domingo, 23 de abril de 2017

Jerry Coyne sobre tabus na ciência, ceticismo, e a incompatibilidade entre fé e fato

por Malhar Mali
Fonte: Areo Magazine
tradução: Felipe Nogueira

Jerry Coyne é professor emérito no Departamento de Ecologia e Evolução na Universidade de Chicago. Como um cientista produtivo e comentarista em uma grande variedade de tópicos, Dr. Coyne construiu uma reputação não apenas pela sua inquisição científica e livros, mas também pelas suas críticas ao criacionismo, design inteligente, religião e, recentemente, infrações nos princípios de liberdade de expressão. Ele participou do podcast Waking Up with Sam Harris, do programa The Rubin Report e tem palestrado ao redor do mundo sobre evolução e os méritos da ciência. Seu trabalho foi premiado pelas revistas The Atlantic, Forbes e Scientific American. Eu conversei com ele sobre tabus no campo dele, sobre a defesa da liberdade de expressão, e seus pensamentos sobre a co-existência da ciência e religião. 

A seguir é a nossa conversa transcrita e editada para torná-la mais clara. 

Malhar Mali: Vamos falar sobre a liberdade de explorar ideias na ciência. As diferenças entre gênero e raça são tabus ou tópicos indiscutíveis? O quanto isso vem das humanas? Me lembro de uma leitura com o título "A Construção Social da Raça" onde o autor, Ian Lopez, argumentou eloquentemente que a raça não é uma realidade biológica e que isso é uma "construção social".

Jerry Coyne: Essa é uma questão difícil e um campo minado ideologicamente. Muitas críticas anti-científicas vem das humanas - por pós-modernistas, na grande maioria. Isso é um pouco curioso porque pós-modernistas não acham que alguma verdade seja privilegiada. Então se você diz que "raça é biológico" isso é menos verdade do que "raça é uma construção social"? 

Antropologistas culturais e Esquerdistas também possuem problema com isso. E eu sou um Esquerdista, mas também um cientista e eu não gosto de algumas perguntas serem consideradas inúteis ou tabus se elas são perguntas respondíveis cientificamente. Por exemplo, a questão da raça: em uma época - antes dos humanos começarem a misturar e antes da haver transportes, há aproximadamente 200 anos - havia grupos de população distintos sexualmente. Isso representava isolados humanos que migraram pelo mundo. Os Norte e Sul Americanos, Polinésios, Asiáticos Ocidentais, Africanos, etc. Nessa época, eles eram bem distinguíveis.  

Atualmente, devido a indefinição causada pelo transporte e miscigenação, não vemos a mesma diferenciação - mas mesmo assim vemos alguma diferenciação genética ao redor do mundo. Você pode chamá-las de raças populacionais, mas eu chamaria de "populações geneticamente distintas" apenas para evitar a ideologia. As diferenças genéticas não são grandes. Isso porque deixamos a Africa apenas 60.000 anos atrás e não teve tempo suficiente para diferenças genéticas profundas ocorrem.  

Mas os puristas ideologicamente vão além. Eles dizem, "Não há praticamente nenhuma diferença biologicamente entre grupos de pessoas". E isso está errado. As diferenças fisiológicas, a cor da pele, a cor do olho, etc, são biológicas e genéticas. Há diferenças. A questão é se existe outras diferenças ainda não encontradas. 

E isso é aonde a ideologia nega qualquer raça, etnia, ou qualquer diferença biológica, porque eles acham que isso vai levar ao racismo. Mas é possível afirmar que há diferenças biológicas entre populações, sem afirmar que há uma superioridade inata de um grupo sobre o outro. Mas essas pessoas acham que não somos espertos o suficiente para perceber isso. O mesmo ocorre com estudos de gêneros. 

Todo mundo sabe que há diferenças biológicas entre machos e fêmeas. Se nada além, pelo comportamento sexual. Essas são diferenças evoluídas e adaptativas. Se olharmos para animais, no geral, os machos não são muito discriminantes em relação ao que eles procuram sexualmente, enquanto as fêmeas são discriminantes.  E isso ocorre por boas razões evolutivas. Nós temos isso na nossa espécie também, mas para humanos é dito que é uma construção social, por exemplo, um resultado do condicionamento social. 

Há sem dúvida outras diferenças de gênero também. Não sou completamente familiarizado com cada detalhe da literatura, mas é difícil não aceitar essa premissa quando vemos que nossos corpos evoluíram para serem diferentes - por que, afinal, os homens são maiores do que as mulheres? - então porque não outros aspectos dos humanos. As diferenças no tamanho corporal provavelmente resultaram da competição entre homens por mulheres. E se há diferenças morfológicas entre homem e mulher que evoluíram nos últimos seis milhões de anos da nossa história, por que negamos diferenças psicológicas? 

Finalmente, isso está relacionado ao terceiro tabu, que é a psicologia evolucionária. Há alguns comportamentos humanos que psicólogos evolucionários argumentam que são os remanescentes da seleção natural nos nossos ancestrais. A premissa é simples: como nossos corpos, nossa mente também possui traços de nossos ancestrais. Isso não é controverso - a questão é quais comportamentos? Essa é a tarefa da psicologia evolucionária. 

Há pessoas como [o biólogo] PZ Myers que diz "eu rejeito a premissa da psicologia evolucionária". Quando ele diz isso, está rejeitando toda a premissa de qualquer evolução em nossa espécie. A visão deles é: estamos sozinhos, supostamente porque temos cultura, então estamos isentos do ancestral biológico nos nossos corpos e comportamentos. 

MM: Eu vejo isso como a versão da Esquerda do criacionismo. Que nós nascemos como folhas de papel em branco (tábulas rasas).

JC: Isso é que [o psicólogo] Steven Pinker cobre no seu excelente livro Tábula Rasa. Eu sou um Esquerdista. Eu não gosto de sexismo. Eu não gosto de discriminação de gênero. Mas eu acho bem interessante pensar sobre as diferenças entre homens e mulheres e eu quero saber o quanto delas são biológicas. Eu quero saber sobre qualquer diferença entre groups étnicos humanos. 

Algumas dessas perguntas são difíceis de responder. Mas não quer dizer que elas são inacessíveis. Há algumas perguntas que você pode não querer investigar porque elas tem um potencial efeito prejudicial maior. Por exemplo: Os Judeus possuem alguma base genética para adquirir dinheiro? Por que alguém iria querer pesquisar essa pergunta? Apenas porque alimenta um esteriótipo que já está presente. 

Eu acho que nenhuma pergunta é tabu. Algumas perguntas são potencialmente mais prejudiciais que outras.  

MM: Mudando de assunto, parece que aquilo que os céticos deveriam estar focados muda constantemente. Nos anos 90 e início dos anos 2000, era a direita-cristã e contra criacionismo. Na última década mais ou menos, tem sido Islamismo, misturando com pós-modernismo e a "cultura da vitimização" na Academia. Você acredito que é agora o tempo para focarmos mais atenção no Trump e na sua administração - ou o cenário é mais complicado?

JC: Muitos da Esquerda parecem pensar que devemos concentrar todas as nossas energias em uma questão apenas. Isso é enganoso. Eu certamente consigo perceber feministas ocidentais tentando eliminar o sexismo dos Estados Unidos, mas não se preocupando muito com a mutilação feminina - mesmo que isso seja um problema maior, certamente na questão de danos. Não podemos consertar tudo de uma vez, e com frequência é mais fácil lidar com problemas na nossa cultura do em que em outros lugares. 

Acredito que o perigo mais prejudicial nos Estados agora é o Trump e sua administração. Não há muito o que possamos fazer. Não podemos "impeachmar" esse cara. Podemos escrever para nossos senadores e representantes, mas a maioria dessas pessoas são conservadoras. Então, vou dedicar um percentual da minha energia para isso, mas eu também vou gastá-la chamando a atenção para os excessos da Esquerda - principalmente porque eu tenho mais influência nos liberais.  
     
O que não gosto é as pessoas dizendo que você precisa prestar atenção nisso e param de prestar atenção naquilo. Eu vejo isso isso sempre no meu site. 

MM: Vejo alguns críticos que adotam essa posição. Os liberais estão gastando muito tempo focando na locura dos campus das universidades e nas infrações no princípio de liberdade de expressão. Eu sempre penso: bem, milhões de dólares estão sendo gastos quase todos os dias na crítica do Trump e sua administração por praticamente todas as mídias. Cada ação dele é analisada. O que mais você pode dizer que ainda não foi dito? 

JC: Todo mundo escreve sobre o Trump. Eu passo o meu feed de notícias e tudo é sobre o Trump. O que posso dizer que as pessoas ainda não disseram sobre o Trump? Há muitos megafones contra o Trump. Olhe para os vencedores do Óscar, falando em voz alta. 

Mas nem muitas pessoas estão falando sobre liberdade de expressão - especialmente na Esquerda. A liberdade de expressão pode desaparecer mais rápido do que as pessoas pensam. O Trump agora entrou no negócio de infringir a liberdade de expressão em muitas maneiras, atráves de agências do governo, ou acusando a mídia como New York Times de ser "notícia falsa". Então, um foco geral na Primeira Emenda é saudável para o país como um todo. Acredite, eu já tenho a minha parcela de criticismo ao Trump. Eu o desprezo, mas quando você diz algo diversas vezes, não há muito mais a ser dito.  

MM: Concordo. Próximo tópico:  você é um grande proponente contra a ideia da co-existência da religião e ciência - contra a hipótese [do paleontólogo] Steven Jay Gould, você falar sobre isso? 

JC: Há duas maneiras que as pessoas dizem que a ciência e religião são compatíveis. A primeira é dizer que há cientistas religiosos e pessoas religiosas que gostam de ciência. Isso é verdade. Mas isso não é compatibilidade, é compartimentalização. 

O que quero dizer sobre "incompatibilidade" é que a ciência e religião fazem afirmações sobre o que é verdade. A religião faz afirmações sobre a existência de um Deus, do inferno, etc. Cada religião tem as suas afirmações fatuais e afirmações de moralidade. Essas afirmações são as vezes incompatíveis. Apenas isso te diz que há algo errado com a religião. 

A principal incompatibilidade é que na ciência - mas não na religião - temos métodos de descobrir se suas afirmações são ou não verdade. Então, a incompatibilidade entre a ciência e religião é a incompatibilidade entre a superstição e racionalidade. É a incompatibilidade entre a metodologia que ciência usa para encontrar verdade - que é o método científico - versus a metodologia que a religião usa: revelação, autoridade, escritura, e dogma. Além disso, os resultados de tais busca pela verdade são diferentes. Religião fala de muitas "verdades" que não são verdadeiras: a Arca de Noé, O Dilúvio, Maomé voando no seu cavalo com asas, todas essas coisas. Então os resultados são incompatíveis, a metodologia é incompatível, e a filosofia é incompatível também (a ciência rejeitou o sobrenatural como uma explicação possível; a religião aceita).

A ciência rejeitou o sobrenatural porque na prática não foi mostrado que funciona. A afirmação do Gould é que você pode aceitar ciência e religião ao mesmo tempo. Um exemplo seria Francis Collins, o diretor do Instituto Nacional de Saúde, que é um cristão. 

Mas isso não prova compatibilidade. Quando Francis Collins entra no seu laboratório, ele vira um ateu. Ele não vai usar nada do sobrenatural na pesquisa dele. Mesmo assim, quando ele entra pelas portas da igreja dele no Domingo, ele aceita uma maneira diferente de julgar a verdade. Ele aceita mitos sobre ressurreição e salvação, para os quais não há qualquer evidência - essa é a incompatibilidade. 

A solução do Stephen Jay Gould foi analisar religião e ciência - fé e fato - separadamente. Ele disse que ciência e religião são compatíveis porque não são áreas interferentes, são magistérios não interferentes ou "MNI" como ele chamou. Na opinião dele, o escopo da ciência é fazer afirmações sobre a realidade, enquanto o escopo da religião é falar sobre significados, morais e valores. Porque elas operam em áreas diferentes, afirmou Gould, elas são compatíveis e podem co-existir sem antagonismo. Ele está errado sobre isso, porque a religião se recusa a não fazer afirmações sobre o mundo real! O que é um criacionismo, o qual 40% dos Americanos aderem, se não uma afirmação sobre a origem e desenvolvimento da vida e como veio a existir? Religião constantemente faz afirmações factuais. 

A grande oposição à afirmação do Gould de que a religião não faz afirmações sobre a religião vem de teólogos. No meu livro, eu documento diversas afirmações feitas por pessoas religiosas que dizem "Nós fazemos afirmações sobre a relidade. Está nas nossas escrituras!". 

A afirmação do Gould de que religião não faz a afirmação é completamente falho. Não sei da onde ele tirou isso. Não acho que ele realmente acreditava nisso, porque eu conhecia ele. Acho que ele estava apenas tentando ser legal com as pessoas. 

A outra afirmação - que significados, morais e valores são julgados pela religião - também é falho porque temos essa história de investigação secular na ética, moralidade, e valores da vida, iniciando com os Gregos, passando por Spizona, Kant, Hume, e nos dias de hoje temos Peter Singer, John Rawls, Anthony Grayling, todos os quais são filósofos seculares. Eles falam sobre moralidade e maneiras de viver sem sequer mencionar Deus, porque eles são ateus. 

No seu livro, Gould percebeu de repente que há essa tradição secular. Mas então ele diz, "Dane-se. Nós vamos apenas construir esse tipos de discussões como 'religiosos em sua natureza'. Ele requintou seu argumento apenas redefinindo o que religião é. Peter Singer e Anthony Grayling, pelos padrões de Gould, podem ser chamados de religiosos, mesmo sendo completamente ateus! Então, a ideia toda não funciona. Eu resenhei o livro do Gould Rock of Ages para o The Times Literary Supplement e basicamente disse que todo o livro não funciona.  Essa é uma falsa reconciliação entre a ciência e a religião. 

Religião e ciência não são compatíveis.   
      

sábado, 22 de abril de 2017

Tratar o vício como uma doença do cérebro promove injustiça social

por Carl L. Hart
fonte: Nature Human Behaviour
tradução: Felipe Nogueira

A visão do uso e dependência de drogas como uma doença cerebral serve para perpetuar políticas de drogas discriminatórias, custosas e não realistas, argumenta Carl L. Hart.


Mais de 25 anos atrás, comecei estudar neurociência porque pensava que essa abordagem iria unicamente corrigir o “problema das drogas”. Nessa época, eu acreditava que a pobreza e o crime na comunidade pobre de onde eu vim era um resultado direto do vício em drogas; então, eu raciocinei que se eu pudesse curar o vício, especialmente através de manipulações neurais, eu poderia corrigir a pobreza e o crime na minha comunidade. Mas, aprendi que enquanto a cocaína – e outras drogas recreativas – alteram temporariamente a função de neurônios específicos nos cérebros de todos que ingerem a droga, a vasta maioria dos usuários nunca fica viciada. E em relação ao pequeno percentual dos indivíduos que ficam viciados, doenças psiquiátricas coexistentes e fatores socioeconômicos são responsáveis por uma proporção substancial desses casos de vício. Até hoje, não foi identificado substrato biológico que diferencie pessoas não viciadas de indivíduos viciados. 


A noção de que o vício em drogas é uma doença cerebral é cativante, mas vazia: praticamente não há dados em humanos indicando que o vício é uma doença do cérebro, da mesma maneira que, por exemplo, Huntington ou Parkinson são doenças do cérebro. Com essas doenças, é possível olhar o cérebro de indivíduos afetados e fazer previsões precisas sobre a doença envolvida e seus sintomas. 

Não estamos perto de sermos capazes de distinguir os cérebros de pessoas viciadas daqueles de indivíduos não viciados. Apesar disso, a perspectiva do “cérebro doente” tem uma influência grande no financiamento e direcionamento da pesquisa, assim como o uso e o vício em drogas são vistos na sociedade. Por exemplo, o recém-lançado e multimilionário estudo longitudinal Adolescent Brain Cognitive Development (https://addictionresearch.nih.gov/abcd-study) busca primariamente por dados de neuro-imagem para melhor entender o vício entre adolescentes. O estudo coleta informações genéticas e mensura o uso de drogas e resultado acadêmico, mas falta uma consideração de importantes fatores sociais. Notavelmente, nunca houve um financiamento ambicioso como esse focado em determinantes psicossociais ou consequências (por exemplo, estado empregatício, discriminação racial, características do bairro, políticas) do uso ou vício em drogas. 

Essa situação contribui para política de drogas prejudiciais, custosas e irrealistas. Se o real problema com o vício em drogas, por exemplo, é a interação entre a droga em si e o cérebro do indivíduo, então a solução desse problema está entre uma de duas abordagens. Remover as drogas da sociedade através da polícia e aplicação das leis (por exemplo, sociedades livre de drogas) ou focar exclusivamente no cérebro ‘viciado’ do individuo como o problema. Em ambos os casos, não há necessidade ou interesse em entender o papel de fatores socioeconômicos na manutenção do uso de drogas ou mediando o vício em drogas. 

Os efeitos prejudiciais de usar a aplicação da lei como um meio primário de lidar com uso de drogas são bem documentados. Milhões são presos anualmente por posse de drogas e a abominável prática de racismo floresce na aplicação de tais políticas. Nos Estados Unidos, por exemplo, a posse de maconha foi responsável por quase metade das 1,5 milhão de prisões relacionadas às drogas, e negros são quatro vezes mais prováveis de serem presos por posse de maconha do que brancos, mesmo que ambos os grupos usem maconha em taxas similares.

Uma insidiosa premissa da teoria do cérebro doente é que qualquer uso de certas drogas é considerado patológico, até mesmo o uso recreativo, não problemático que caracteriza a experiência da grande maioria daqueles que ingerem essas drogas. Por exemplo, em uma popular campanha americana antidroga, é implicado que apenas um uso de metanfetamina é suficiente para causar danos irrevogáveis: http://www.methproject.org/ads/tv/deep-end.html.

Nos anos 80, o uso de crack foi culpado por tudo desde extrema violência até altas taxas de desemprego, mortes prematuras, e abandono de crianças. Até mais assustador, o vício na droga era dito que ocorria apenas após um único uso. Especialistas em drogas com vertentes em neurociência se manifestaram. “A melhor maneira para reduzir a demanda”, o professor de psiquiatria da Universidade de Yale Frank Gawin, foi citado na revista Newsweek (16 de Junho de 1986), “seria Deus redesenhar o cérebro humano para mudar a maneira como a cocaína reage com certos neurônios”.     

“Neuro-observações” sobre drogas com nenhum fundamento em evidência eram perniciosas: elas ajudaram a moldar um ambiente no qual havia um objetivo irrealista e injustificado de eliminar certos tipos de uso de drogas a qualquer custo para marginalizar cidadãos. Em 1986, o Congresso dos Estados Unidos passou uma legislação definindo penalidades que eram literalmente 100 vezes mais duras para violações relacionadas ao crack (pedra de cocaína) do que para o pó de cocaína. Mais de 80% daqueles sentenciados por ofensas relacionadas ao crack eram negros, apesar do fato de que a maioria dos usuários era branca. Hoje, muitos acham as leis referentes a pedra/pó de cocaína repugnantes porque elas exageram os efeitos danosos do crack e são aplicadas em uma maneira racialmente discriminatória, mas poucos examinam criticamente o papel exercido pela comunidade científica apoiando as premissas subjacentes a essas leis.

Por sua parte, a comunidade científica tem ignorado a vergonhosa discriminação racial que ocorre na aplicação das leis referentes às drogas. Os próprios pesquisadores são esmagadoramente brancos e não têm de viver com as consequências de suas ações. Eu não tenho esse luxo. Todas as vezes que eu olho para meus filhos ou volto para o local que passei minha juventude, sou forçado a lidar com a dizimação resultamte da discriminação racial que é tão desenfreada na aplicação das leis referentes às drogas e é instigada por argumentos com uma fraca base em evidências científicas.

Não podemos mais permitir que neuro exageros determinem nossas prioridades de financiamento e rumo da pesquisa em drogas, moldem nossas visões nem nossas políticas de drogas. As apostas são muito altas e o custo humano é incalculável. 

Informações sobre o autor
Carl L. Hart é o professor Dirk Ziff e diretor do Departamento de Psicologia, e Professor no Departamento de Psiquiatria na Universidade de Columbia, em Nova York.