Entrevista com Lawrence Krauss |
Lawrence Krauss é um físico teórico renomado, foi um dos primeiros físicos a sugerir que a maior parte da energia do universo reside em espaço vazio, o que atualmente é conhecido como "energia escura". Ele tem participado de vários debates e discussões para divulgação científica e dado palestras ao redor do mundo sobre seu último livro A Universe From Nothing: Why There Is Something Rather Than Nothing. O livro, que ainda não tem edição no Brasil, explica que o nosso universo pode ter surgido a partir do nada.
Esta é a segunda parte da entrevista que fiz com ele, que está disponível no Youtube. Me sinto honrado por ter feito isso e só agradeço ao Krauss pelo tempo e pela atenção.
Links: Primeira parte | Video no Youtube | English version.
Eu sou fascinado com a ideia de computação quântica.
Krauss: Computadores quânticos são uma idéia fascinante, mas o ponto é que eles permitem fazer certos algoritmos que classicamente não são possíveis, como fatorar números grandes em seus números primos. Todo número tem um expressão única em termos de produtos de números primos. Os números primos que números muito grandes são produtos não podem ser facilmente determinados. Esse algoritmo é possível em computadores quânticos. Por que deveríamos nos importar? Acontece que as pessoas usam números grandes e seus primos como chaves de segurança de cartões de crédito e contas bancárias. Então, se pudermos fatorá-los facilmente, teremos de pensar em outras maneiras para garantir a segurança. Essa é a notícia ruim. A boa notícia, entretanto, é que computadores quânticos permitem encriptação quântica e de certa forma possibilita ver se alguém espionou uma mensagem (eavesdropping). Então, há ganhos e perdas com computadores quânticos. Mas não está claro que poderemos fazer computadores quânticos praticamente.
Não conseguimos fazê-los por causa da decoerência quântica?
Em geral, isso está certo. O mundo quântico é geralmente invisível por boas razões porque as interações das partículas com o ambiente destroem as correlações quânticas e é precisamente as correlações quânticas que se deseja explorar para fazer um computação quântica ou teletransporte quântico.
Sobre ciência e moralidade, você diz que sem a ciência nossas morais são inúteis?
Sim. Todo mundo que diz que moralidade é baseada em religião, na verdade baseia moralidade na razão. Eu digo para as pessoas com frequência que se elas não acreditassem em Deus elas provavelmente não mataria seus vizinhos. Embora, algumas pessoas dizem que matariam. O ponto é que a ciência nos diz as consequências das nossas ações. E se não sabemos as consequências de nossas ações, não podemos determinar certo e errado. Então, usamos razão, evidência empírica das consequências das nossas ações e raciocinamos sobre nisso para determinar o que é apropriado. A maioria das pessoas opera dessa forma e nisso que as leis da maioria das nações são baseadas, não são baseadas em doutrinas religiosas, mas sim na razão e evidência empírica. Como Steven Pinker [renomado psicólogo evolucionário] colocou, você pode perguntar como Deus sabe o que é certo e errado. Há duas possibilidade. Uma é que ele inventou arbitrariamente e, nesse caso, qual é o ponto de se preocupar com isso? Ou a segunda: ele baseia certo e errado no que é razoável, mas se ele faz isso, podemos nos livrar do homem do meio e ir nós mesmos diretamente na razão.
Você acha que há uma moral objetiva?
Acho que há morais universais no sentido que as pessoas são biologicamente programadas para pensar que certas coisas são erradas, como, por exemplo, a maioria das pessoas acha a priori que incesto é repulsivo. Mas há razões biológicas para isso. Eu acho que moralidade é determinada contextualmente, num contexto relacionado ao tempo e certas circunstâncias. E como eu digo, em certas circunstâncias, incesto não é errado na minha opinião. Deixando claro: em certas circunstâncias, não é óbvio que é errado ou imoral.
Você disse que as leis da mecânica quântica são determinísticas, mas e as distribuição das probabilidades?
As equações subjacentes são equações diferenciais secundárias, que são determinísticas: a partir de um conjunto inicial de condições, é possível derivar sem ambiguidade. A função de onda evolui deterministicamente, então a física subjacente evolui deterministicamente. É totalmente verdade que efetivamente do ponto de vista de observação ou experimento as coisas são probabilísticas, mas as leis subjacentes são determinísticas.
O que você acha sobre livre-arbítrio?
Acho que é um ilusão, uma ilusão eficiente. Vivemos em um mundo que para todas as intenções e propósitos se comporta como um mundo em que temos livre-arbítrio. A questão se livre-arbítrio existe ou não é uma dessas questões irrelevantes.
Você deixa bem claro que usar Deus como explicação é uma escapatória...
Sim. As pessoas querem dizer muitas coisas diferentes com Deus, porque Deus não é bem definido. Todo mundo inventa o seu próprio Deus. Quando as pessoas usam o termo Deus, é bem pessoal e pode significar muitas coisas diferentes. É um termo mal definido, não é para menos porque é uma ilusão.
Algumas pessoas argumentam que ciência e religião são compatíveis, porque alguns cientistas acreditam em Deus.
Isso é ridículo. Há cientistas que podem manter crenças mutualmente contraditórias. E esses cientistas viram ateus quando eles entram no laboratório e param de ser ateus quando saem do laboratório. Então, se você consegue ignorar tudo que você acredita em uma circunstância, é absolutamente compatível. E uma crença vaga em uma certa ordem e propósito no universo não é incompatível com a ciência: não evidência para isso, mas não é incompatível. Mas as doutrinas das grandes religiões do mundo são incompatíveis com a ciência. Então, um deísmo vago é compatível com a ciência, mas certamente não a crença nas grandes religiões.
E em relação à ideia de que ciência lida com as perguntas do tipo "como?" e religião lida com as perguntas do tipo "porque?"
Isso é besteira. Religião não lida com nada. O que nós queremos dizer com "por que"? Se você pergunta por que, você assume propósito. Religião presume propósito e presume respondê-lo. Mas a presunção de propósito é uma presunção. A não ser que você estabeleça evidências de propósito, você está inventando coisas e é por isso que religião inventa coisas.
Algumas pessoas religiosas usam o argumento do ajuste fino do universo como um "ponto" para eles...
Eles não entendem do que estão falando. A antiga afirmação de que abelhas foram finamente ajustadas para ver as cores de flores e isso significaria que elas fora projetadas. Mas não. Se elas não pudessem ver as cores das flores, elas não iriam obter o néctar e não seriam capazes de reproduzir. Nossas características parecem de um jeito que são finamente ajustadas para o universo em que vivemos. Para colocar do outro jeito, elas sugerem que o universo é finamente ajustado para nós. Mas isso pode ser um acidente. Evoluímos nesse universo; se tivéssemos evoluído em outro universo, nossas características poderiam ser diferentes. Segundo, o universo não é finamente ajustado para vida: o universo é bem inóspito para vida e ele está tentando nos matar todo o tempo. Terceiro: há constantes que poderiam ser mais naturais e isso faria a vida ser ainda melhor. Todos esses argumentos são baseados numa falta de entendimento do ajuste fino.
E sobre o documentário The Unbelievers*? Você sabe se terá distribuição no Brasil?
Estamos na fase final da negociação das distribuições. Terá uma distribuição mundial em 2014 e estará em alguns cinemas nos Estados Unidos em 2013. Certamente será distribuído na Amazon, Netflix, video sob-demanda, e por DVD. Se terá distribuição no cinema, dependerá da negociação com cada país da qual eu não faço parte.
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* The Unbelievers ("Os Incrédulos") é um documentário que acompanha Lawrence Krauss e o renomado biólogo evolucionário Richard Dawkins na divulgação da ciência e defesa da razão em vários lugares do mundo.
* The Unbelievers ("Os Incrédulos") é um documentário que acompanha Lawrence Krauss e o renomado biólogo evolucionário Richard Dawkins na divulgação da ciência e defesa da razão em vários lugares do mundo.
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