quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Paul Offit: "Peço para as pessoas serem mais céticas"

Entrevista com Paul Offit
Paul Offit é um pediatra americano, chefe da Divisão de Doenças Infecciosas do Children's Hospital of Philadelphia (Hospital da Criança da Filadélfia) e foi co-inventor da vacina do rotavírus. Seu último livro, Do You Believe in Magic? The Sense and Nonsense of Alternative Medicine, é uma análise crítica da medicina alternativa. 

Esta é a segunda parte da entrevista que fiz com Paul Offit, que está disponível no Youtube. Links: primeira parte | video no youtube

Com maiores riscos de adquirir doença cardíaca e câncer com a ingestão de vitamina E, você está ciente que hepatologistas usam vitamina E para esteato-hepatite não alcoólica*?
Não estou familiarizado com esses dados. Se há estudos claros mostrando que vitamina E é uma valiosa adição nessa situação, tudo bem. Mas eu não conheço esses dados. O que me impressiona na história da vitamina E é o seguinte. Eu peguei um frasco de vitamina E que dizia "vitamina E natural 1000", mas no verso do rótulo estava escrito que continha 3330% do limite diário recomendado, o que é 33 vezes o limite recomendado. Essa cápsula gelatinosa tem metade do tamanho de uma amêndoa, que é uma ótima fontes de vitamina E. Você precisaria comer 1650 amêndoas para obter a mesma dose dessa cápsula gelatinosa. Isso não é uma coisa natural a se fazer. É por isso que não entendo porque eles colocam a palavra natural no rótulo. Mas as pessoas nunca vêem dessa maneira. Eu acho que tomar grandes quantidades de qualquer coisa deve ser visto com suspeitas. E agora sabemos: se tomar grandes quantidades de vitamina E ou betacaroteno por um tempo prolongado, você aumenta o risco de câncer, aumenta o risco de doença cardíaca e potencialmente diminui a sua vida. Esses dados são claros: há 20 estudos que mostram isso. Se fosse uma indústria regulamentada, eu acho que teria um aviso em uma tarja preta, mas o que está escrito é que a FDA. não aprovou o medicamento para tratar ou prevenir doenças.

E suplementação multivitamínica, sem doses exageradas?
Há um estudo com mulheres que tomaram suplementação multivitamínica, que tem a dose próxima do limite diário recomendado, e elas foram pior do que as que não tomaram. Eu gostaria de ver esse estudo ser repetido, antes de dizermos isso com alguma confiança. Mas o perigo disso é o seguinte. As pessoas pensam "minha dieta não é perfeita" ou "não presto muito atenção na minha dieta e talvez eu não estou comendo a quantidade necessária de frutas e vegetais, então talvez não estou obtendo a quantidade de vitaminas que preciso, então só para ter certeza vou tomar esse multivitamínico". A falsa suposição é que as vitaminas dos suplementos serão processadas da mesma maneira do que as vitaminas da frutas ou vegetais. Eu acho que você está muito melhor servido e será mais barato se você apenas gastar tempo pensando na sua dieta.         

Eu acho 
uma forma de preconceito assumir que suplementos de vitaminas são seguros. Não sei da onde vem essa confiança das pessoas. É como responder antes de fazer a pergunta. O que você acha?  
Sim. Eu dou crédito para indústria, que consegue se vender como natural. Em um lado você tem a grande indústria farmacêutica, que faz produtos sintéticos e só quer ganhar dinheiro e não se importa. E você tem a indústria nutracêutica e a de suplementos dietéticos que se vendem como natural, que não fazem mal nenhum, e cujos suplementos são feitos por hippies ao lado de montanhas floridas. Isso não é verdade. Pfizer e Hoffman-LaRoche são bem ativas na indústria de suplementação dietética e elas são grandes empresas farmacêuticas. Segundo, é uma indústria não regulamentada, sem obrigação de apoiar suas afirmações e que nos Estados Unidos conseguiu influência política para impedir a FDA de regulamentá-la.

Por que as pessoas acreditam que há uma controvérsia, quando não há? Isso acontece, ainda mais historicamente, com evolução e criacionismo...
Há 4000 estudos publicados diariamente em jornais médicos científicos. Não surpreendente, eles seguem uma "curva em forma de sino" [distribuição normal]: alguns deles são excelentes, alguns são ruins e a maioria é mais ou menos na média. Isso quer dizer que você consegue encontrar um estudo que prova qualquer coisa. Seria um estudo ruim, mas isso não importa. Em 1950, quando os dois primeiros estudos saíram mostrando que fumar cigarro estava associado com câncer pulmonar, esses dados não poderiam ser mais claros. Mas a indústria disse que isso era controverso, porque tinha sido feito em ratos e foi mostrado que cigarro não era prejudicial. E "aqui está meu amigo Bob que está vivo até os 90 anos e fuma diariamente e está bem". Isso foi apresentado como controverso até não poder ser mais taxado de converso, porque havia muitos dados. A mesma coisa aconteceu com a fusão fria. Quando a fusão foi proposta em 1980, isso era controvérsia, até ser impossível chamar de controvérsia. E eu acho que isso irá acontecer com essas  altas doses de vitaminas. Eu tenho de acreditar que, em algum momento, a FDA vai levantar e dizer que há danos sendo feitos e que não podem ser ignorados, porque existem 20 estudos.

E outras tipos de medicina alternativa, como acupuntura? Você acha que tem valor para alguma condição?
O trabalho de Edzard Ernst, que eu acho brilhante, foi o primeiro a fazer estudos com agulhas retráteis que mostraram que se você pensar que a agulha está indo dentro da sua pele é tão valioso quanto a agulha realmente ir dentro da sua pele. Há estudos mostrando que algumas pessoas podem aprender a liberar neuro-endorfinas com acupressão. Posso te dizer que há dois pediatras no Hospital da Criança da Filadélfia que são treinados como acupunturistas - é como ser treinado para ser vidente, na minha opinião - e querem trazer acupuntura para o hospital. Isso não vai acontecer. Por que eles querem isso? Eu acho que é porque os pacientes demandam. Ao invés de fazer o que deveríamos como médicos, que é ajudar pacientes, ao invés de definir um padrão profissional, nos tornamos garçons em um hospital. O Hospital da Universidade da Pensilvânia, que faz parte da faculdade de medicina da Universidade de Pensilvânia, oferece reiki para ajudar a manipular energias de cura na clínica de oncologia. Não acho que isso seja danoso, mas cria essa noção de que há energia de cura a serem manipuladas.

As pessoas precisam entender que se um tratamento funciona não quer dizer que funciona da maneira que afirma.
Esse é um argumento muito bom. Mehmet Oz, que é bem popular nos Estados Unidos e tem um programa de televisão que 4 milhões de pessoas assistem anualmente, foi perguntado o que ele faz quando suas crianças ficam doente. Ele respondeu: minha a mulher dá arnica homeopática e, se elas não melhorarem, então ela me liga." Aqui está a lógica disso. Provavelmente 80% das doenças que vemos na emergência do Hospital da Criança da Filadélfia são auto-limitadas. Elas vão embora sozinhas, por exemplo infecções virais do nariz e garganta. Então, você pode fazer o argumento de que a arnica homeopática não irá machucá-los e a probabilidade é que eles estejam com uma infecção viral. Dar arnica homeopática significa que as crianças não estão tomando antibiótico para infecção viral, o que é bom. Significa que elas não estão tomando uma preparação para tosse e resfriado, que contém pseudoefedrina, que pode ser bem prejudicial especialmente para crianças novas, e isso é bom. E elas melhoram. O problema é ele ou a mulher dele acreditar que a arnica fez elas melhorarem. Então, você dá próximo e possivelmente terrível passo: quando uma criança tem asma, você dá broncodilatadores homeopáticos. Crianças tomaram broncodilatadores homeopáticos e morreram, ao invés de tomar broncodilatadores reais, que salvariam a vida delas.

Qual foi o objetivo de escrever o seu livro Do You Believe in Magic?
Acho que tenha essa noção fantasiosa de que, se você explicar de uma forma clara, convincente e interessante, as pessoas podem parar e pensar no que elas estão fazendo. É tudo que eu peço. O que eu peço é para as pessoas serem mais céticas com que elas põem nos seus corpos. Acho que você deve ser cético com tudo que você põe no corpo, inclusive vacinas.

No seu livro, você menciona que nós usávamos explicações sobrenaturais para as doenças e hoje foram substituídas. Você acredita que idéias religiosas ou sobrenaturais dificulta ou cria uma barreira para o entendimento científico?
Sim. Quando eu escrevi esse livro, eu recebi vários emails raivosos de pessoas que acredito que tiveram seus sistemas de crença atacados por mim. Eu ataquei a igreja de vitaminas e suplementos. Na verdade, meu próximo livro tem a ver com isso e o subtítulo deve ser: "o confronto entre medicina moderna e crenças religiosas". Religião é um sistema de crença e ciência é um sistema baseado em evidência. As pessoas fazem com que o que deveria ser um sistema baseado em evidências seja um sistema de crença.

Por que as pessoas não acreditam na medicina moderna?
Acredito que é porque pode ser frustante, tecnológica e fria. O que a medicina alternativa oferece é algo "quente" e construído em cima de alguma espiritualidade. E o fato de que a  medicina moderna é incerta. Há muitas coisas que não sabemos. Tenho certeza que saberemos mais em 100 anos do que sabemos agora. Estamos constantemente gerando novas informações, isso é que é a ciência. Na ciência, à medida que geramos novas informações, você pode pegar gerar um livro texto e jogar fora sem dúvida. Isso é uma coisa boa, a ciência é mutável, é sempre auto-corretiva. Acho que a incerteza é desconcertante, quando você tem a certeza do Andrew Weil. Se você olhar os livros dele, ele não apenas diz como tratar sua hepatite, ele diz como ser amigo, como educar suas crianças; é como uma bíblia. Acho que as pessoas são atraídas a isso.

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 *É uma recomendação publicada em um guideline da American Association for the Study of Liver Diseases, American College of Gastroenterology e American Gastroenterological Association disponível aqui

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