas.

Qual foi o objetivo de escrever o seu livro Do You Believe in Magic?
Acho que tenha essa noção fantasiosa de que, se você explicar de uma forma clara, convincente e interessante, as pessoas podem parar e pensar no que elas estão fazendo. É tudo que eu peço. O que eu peço é para as pessoas serem mais céticas com que elas põem nos seus corpos. Acho que você deve ser cético com tudo que você põe no corpo, inclusive vacinas.

No seu livro, você menciona que nós usávamos explicações sobrenaturais para as doenças e hoje foram substituídas. Você acredita que idéias religiosas ou sobrenaturais dificulta ou cria uma barreira para o entendimento científico?
Sim. Quando eu escrevi esse livro, eu recebi vários emails raivosos de pessoas que acredito que tiveram seus sistemas de crença atacados por mim. Eu ataquei a igreja de vitaminas e suplementos. Na verdade, meu próximo livro tem a ver com isso e o subtítulo deve ser: "o confronto entre medicina moderna e crenças religiosas". Religião é um sistema de crença e ciência é um sistema baseado em evidência. As pessoas fazem com que o que deveria ser um sistema baseado em evidências seja um sistema de crença.

Por que as pessoas não acreditam na medicina moderna?
Acredito que é porque pode ser frustante, tecnológica e fria. O que a medicina alternativa oferece é algo "quente" e construído em cima de alguma espiritualidade. E o fato de que a  medicina moderna é incerta. Há muitas coisas que não sabemos. Tenho certeza que saberemos mais em 100 anos do que sabemos agora. Estamos constantemente gerando novas informações, isso é que é a ciência. Na ciência, à medida que geramos novas informações, você pode pegar gerar um livro texto e jogar fora sem dúvida. Isso é uma coisa boa, a ciência é mutável, é sempre auto-corretiva. Acho que a incerteza é desconcertante, quando você tem a certeza do Andrew Weil. Se você olhar os livros dele, ele não apenas diz como tratar sua hepatite, ele diz como ser amigo, como educar suas crianças; é como uma bíblia. Acho que as pessoas são atraídas a isso.

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 *É uma recomendação publicada em um guideline da American Association for the Study of Liver Diseases, American College of Gastroenterology e American Gastroenterological Association disponível aqui

domingo, 22 de setembro de 2013

Paul Offit: "Ciência não tem nada a ver com ser mente aberta"

por Felipe Nogueira Barbara

Entrevista com Paul Offit
Paul Offit é um pediatra americano, chefe da Divisão de Doenças Infecciosas do Children's Hospital of Philadelphia (Hospital da Criança da Filadélfia) e foi co-inventor da vacina do rotavírus. Ele já escreveu livros sobre a importância das vacinas, além de esclarecer os riscos, que são frequentemente mal compreendidos pela população. Como exemplo, várias pessoas acreditam que a vacina MMR ou tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola) causa autismo. No entanto, essa suposta relação já foi cientificamente analisada e sabemos que está errada.

Este ano ele lançou o livro Do You Believe In Magic? The Sense and Nonsense of Alternative Medicine, onde analisa criticamente a medicina alternativa.  Eu já traduzi um de seus textos, sobre o perigo do uso excessivo de suplemento de vitaminas, disponível aqui

Eu fiz uma entrevista com ele, que está disponível no Youtube. A entrevista será dividida em dois posts. Este é o primeiro. 

Quando exatamente começou o movimento de anti-vacinação?
Acho que começou com a primeira vacina. A vacina da varíola, que foi desenvolvida por Edward Jenner no final do ano 1700. Houve uma violenta oposição a essa vacina logo no início do ano 1800 e a razão disso é que a vacina era obrigatória. As pessoas não gostam de ouvir do governo que elas precisam de vacina. Então, isso aconteceu com a primeira vacina e é verdade hoje. Se você conversar com os profissionais da anti-vacinação, como National Vaccine Information Center, Moms Against Mercury, Safeminds, Generation Rescue, eu acho que eles parariam o movimento da anti-vacinação se as vacinas fossem opcionais.

Vacinas podem causar complicações mais sérias. Por exemplo, existe uma associação da Síndrome de Guillain-Barré com a vacina da gripe? Qual é esse risco real ?
Eu acho que pode ser dito com confiança que a vacina para gripe suína usada em 1976 tinha um risco de causar Síndrome de Guillain-Barré em 1 de 100.000 pessoas vacinadas. Não está claro se as vacinas usadas depois disso causam Guillain-Barré. Mas o limite da detecção é 1 por milhão. Então, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças  e outros grupos que tentaram caracterizar isso afirmam que não podemos dizer que é mais comum do que 1 por milhão. As pessoas tem essa vaga noção que vacinas podem causar Síndrome de Guillain-Barré e desde da vacina da gripe suína de 1976 não há evidência clara para isso.

Se uma vacina causa um sintoma, a doença que essa vacina tenta prevenir normalmente causa o mesmo sintoma com maior risco. Você poderia comentar sobre isso?
O melhor exemplo para isso é trombocitopenia, que é baixa quantidade de plaquetas. A vacina de sarampo pode causar trombocitopenia. Há alguns estudos que foram consistentes e reproduzíveis. A vacina de sarampo causa trombocitopenia de 1 a cada 25.000 até 1 cada 30.000 vacinados. O vírus do sarampo também faz isso e é muito mais comum. Uma pessoa vacinada para catapora pode ter um leve rash em 8 até 12 dias depois de ser vacinada o que é consistente com menos de 5 bolhas, mas às vezes pode causar 30 bolhas, mas se alguém pegar a catapora pode ter de 300 a 500 bolhas.         

Sabendo que a vacina MMR (tríplice viral) não causa autismo, o quanto você acha perigoso divulgar informação não corroborada pela ciência?
Eu gostaria de ter a resposta para isso. Eu acho que, uma vez que você assusta as pessoas, é difícil desassustá-las. Quando se abre a caixa de pandora, é difícil fechá-la. Quando essa pergunta foi levantada por Andrew Wakefield em 1998 com a sua publicação no Lancet, aquilo não era um estudo, era apenas uma série de casos de 8 crianças que foram vacinadas e desenvolveram sintomas de autismo em 1 mês. Não era um estudo, era apenas uma série de casos. Subsequentemente, foram feitos 12 estudos com um grupo grande de pessoas que receberam e não receberam a vacina para responder a pergunta "você tem maior risco de desenvolver autismo se for vacinado?". A resposta foi bem reproduzível: não. Mas como você convence as pessoas? Em um lado, eu acho que as pessoas se convencem muito mais por anedotas do que por estatística. Então, se a Jenny McCarthy for na Oprah e dizer chorando "eu vi o meu filho receber essa vacina, eu vi a alma dele sair pelos olhos", é muito convincente. Um cientista no programa diria "ok, pergunta justa: pode a vacina ter causado o autismo? Quando foi vacinado estava bem, agora tem sintomas de autismo. Isso é uma relação de causa e efeito? Isso é apenas um efeito temporal? Ou é um efeito plausível?" Você pode responder essa pergunta. É uma pergunta científica. Pode ser e foi respondida de forma cientifica. Mas como você convence as pessoas com a ciência? E como você supera anedota com a ciência? E a mídia tem um papel fundamental e eles não são bons nisso.

E em relação a sua história com urologistas, PSA e câncer de próstata? Se a maioria dos homens com câncer de próstata morrem com ele e não por causa dele, temos de pesar os benefícios e os riscos da remoção da próstata. 
Sim. Eu fiquei trocando de urologistas, porque os urologistas que eu estava indo continuavam com a noção de repetir exames de PSA e biópsias. Há morbidade associada a isso. Meu pensamento era achar um urologista que estivesse praticando medicina consistente com a evidência de que PSAs e biópsias não estão associados com maior duração da vida de homens americanos. Muitos PSAs e biópsias significam muito dinheiro para os urologistas e eles estão vivendo disso. Foi bom poder achar um urologista disposto a praticar medicina baseada na evidência. Eu vi um artigo que saiu há poucas semanas no New England Journal of Medicine que comparou as pessoas que tomaram finasterida com quem não tinha tomado. O estudo encontrou, nas pessoas que tomaram finasterida, uma menor incidência de câncer de próstata que é improvável de matar, os mesmos tipos que causam altos níveis PSA, que são chamados de neoplasia intraepitelial prostática tipo I e II. Isso é improvável de matar. O problema acontece quando o câncer chega no terceiro estágio. Como os urologistas frequentemente vão perseguir diagnósticos com contínuos níveis de PSA e biópsias, a finasterida diminui o risco de alguém passar por isso. De qualquer maneira, é um sistema falho, por todas as biópsias que foram feitas, por todos os PSA que foram feitos, não estão associados com maior duração da vida de homens americanos. Mas isso é uma boa forma de fazer dinheiro para os urologistas. Então, acho que eles não irão desistir.

Qual a sua opinião sobre estudantes medicina serem ensinados em faculdades de medicina disciplinas não científicas?
Eu acho criminoso. Eu recebi um e-mail de um aluno da Universidade do Estado de Nova York do terceiro ano da faculdade de medicina. Ele disse que ele teve uma palestra de um homeopata, que explicou que a água pode lembrar que havia uma substância ativa no passado, o que não faz o menor sentido. Então, ele escreveu uma carta para o reitor da medicina dizendo que ele estava ofendido por um homeopata ter lecionado na faculdade medicina, que deveria ser baseada em evidência e não mística. O reitor respondeu que ele deveria ser mais mente aberta. Bem doloroso. Isso não tem nada a ver com ser mente aberta; é tudo sobre evidência. Ciência não tem nada a ver com ser mente aberta; ciência é formar uma hipótese, estabelecer ônus da prova, e submeter essas provas a análises estatísticas. Não tem nada a ver com política, com ser mente aberta. Eu pensava que o reitor da faculdade medicina saberia isso, mas ele não sabia.

Pode ser dito que quem não estava sendo mente aberta era o reitor da faculdade de medicina, por não aceitar que homeopatia não funciona.
Devido ao efeito placebo pode funcionar. Às vezes, você toma algo que acha que vai funcionar e acaba funcionando simplesmente porque acha que é verdade. O efeito placebo não é trivial. É um efeito real, que pode ter uma base fisiológica. Eu falo sobre isso no último capítulo do meu livro. As pessoas podem aprender a liberar as neuro-endorfinas e regular o sistema imune.

As pessoas normalmente mencionam para mim que não é bom ser tão cético. Elas acreditam a priori que ser cético é ruim. Você tem problemas com isso também?
É verdade. Quando eu fiz cirurgia no joelho, meu cirurgião me orientou no momento da recuperação que eu tomasse sulfato de condroitina e glucosamina. Mas se olhar os dados, sulfato de condroitina e glucosamina não fazem nada para promover recuperação, não fazem nada para diminuir a inflamação e dor. E há estudos mostrando que eles não fazem nada para dor da osteoartrite. Eu tinha lido esses estudos e não conseguia me convencer que deveria tomá-los. Alguém pode argumentar que se eu pensasse que isso iria remover a minha dor, eu não precisaria tomar anti-inflamatório não-esteroide ou um anti-inflamatório COX-2. É caro, mas não iria me fazer mal. Então, alguém pode argumentar isso. Mas eu não compartilhava esse sistema de crença. Na teoria, ciência não deveria ser um sistema de crença; é baseada em evidência. E a evidência não estava lá para isso.

Poderia fornecer exemplos de práticas usadas na medicina alternativa que sabemos funcionar? 
Há um remédio antigo chinês baseado na planta artemísia para tratar malária. Nessa planta artemísia, há uma substância ativa, que hoje chamamos de artemisinina, que tem atividade anti-malárica. As pessoas tinham o hábito de mastigar a planta dedaleira, que contém digitalis. Hoje sabemos que há digitalis nessa planta e podemos sintetizar drogas como digoxina. Uma medicina alternativa pode virar medicina convencional, ortodoxa. Mas isso tudo pode ser estudado, entendido; não precisamos olhar para os deuses para explicar porque certas coisas funcionam. Quando as coisas não funcionam, temos de aceitar o fato de que não funcionam. Então, não existe isso de medicina alternativa: se uma medicina alternativa funciona, então é medicina; se não funciona, não é alternativa.

E em relação a erva-de-são-joão para depressão?
Há estudos que comparam a erva de são joão com placebo para depressão leve a moderada e pode ser dito que a evidência apoia o uso da erva de são joão. Certamente, erva de são joão é melhor que placebo para depressão severa. O problema com essa indústria é: o que é erva de são joão? Como é uma indústria sem regulamentação, é difícil comparar um estudo com outro, porque não há garantia do que um produto contém é similar ao que contém em outro produto. Por exemplo, quando alguém chega no nosso hospital com malária, não usamos cinchona como fonte de quinina; usamos quinina de uma companhia regulamentada pela FDA. Então, sabemos exatamente a dosagem. Se algum psiquiatra no nosso hospital quiser usar erva de são joão por causa da evidência existente, teríamos problema com isso porque não saberíamos se o que está no produto é o que está descriminado no rótulo e isso tem sido historicamente verdade nos Estados Unidos. O rótulo reflete sem acurácia o que está dentro do suplemento. Isso precisa ser regulamentado. Erva-de-são-joão funciona para depressão, então uma empresa deveria fazer e ser regulamentada pela FDA e saberíamos o que estamos dando aos pacientes.




   



                    





quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Padronicidade

por Michael Shermer
Tradução: Felipe Nogueira Barbara
Fonte: MichaelShermer.com

Substantivo. A tendência de encontrar padrões significativos em dados insignificativos.

Por que as pessoas vêem rostos na natureza, interpretam manchas em janelas como figuras humanas, escutam vozes em sons aleatórios gerados por dispositivos elétricos ou encontram conspirações em noticias do cotidiano? Uma causa imediata é o efeito priming, no qual nossos cérebro e sentidos estão preparados para interpretar estímulos de acordo com um modelo esperado. Ufólogos [adeptos da Ufologia] vêem um rosto em Marte. Religiosos vêem Virgem Maria na lateral de um prédio. Adeptos da paranormalidade escutam pessoas mortas falando com eles através de um receptor de rádio. Teóricos da conspiração acham que 11/9 foi um trabalho interno da administração do Bush. Há uma última e profunda causa pela qual as pessoas acreditam nessas coisas estranhas? Existe. Eu chamo de "padronicidade", ou a tendência de encontrar padrões significativos em dados insignificativos.

Tradicionalmente, cientistas tratam padronicidade como um erro na cognição. Um erro do tipo I, ou um falso positivo, é acreditar que algo é real quando não é (encontrar um padrão não existente). Um erro do tipo II, ou um falso negativo, é não acreditar que algo é real quando é (não reconhecer um padrão real). No meu livro How We Believe, publicado em 2000, argumentei que nosso cérebro é uma máquina de crença: evoluída máquina de reconhecimento de padrões que conecta os pontos e cria significado a partir de padrões que pensamos ver na natureza. Algumas vezes, A realmente está conectado com B; algumas vezes, não está. Quando está, aprendemos alguma coisa valiosa sobre o ambiente e a partir disso podemos fazer previsões que auxiliam na sobrevivência e reprodução. Somos descendentes daqueles que eram os melhores em encontrar padrões. Esse processo é chamado de aprendizado por associação e é fundamental para o comportamento de todos animais, desde do humilde verme C.Elegans até o H. Sapiens.     

Infelizmente, não desenvolvemos uma Rede de Detecção de Mentiras no cérebro para distinguir entre padrões verdadeiros e falsos. Não temos um detector de erros para modular a máquina de detecção de padrão (Logo, a necessidade da ciência com seus mecanismos auto-corretivos de replicação e revisão de pares). Mas é provável que essa cognição errônea não nos remova do pool genético e então provavelmente não foi contra-selecionada pela evolução.

Em um artigo publicado em Setembro de 2008 em Proceedings of the Royal Society B, intitulado "The Evolution of Superstitious and Superstition-like Behaviour" [A Evolução de Comportamentos Supersticiosos e Similares à Superstição]*, o biólogo Kevin R. Foster, da Universidade de Harvard, e a bióloga Hanna Kokko, da Universidade de Helsinque, testaram minha teoria através de modelos evolucionários e demonstraram que, sempre que o custo de acreditar em um padrão não existente for menor que o custo de não acreditar num padrão real, a seleção natural favorecerá padronicidade. Eles começam com a fórmula pb > c, onde uma crença pode ser mantida quando o custo (c) de fazer isso é menor que a probabilidade (p) do benefício (b). Por exemplo, acreditar que um ruído na grama é um predador perigoso quando é apenas o vento não tem um alto custo, mas acreditar que um predador perigoso é o vento pode custar a vida do animal. 

O problema é que somos muito ruins em estimar essas probabilidades, então o custo de acreditar que o ruído na grama é um predador perigoso quando é apenas o vento é relativamente baixo comparado com o oposto. Então, deve ter existido uma seleção benéfica para acreditar que a maioria dos padrões é real. Através de uma série de fórmulas complexas que incluem estímulos adicionais (vento nas árvores) e eventos prévios (experiências passadas com predadores e ventos), os autores concluíram que "a inabilidade dos indivíduos - humanos ou não - para atribuir probabilidades causais para todos os conjuntos de eventos que ocorrem ao redor deles frequentemente os forçará a juntar associações causais com não causais. Com isso, a explicação evolucionária para superstição é clara: a seleção natural favorecerá estratégias que podem fazer muitas associações causais incorretas com o objetivo de estabelecer aquelas que são essenciais para a sobrevivência e reprodução".

Apoiando um modelo de seleção genética, Foster e Kokko observam que "predadores apenas evitam cobras não venenosas que mimetizam espécies venenosas em áreas onde a espécie venenosa é comum", e que até organizamos simples como "células de Escherichia Coli vão nadar em direção a aspartato metilado fisiologicamente inerte presumivelmente devido a uma adaptação para favorecer o aspartato verdadeiro".

Tais padronicidades, então, querem dizer que as pessoas acreditam em coisas estranhas por causa da nossa necessidade evolucionária de acreditar em coisas que não são estranhas.

* Nota do Tradutor: O artigo pode ser encontrado aqui.   


terça-feira, 27 de agosto de 2013

Não tome suas vitaminas

por Paul A. Offit
Tradução: Felipe Nogueira Barbara
Fonte: NYTimes

Mês passado [Maio de 2013], Katy Perry compartilhou seu segredo de boa saúde com seus 37 milhões de seguidores no Twitter. "Eu sou tudo sobre suplementos e vitaminas" escreveu a popstar, postando uma foto dela segurando três sacos grandes de comprimidos. Há, entretanto, um fato perturbador sobre vitaminas que Katy não mencionou.

Derivadas de "vita", significado de vida em Latin, vitaminas são necessárias para converter alimentos em energia. Quando não se obtêm a quantidade necessária de vitaminas, as pessoas adoecem com escorbuto e raquitismo.  A pergunta não é se as pessoas precisam de vitaminas. Elas precisam. As perguntas são o quanto de vitaminas precisam, e elas obtêm o necessário nos alimentos?

Especialistas em nutrição argumentam que as pessoas precisam apenas dos limites diários recomendados - a quantidade de vitaminas encontrada numa dieta de rotina. Fabricantes de vitaminas argumentam que uma dieta regular não contém vitaminas o suficiente, e que mais é melhor. A maioria das pessoa assume que, pelo menos, excesso de vitaminas não faz mal nenhum. Acontece que, entretanto, cientistas sabem há anos que grandes quantidades de suplemento de vitaminas podem ser bem nocivas, na verdade.

Em um estudo publicado em 1994 no The England Journal of Medicine, 29000 homens finlandeses, todos fumantes, receberam diariamente vitamina E, beta caroteno, ambos ou placebo. O estudo descobriu que aqueles que tomaram beta caroteno por cinco até oito anos tinham mais chances de morrer por câncer de pulmão ou doença cardíaca.

Dois anos depois o mesmo periódico publicou outro estudo sobre suplementos de vitamina. Nesse estudo, 18000 pessoas com um risco maior de câncer de pulmão por causa de exposição a amianto ou tabagismo receberam uma combinação de vitamina A e beta caroteno, ou placebo. Investigadores interromperam o estudo quando encontraram que o risco de morte por câncer de pulmão para aqueles que tomaram as vitaminas foi 46% maior.

Então, em 2004, uma revisão de 14 ensaios clínicos randomizados feita pela Cochrane Database encontrou que suplementos de vitamina A, C, E, e beta caroteno, e um mineral, selênio, tomados para prevenir cânceres intestinais, na realidade aumentaram a mortalidade.

Outra revisão, publicada em 2005 no Annal of Internal Medicine, encontrou que, em 19 ensaios clínicos com quase 136000 pessoas, suplemento de vitamina E aumentou a mortalidade. Nesse mesmo ano, um estudo com pessoas com doença vascular ou diabetes encontrou que vitamina E aumenta o risco de falha cardíaca. E em 2011, um estudo publicado no Journal of the American Medical Association associou vitamina E com um risco maior de câncer de próstata.

Finalmente, no ano passado, uma revisão da Cochrane encontrou que "beta caroteno e vitamina E parecem aumentar mortalidade, e altas doses de vitamina A podem fazer o mesmo".

O que explica essa conexão entre suplementos de vitaminas e aumento nas taxas de mortalidade e câncer? A palavra chave é antioxidante.

Antioxidante vs oxidação já foi classificada como uma disputa entre o bem e o mal. Acontece nas organelas celulares chamadas de mitocôndria, onde o corpo converte alimento em energia, um processo que requer oxigênio (oxidação). Uma consequência da oxidação é a geração de escavadores atômicos chamados radicais livres (mal). Radicais livres podem danificar o DNA, membranas celulares, as linhas das artérias; não surpreendente, eles foram ligados a envelhecimento, câncer e doenças cardíacas.

Para neutralizar radicais livres, o corpo faz antioxidantes (bem). Antioxidantes também podem ser encontrados em frutas e vegetais, especialmente em selênio, beta caroteno e vitaminas A,C e E. Alguns estudos mostraram que pessoas que as pessoas que comecem mais frutas e vegetais têm menor incidência de câncer e de doenças cardíacas e vivem mais. A lógica é óbvia. Se frutas e vegetais contém antioxidantes, e as pessoas que comem frutas e vegetais são mais saudáveis, então as pessoas que tomarem suplementos de antioxidantes também deverão ser mais saudáveis. Mas não tem sido dessa maneira.

A provável explicação é que radicais livres não são tão maldosos como se pensava.(De fato, as pessoas precisam deles para matar bactéria e eliminar novas células cancerígenas). E quando as pessoa comem altas doses de antioxidante na forma de suplemento de vitaminas, o balanço entre a produção de radicais livres e destruição pode ir muito numa direção, causando um estado não natural onde o sistema imunológico é menos hábil em matar invasores danosos. Pesquisadores chamam isso de o paradoxo dos antioxidantes.

Como estudos com altas doses de suplemento de antioxidantes não apoiaram claramente o seu uso, respeitadas organizações responsáveis pela saúde pública não os recomendam para pessoas saudáveis.

Por que não sabemos disso? Por que oficiais da Food and Drug Administration (F.D.A.) [órgão que regula alimentos e drogas nos EUA] não se certificaram que estávamos cientes dos riscos? A resposta é que eles não podem.

Em Dezembro de 1972, preocupados que as pessoas estavam consumindo grandes quantidades de vitaminas, a F.D.A. anunciou um plano para regular suplementos vitamínicos contendo mais que 150 porcento do limite diário recomendado. Fabricantes de vitaminas teriam que provar que essas "megavitaminas" eram seguras antes de venderem. Não surpreendente, a indústria da vitamina viu isso como ameaça, e organizou a destruição desse plano. No final, fez mais do que isso.

Executivos da indústria recrutaram William Proxmire, um senador Democrata de Wisconsis, para introduzir um projeto de lei prevenindo a F.D.A. de regulamentar megavitaminas. Em 14 de Agosto de 1974, a audiência começou.

Apoiando a regulamentação da F.D.A. estava Marsha Cohen, uma advogada da Consumers Union. Dispondo oito melões na frente dela, ela disse, "Você teria que comer oito melões - uma boa fonte de vitamina C - para adquirir 1000 miligramas de vitamina C. Mas esses dois comprimidos apenas, simples de engolir, contém a mesma quantidade." Ela avisou que se a legislação passasse, "um tablete conteria a mesma quantidade de vitamina C de todos esse melões, ou até o dobro, ou o triplo ou 20 vezes tal quantidade. E não teria nível protetor de saciedade". Cohen estava mencionando o calcanhar de Aquiles da indústria: ingerir grandes quantidades de vitamina não é natural, o oposto que os fabricantes estavam promovendo.

Mais de um mês depois, o projeto de lei de Proxmire passou por uma votação de 81 a 10. Em 1976, virou lei. Décadas depois, Peter Barton Hutt, conselheiro-chefe da F.D.A., escreveu que "foi a derrota mais humilhante" na história da agência.

Como resultado, consumidores não sabem que tomar megavitaminas pode aumentar o risco de câncer, de doenças cardíacas e encurtar suas vidas; eles não sabem que estão sofrendo muito de uma coisa boa por muito tempo.




segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Por que mudei de opinião sobre homeopatia

por Edzard Ernst
Tradução: Felipe Nogueira Barbara
Fonte: The Guardian

Homeopatia me intriga por vários anos; de certa forma, eu cresci com ela. O médico da nossa família era um homeopata, e meu primeiro trabalho como médico júnior foi em um hospital homeopata alemão. Nas últimas duas décadas, eu investiguei homeopatia cientificamente. Durante esse período, a evidência tornou-se mais e mais negativa, e agora está bem claro que remédios homeopáticos altamente diluídos são puramente placebos. 

Dois axiomas principais constituem os princípios centrais da homeopatia. O princípio "similar cura similar" afirma que, se uma substância causa um sintoma (p.e., cebola faz meu nariz escorrer), então essa substância pode curar uma doença que é caracterizada por nariz escorrendo (p.e, alergia ou resfriado comum). O segundo princípio assume que o processo de diluição serial usada para remédios homeopáticos tornam-os não menos mas mais potentes (por isso homeopatas chamam esse processo "potenciação"). 

Ambos axiomas são contrários à ciência. Se fossem verdadeiros, muito do que aprendemos em física e química estariam errados. Se uma pessoa mostrar que os conceitos da homeopatia estão corretos, ela se torna uma séria candidata a um ou dois prêmios Nobel. Homeopatas frequentemente dizem que apenas não descobrimos como a homeopatia funciona. A verdade é que sabemos que não há explicação científica concebível que poderia explicar a homeopatia.

Ainda assim, como médico aproximadamente 30 anos atrás, eu estava impressionado com os resultados alcançados pela homeopatia. Muito dos meus pacientes pareciam melhorar dramaticamente após receberem tratamento homeopático. Como isso era possível? 

Para entender essa aparente contradição, temos que dar um passo para trás e entender as complexidades da resposta terapêutica. Quando um paciente ou um grupo de pacientes recebe um tratamento médico e subsequentemente percebe melhorias, nós automaticamente assumimos que a melhoria foi causada pela intervenção. Essa falácia lógica pode ser bem enganadora e tem impedido progresso na medicina por centenas de anos. É claro que pode ter sido o tratamento - mas há também outras diversas possibilidades. 

Por exemplo, a condição pode ter melhorado sozinha. Ou o encontro entre o terapeuta e o paciente pode ter sido terapêutico sem que o tratamento tenha contribuído significativamente. Ou o paciente poderia estar com altas expectativas no tratamento que promoveu uma poderosa resposta placebo. Ou o paciente auto-administrou outros tratamentos concomitantes que causaram a melhoria. 

Por causa dessas complexidades, precisamos conduzir ensaios clínicos que diferenciam efeitos específicos e não específicos de um tratamento. Em tais estudos, um grupo de pacientes recebe tratamento experimental (p.e, tratamento homeopático) e outro grupo recebe um placebo. Se bem desenhados, esses estudos expõem o grupo experimental aos efeitos específicos mais todos os efeitos não específicos de uma intervenção, já que o grupo controle é exposto precisamente a mesma variação e quantidade dos efeitos não específicos, mas não ao efeito específico do tratamento que está sendo testado. Nessa situação, qualquer diferença de resultado em os dois grupos foi causada por efeitos específicos.* 

Aproximadamente 200 ensaios clínicos de remédios homeopáticos estão disponíveis até hoje. Com um número dessa grandeza, não é surpreendente que os resultados não são inteiramente uniformes. Seria fácil "contar cerejas" e selecionar apenas os achados que a pessoa já gosta (e alguns homeopatas fazem justamente isso) Mas, se quisermos saber a verdade, precisamos considerar a totalidade dessa evidência e pesá-la de acordo com o seu rigor científico. Essa abordagem é chamada de revisão sistemática. Mais de uma dezena de revisões sistemáticas de homeopatia já foram publicadas. De forma quase uniforme, eles chegaram a conclusão que remédios homeopáticos não são diferentes de placebo.

Muitos homeopatas aceitam relutantemente esse cenário, mas afirmam que a experiência clínica deles é mais importante que a evidência de ensaios clínicos. Pacientes que consultam homeopatas ficam melhores e estudos observacionais mostraram isso ad nauseam. Homeopatas insistem que isso é uma evidência que é mais importante daquelas oriundas de ensaios clínicos. Mas há realmente uma contradição? 

A experiência é real, é claro, mas não estabelece causalidade. Se dados observacionais mostram melhorias enquanto ensaios clínicos nos dizem que remédios homeopáticos são placebos, a conclusão que encaixa confortavelmente com esses fatos é a seguinte: pacientes melhoram, não pelo remédio homeopático, mas por um efeito-placebo e por uma consulta demorada com um clínico compassionante. Essa conclusão não é apenas lógica, é também apoiada por dados. Homeopatas de Southampton demostraram recentemente que é a consulta, e não o remédio, o elemento que melhora os resultados clínicos de pacientes após consultarem um homeopata. 

Um dos meus professores na escola de medicina vivia nos dizendo: "Qualquer tratamento que não faz mal aos pacientes não pode ser tão ruim". Como não contém nenhum ingrediente ativo, remédios homeopatas altamente diluídos são livres de efeitos colaterais. Então, por essa perspectiva, homeopatia pode ainda ser aceitável. Esse talvez seja o debate mais difícil sobre homeopatia; há obviamente argumentos razoáveis de todos os lados. Mas antes de definir sua opinião, considere os seguintes aspectos:

- Efeitos placebo são notoriamente não confiáveis; pacientes que se beneficiam hoje pode não se beneficiar amanha. Efeitos placebo tendem a ser pequenos e de curta duração. 

- Prescrever conscientemente placebo aos pacientes seria antiético na maioria dos casos. Ou o clínico fala a verdade (p.e, "isso é um placebo"), no qual o efeito provavelmente desaparecerá, ou eles não falam, onde são mentirosos. 

- Prescrever placebo para um paciente com uma séria condição que é tratável de outra maneira coloca seriamente a saúde desse paciente em perigo. 

- Para promover uma resposta placebo em um paciente, não precisamos administrar um placebo. Todos os tratamentos vem com a cortesia do efeito placebo desde que os clínicos administrem-os com compaixão e empatia. Então, por que confiar apenas na parte da resposta terapêutica?  Isso não é ruim para o paciente? 

Minha jornada pessoal dentro e fora da homeopatia pode ser confusa. Eu sempre soube que os princípios da homeopatia são contrários à ciência. Mas eu via resultados positivos e pensava que havia algum fenômeno fundamental a ser descoberto. O que eu descobri não foi fundamental mas mesmo assim importante: pacientes podem apresentar melhorias oriundas de efeitos não específicos. Isso é a razão pela qual eles melhoram após se consultarem com um homeopata - mas isso nada tem a ver com os comprimidos de açúcar da homeopatia.  

*Nota do Tradutor: Um ensaio clínico bem desenhado é randomizado e, no mínimo, duplo cego. Randomizado quer dizer que os pacientes são aleatoriamente distribuídos entre os grupos placebo e tratamento. Quando o paciente não sabe se ele está no grupo placebo ou tratamento, mas o médico sabe, o estudo é cego. É necessário cegar o paciente, já que, se o paciente sabe que está recebendo um placebo, há grandes chances do efeito placebo desaparecer. Quando o médico e o paciente não sabem quem está em qual grupo, o estudo é duplo-cego. A necessidade de cegar o médico se deve ao fato que, ao saber quem está tomando placebo ou não, ele pode introduzir um viés, submetendo os grupos a diferentes efeitos não específicos. Há ainda o estudo triplo-cego:  paciente, o médico e o estatístico não sabem quem está em cada grupo, aumentando a imparcialidade na análise dos dados. Por fim, um estudo quádruplo-cego oculta a identificação dos grupos também para os responsáveis por escrever os resultados até o término do rascunho. A maioria dos ensaios clínicos bem desenhados que testam eficácia de um tratamento (com dois ou mais grupos, sendo um placebo) são duplo-cego.     



quarta-feira, 3 de julho de 2013

Lawrence Krauss: "Deus se tornou redundante"

"We cannot rely on what we perceive to be sensible; we have to rely on what the universe tells us is sensible. What we have to do is force our beliefs to conform to the evidence of reality, rather than the other way around." Lawrence Krauss
Lawrence Krauss
O cosmólogo Lawrence Krauss, um dos maiores divulgadores da ciência atualmente, autor do livro A Universe From Nothing. Why There Is Something Rather Than Nothing, deu uma entrevista para revista época em 2012, que segue abaixo.

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FONTE: Revista Época

ÉPOCA – O que aprendemos sobre a origem do Universo, graças ao avanço da ciência, tornou obsoleta a crença em Deus?
Lawrence Krauss – Até o século XVI, a religião detinha o monopólio da explicação dos mistérios da criação. A responsabilidade pela criação de tudo era divina, e ai de quem duvidasse! Aquele monopólio da fé começou a ser solapado a partir da obra de Copérnico (Nicolau Copérnico, astrônomo polonês do século XV) e a de Galileu (Galileu Galilei, astrônomo italiano do século XVI), que substituíram o milagre metafísico pela realidade física. Quando, há 300 anos, Newton (Isaac Newton, físico e matemático inglês do século XVII) explicou que o movimento dos planetas podia ser compreendido por meio de leis físicas bem simples que não requeriam a intromissão dos anjos, tudo mudou. O avanço da física, da química e da biologia nos fez desvendar o funcionamento da matéria e dos fenômenos biológicos. Ao mesmo tempo, esse avanço foi reduzindo o alcance do termo milagre até deixá-lo restrito ao que teria existido antes do big bang, a explosão primordial que criou o Universo há 13,7 bilhões de anos. Agora, o milagre divino perdeu esse último bastião. A cosmologia do século XX chegou ao ponto em que podemos falar sobre a criação e a evolução de todo o Universo, um tema que não é mais do domínio exclusivo da teologia.

ÉPOCA – Os religiosos sempre disseram que há algumas questões fundamentais para as quais nenhuma teoria científica jamais encontrou respostas. Ainda não é o caso?
Krauss – Não é nem nunca foi o caso. A religião alegava ter as respostas para as perguntas mais básicas do Universo e da vida antes mesmo de essas perguntas terem sido feitas. A religião também afirma que suas respostas são verdades inquestionáveis. Ora, nós, cientistas, somos movidos pela dúvida. O que move nossa curiosidade é a busca de respostas para os mistérios da natureza. Sabemos que não temos todas as respostas e que as respostas que temos não são verdades definitivas. Que questões ficariam sem resposta? Só o tempo e o esforço concentrado de pesquisa dirão. Por isso, não podemos nos deixar satisfazer com as respostas científicas já reveladas nem descansar sobre os louros conquistados, relegando a busca de novas respostas que tenham o poder de revelar uma visão mais profunda da natureza.

ÉPOCA – Os religiosos afirmam que a humanidade jamais descobrirá as verdades mais fundamentais, como a origem do Universo e como surgiu a vida.
Krauss – Jamais saberemos se essas são de fato verdades inatingíveis se não tentarmos elucidá-las. Os religiosos afirmam que conhecem as verdades fundamentais... É inacreditável. Eles afirmam saber que Deus criou o Universo. Isso é preguiça intelectual. A ciência lida muito bem com a existência de mistérios à espera de ser revelados. Sempre haverá perguntas sem resposta e mistérios a descobrir. Os milagres se tornaram obsoletos.

ÉPOCA – A ciência ensina que o Universo começou com o big bang e que antes dele não havia nada.
Krauss – A ciência nos ensina que houve um big bang, mas não diz o que havia antes. Em meu livro, explico por que, com base nos conhecimentos de ponta atuais, é plausível imaginar a hipótese de que o Universo tenha surgido a partir do nada. E, a partir do nada, o Universo teria evoluído por meio de processos naturais que levaram à formação de átomos, moléculas, estrelas, planetas, galáxias e vida.

ÉPOCA – Como o Universo surgiu do nada?
Krauss – Nosso Universo tem todas as características de um universo criado a partir do nada. Uma das descobertas mais notáveis da física moderna é que o vácuo espacial não é vazio. O vácuo pode ser inteiramente vazio de matéria, mas não de energia. Se pudéssemos observar o vácuo em dimensões infinitamente pequenas e lapsos de tempo infinitamente curtos, muito menores e mais curtos do que a tecnologia atual é capaz de fazer, veríamos que o vácuo é tudo, menos estático, e que nele partículas pipocam a partir do nada e desaparecem instantaneamente. Em determinadas condições, entretanto, essas partículas virtuais não precisariam necessariamente desaparecer. Elas poderiam não só continuar existindo, como se multiplicar, dando origem a um big bang e a um novo universo em expansão. A evidência de que isso pode ter sido realmente o caso da origem de nosso Universo é um feito notável.

ÉPOCA – Aconteceu apenas uma vez? O pipocar de partículas não poderia ter criado outros universos?
Krauss – Sim, tudo leva a crer que é o caso, embora não tenhamos como provar. Podemos viver num “multiverso”. Nosso Universo pode ser apenas um entre infinitos outros de um “multiverso que é eterno e infinito”.


ÉPOCA – Os religiosos afirmam que Deus é anterior ao Universo e existiria antes do big bang.
Krauss – O principal problema dessa noção da criação é que ela requer a existência de alguma coisa que anteceda o Universo, de modo a poder criá-lo. É aí que quase sempre entra a noção de Deus, alguma entidade que existiria em separado do espaço, do tempo e da realidade física. Para mim, Deus não passa de uma solução semântica fácil para uma questão tão profunda como a criação. Os religiosos nunca tocam na questão da criação de Deus, pois essa é ainda mais confusa do que a solução religiosa que deram para a criação do Universo. Para os religiosos, Deus simplesmente existe, não importando quantas e quão fortes sejam as evidências que a ciência fornece para indicar a extrema improbabilidade de tal coisa ser verdade.

ÉPOCA – O Universo se expandirá para sempre? Num futuro remoto, as galáxias desaparecerão, as estrelas evaporarão e o cosmos voltará ao nada? Saber disso não torna a vida sem sentido?
Krauss – A vida não precisa ter nenhum sentido, a não ser aquele que damos a ela. Por que ficarmos deprimidos? Para mim, essa é uma imagem revigorante. Justamente porque a vida é efêmera, todos nós deveríamos tirar o máximo proveito do breve momento que desfrutamos sob o sol. Deveríamos aproveitar ao máximo o fato de evoluirmos com uma consciência que nos possibilita apreciar a beleza do cosmos, ao mesmo tempo que buscamos melhorar a vida na Terra. Prefiro viver num universo onde a vida é breve e preciosa a noutro onde o sentido da vida nos é ditado por um Saddam Hussein dos céus!

ÉPOCA – O senhor diz que vivemos num momento especial da história do Universo. Como assim?
Krauss – O Universo tem 13,7 bilhões de anos. Ele é muito antigo. Quando olhamos o infinito futuro a nossa frente, o Universo ainda é muito jovem. Todas as evidências de que um dia há 13,7 bilhões de anos aconteceu um big bang ainda podem ser vistas por meio de nossos observatórios astronômicos. É o que acontece quando os astrônomos verificam que todas as galáxias estão se afastando cada vez mais rápido umas das outras. Num futuro distante, as galáxias estarão tão longe de nossa Via Láctea que não poderão mais ser observadas. Elas desaparecerão no breu cósmico. Para todos os efeitos, será como se jamais tivessem existido. Uma civilização que viva num planeta da Via Láctea naquele futuro jamais saberá como o Universo surgiu.

ÉPOCA – Para entender e aceitar a origem do Universo como descrita pela ciência, é preciso ter bom nível cultural e intelectual, pois não se trata de conceitos simples. A religião lida com conceitos que podem ser apreendidos por qualquer criança.
Krauss – Ninguém precisa ser um especialista em cosmologia para apreciar o panorama do surgimento e da evolução do Universo, da mesma forma como não é preciso ser músico para apreciar a música de Bach (que, aliás, era muito complexa!). Sim, as versões da ciência são mais complicadas que as da religião, mas também são muito mais interessantes. O Universo tem uma imaginação muito maior que a nossa e seus fenômenos que observamos, como a explosão de supernovas ou a criação de buracos-negros, são muito mais fascinantes do que os contos de fadas criados por gente que viveu há milhares de anos, muito antes de descobrirmos que a Terra orbita o Sol e que não estamos no centro do Universo.

ÉPOCA – Nos últimos anos, muitos cientistas e intelectuais começaram a defender a bandeira do ateísmo. É o caso de dois célebres ingleses, o biólogo Richard Dawkins e o físico Stephen Hawking. O senhor pertence a esse movimento?
Krauss – Acho que sim. As pessoas com frequência me colocam ao lado de Dawkins e Hawking, o que me enche de orgulho. Mas prefiro pensar em mim não como um ateu, e sim como um antiteísta. Não posso provar sem sombra de dúvidas que Deus não existe, mas posso afirmar que preferiria muito mais viver num universo em que ele não exista.

ÉPOCA – Deus se tornou irrelevante para a humanidade?
Krauss – Porque eu penso que Deus é uma invenção da humanidade, minha resposta é não. Se existisse um Deus, ele certamente teria deixado de se preocupar com os desígnios do cosmos logo depois de criá-lo, há 13,7 bilhões de anos, pois tudo o que aconteceu desde então pode ser explicado pela ciência. Não, Deus talvez não seja irrelevante. Ele é redundante.