quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Lawrence Krauss: "Ciência é um método para distinguir fato de ficção"

por Felipe Nogueira 

Entrevista com Lawrence Krauss
Lawrence Krauss é um físico teórico renomado, foi um dos primeiros físicos a sugerir que a maior parte da energia do universo reside em espaço vazio, o que atualmente é conhecido como "energia escura". Ele tem participado de vários debates e discussões para divulgação científica e dado palestras ao redor do mundo sobre seu último livro A Universe From Nothing: Why There Is Something Rather Than NothingO livro, que ainda não tem edição no Brasil, explica que o nosso universo pode ter surgido a partir do nada.
A Universe From Nothing

Eu fiz uma entrevista com ele, que está disponível no Youtube. Na minha opinião, Krauss é um dos melhores divulgadores da ciência atualmente; um grande defensor do ceticismo científico, da educação científica. Através de seus debates, palestras e livros, tenho aprendido muito com ele por um bom tempo: Krauss é um dos meus educadores, mesmo que eu não conheça ele pessoalmente. Com isso, Krauss é dos meus maiores inspiradores na minha "jornada científica" e, logo, deste blog. Não posso deixar de registrar a minha felicidade em conversar com ele; me sinto honrado de ter feito isso e sou muito grato a ele pela oportunidade e atenção.

Esta é a primeira parte da entrevista. Links: segunda parte | vídeo  no youtube | english version

Nos seus debates, você tem dito que ciência não é uma "coisa", mas sim um processo. Elabore um pouco isso, o que é ciência?
Krauss: Ciência é um método para distinguir fato de ficção. É um método para fazer perguntas sistematicamente e responder essas perguntas em uma maneira que é possível testar. Uma outra coisa importante é que a ciência é baseada em evidência empírica: alguém faz perguntas sobre o universo, alguém testa o universo com perguntas empíricas e observações, então alguém confirma ou refuta algo. A coisa importante é que em ciência você não pode provar que algo é verdade, geralmente você só pode provar apenas que algo é falso, mas, assim como Sherlock Holmes, você se livra das coisas falsas e o que sobra é verdade.

E em relação a concepções erradas sobre ciência?  Por exemplo, eu acho que há uma noção errada de que ciência é uma questão de opinião e deveríamos ouvir "todos os lados da história". 
Sim, como eu gosto de dizer, a ótima coisa sobre ciência é que um lado está geralmente errado. Há questões abertas, onde há incerteza e debate. A resolução dos debates não se dará por retórica ou volume, e sim pela natureza. Então, se você tem uma ideia, faz uma mensuração e essa ideia discorda com a observação, então você joga a ideia fora. Não há discussão, não há necessidade de debater a questão se a Terra é redonda ou plana. Ainda há pessoas que afirmam a Terra é plana. Mas elas estão simplesmente erradas. Como jornalista, você não precisá citá-las. Similar à evolução: há pessoas que de alguma forma não acham que a evolução ocorreu, mas elas estão erradas. E eu tenho de dizer o mesmo sobre o fato de que mudanças climáticas induzidas pelo homem estão acontecendo e que as pessoas que argumentam contra isso estão simplesmente erradas. 

Você falou recentemente que o único conhecimento que importa é o empírico. Poderia elaborar isso? 
Eu não entendo quando as pessoas falam que elas obtém conhecimento através de revelação. Isso simplesmente leva à ilusão. Nós todos, de fato, nos iludimos diariamente. Precisamos ser céticos de nós mesmos e precisamos testar as coisas. Eu posso ver reflexão ou até sabedoria, mas conhecimento vem de observação, teste e experimento. Alguém que afirma ter conhecimento de outra forma, em primeiro lugar, não pode demonstrar, e em segundo, está provavelmente errado.  

Você também mencionou que, nesse processo da ciência, não aprendemos como o universo funciona pela lógica...
O ponto é que a lógica clássica se baseia no que parece razoável. Mas o que parece razoável é baseado na nossa experiência e, à medida que ampliamos a nossa experiência, o que parece razoável pode mudar. Mecânica quântica é o exemplo perfeito. Não parece razoável uma partícula estar em dois lugares ao mesmo tempo, mas na mecânica quântica é isso o que acontece. Baseado em observações, é possível fazer raciocínios cuidadosos e argumentos lógicos. Mas presumir o que é lógico ou usar lógica clássica tem de ser feito com cuidado, porque o mundo não é clássico. 

O que você quer dizer com o "mundo não é clássico"? 
Como Richard Dawkins [renomado biólogo evolucionário] diz e eu gosto de repetir, nós evoluímos o nosso senso de lógica e raciocínio para escapar de leões na Savana e na África; não para entender mecânica quântica. Mas, em escalas muito pequenas e em escalas muito grandes, o universo se comporta de uma maneira que parece paradoxal para nós. E é paradoxal para nós porque nossa intuição é baseada num segmento pequeno da realidade e esse segmento não se aplica universalmente e precisamos ter cuidado para não fazer isso. Ciência nos ensina que nossas visões míopes não necessariamente representam toda a realidade e temos de ter muito cuidado para concluir que aquilo que pensamos ser natural ou sensível é isso realmente.

As pessoas dizem que a ciência muda o tempo inteiro e que isso é uma coisa ruim.
Ciência realmente muda, é chamado de progresso. Muda em uma maneira bem definida. Não jogamos fora o que foi feito antes. Isso é uma das concepções erradas da ciência. O que sobrevive ao teste e experimento sempre sobrevive. Até as Leis de Newton, que foram substituídas pela Relatividade Geral e Mecânica Quântica, na escala que elas se aplicam, para o movimento de balas de canhão, bolas de basebol, mísseis contra a Síria, as Leis de Newton sempre aplicarão. Então, podemos aprender coisas novas nas fronteiras da conhecimento - de fato, sempre iremos, o que faz a ciência ser maravilhosa - que mudam a nossa figura subjacente das coisas, mas há uma consistência na nossa habilidade de prever, e não jogamos fora o que foi feito antes.

Qual a sua opinião sobre filosofia? 
Filosofia é útil para refletir sobre o conhecimento gerado pela ciência. E todos os bons filósofos que eu conheço fazem isso. Eles usam lógica e raciocínio rigoroso para refletir em cima do conhecimento, interpretá-lo, e fazer novas perguntas. Então, filosofia é útil às vezes para fazer perguntas, mas é a ciência que é útil para obter as respostas e gerar esse conhecimento. Eu acho que qualquer filósofo que argumenta o contrário está exagerando. Como eu disse, tenho muitos amigos filósofos e acho que concordamos que é para isso que filosofia é bom. E filosofia era indistinguível da física na época de Filosofia Natural, mas as duas divergiram. Filosofia simplesmente não é o jeito certo de gerar conhecimento sobre o mundo, é o jeito de refletir sobre esse conhecimento. 

As pessoas aplicam palavras, como "teoria" ou "nada", de forma diferente do que na ciência. O que é teoria para ciência? 
Teoria em ciência é o nível mais alto de conhecimento, não é uma hipótese. Teoria, como a teoria da gravitação universal de Newton ou teoria quântica, é uma suposição matemática que foi submetida a testes várias e várias vezes. Então, quando falamos que evolução é uma teoria, estamos colocando-a no pedestal mais alto possível, não sugerindo que é uma hipótese aleatória. 

Mas há um artigo que você escreveu há um tempo atrás que dizia que a teoria das cordas não é uma teoria no mesmo sentido que evolução é uma teoria...
Cientistas são humanos e usam as palavras de forma errada como qualquer outra pessoa. E agora estou feliz de dizer que eu convenci pessoas como Brian Greene [físico teórico de cordas], que é meu amigo, e ele concorda comigo agora - mas é claro que ele não me cita - que a teoria das cordas não é uma teoria e não deveria ser chamada de teoria. Há muitas teorias que não temos e um bom exemplo é a teoria quântica da gravidade. Não temos uma teoria do que acontece no centro da singularidade de buracos negros, não temos ainda uma teoria do que acontece quando t = 0 no big bang. Temos ideias, mas não fomos capazes de testá-las. Algumas pessoas argumentaram que complexidade é uma teoria - Teoria da Complexidade - mas eu não estou convencido que há realmente uma base teórica da complexidade. 

A teoria das cordas não é uma teoria por que não faz previsões ainda ou por que as previsões que faz não são refutáveis neste momento? 
Teoria das cordas é ambos. Realmente não faz previsões neste momento porque ainda é uma ideia em desenvolvimento. E todas as vezes que faz previsões, eles descobrem que provavelmente são prematuras. As previsões que poderia fazer estão provavelmente além do escopo do experimento, embora teóricos espertos continuam pensando em maneiras de como testar as idéias, como a existência de dimensões extras, por exemplo. Há uma pequena possibilidade de testar tais dimensões no Large Hadron Collider, mas é uma possibilidade bem pequena na verdade. 

O que você quer dizer que o universo pode ter surgido a partir do nada no seu último livro? 
Eu quero dizer que é plausível, dado tudo o que sabemos e toda medida que fizemos sobre o universo que pode ter surgido a partir do nada: sem espaço, sem tempo, sem partículas, sem radiação. Em particular, se perguntarmos quais seriam as características de um universo que surgiu do nada, dada as conhecidas leis da física e algumas extrapolações razoáveis das leis da física, seriam as características do nosso universo.  

No seu livro e nas palestras, você define três níveis de "nada".
Sim, nada, assim como teoria, é uma palavra que tem diferentes significados para diferentes pessoas. Como eu gosto de dizer que as pessoas que não gostam do que eu digo definem nada de um jeito que só Deus pode criar algo. Mas, para muitas pessoas, nada era o espaço vazio da Bíblia. É claro que isso não é nada, nós mostramos isso. Esse tipo de nada pode criar algo.* Isso pode ser definido como nada: espaço vazio é uma boa aproximação, mas é mais complexo que imaginávamos. Então, eu digo que uma versão mais dramática do nada envolve não só a ausência de partículas, tempo e radiação, mas a ausência do espaço-tempo também. O espaço-tempo pode vir à existência por qualquer teoria razoável da gravidade quântica. E, então, a versão final do nada: talvez até as leis que governam como as coisas evoluem no nosso universo são acidentais. Essa é última versão: sem leis, sem espaço, sem tempo, sem matéria, sem radiação. Bem, isso pode não ser o nada, mas é um nada muito bom para mim. 

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* Lawrence Krauss está se referindo ao fato de que espaço vazio, ou vácuo, contém partículas virtuais criadas a partir do nada e que rapidamente deixam de existir. Elas são chamadas virtuais porque não podemos observá-las diretamente, mas seus efeitos indiretos foram observados repetidas vezes. Na verdade, essas partículas "virtuais" são responsáveis pela maior parte da massa do seu corpo (e a maior parte da massa do universo reside em espaço vazio)!
No seu livro, Krauss menciona outro fato interessante sobre as partículas virtuais: a teoria prevê o impacto dessas partículas virtuais no espectro do átomo de hidrogênio. E essa é a melhor, mais correta, previsão em toda a ciência: a previsão teórica e observações estão de acordo em 1 parte em um bilhão!!

Links: Parte 2 | Youtube | Versão em inglês

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