domingo, 28 de abril de 2013

Ciência e Religião não são amigas

por Jerry Coyne
Tradução: Felipe Nogueira Barbara de Olivera
Fonte: USAToday

Religião na América está na defensiva.

Livros ateístas tais como Deus, um Delírio e A Morte da Fé se tornaram best-sellers, por expor os perigos da fé e da falta de evidências para o Deus de Abraão. A ciência alfineta a religião, incansavelmente consumindo explicações divinas e substituindo-as por explicações materiais. A evolução deu uma boa alfinetada há um tempo, e estudos recentes envolvendo o cérebro não mostraram evidências de almas, espíritos, ou qualquer parte de nossa personalidade ou comportamento diferente do "pedaço de geleia"  que reside na nossa cabeça. Nós sabemos agora que o universo não requer um criador. A ciência está até estudando a origem da moralidade. Então, afirmações religiões se abrigam em lacunas cada vez menores que ainda não foram preenchidas pela ciência. E, apesar de que ser ateu na América ainda é ser exilado, o "tipo" de crença que cresce mais rápido é a não-crença.

Mas a fé não irá embora gentilmente. Para cada livro de um "Novo Ateísta", há muitos outros atacando o movimento e demonizando ateus como arrogantes, teologicamente ignorantes e estridentes. A maior área de resistência religiosa envolve a ciência. Ao invés de serem inimigas, ou até competidoras, o argumento diz que ciência e religião são amigas totalmente compatíveis, cada uma destinada a encontrar a sua espécie de verdade enquanto anseiam por um diálogo mútuo. 

Como um cientista e ex-crente, eu acho que isso não faz sentido. A  ciência e a fé são fundamentalmente incompatíveis exatamente pela mesma razão que irracionalidade e racionalidade são incompatíveis. São diferentes formas de inquisição, com apenas uma, ciência, equipada para encontrar a verdade. E, enquanto elas podem ter um diálogo, não é um diálogo construtivo. A ciência ajuda a religião apenas refutando afirmações religiosas, enquanto a religião não tem nada a adicionar à ciência.

Irreconciliável

"Mas certamente", você poderia argumentar, "ciência e religião precisam ser compatíveis. Afinal, alguns cientistas são religiosos." Um deles é Francis Collins, chefe do Institutos Nacionais da Saúde (National Institutes of Health) e um Cristão evangélico. Mas a existência de cientistas religiosos, ou de pessoas religiosas que aceitam a ciência, não prova que as duas áreas são compatíveis. Apenas mostra que pessoas podem ter duas noções conflitantes nas suas mentes no mesmo momento*. Se isso significa compatibilidade, podemos fazer um bom argumento, baseado no senso comum de infidelidade marital, que monogamia e adultério são perfeitamente compatíveis. Não, a incompatibilidade de ciência e fé é mais fundamental: as maneiras da ciência e da fé de entender o universo são irreconciliáveis.

A ciência opera usando evidência e razão. A duvida é valorizada e autoridade é rejeitada. Nenhum achado é considerado "verdade" - uma noção que é sempre provisória - a menos que seja repetido e verificado por outros. Nós cientistas estamos sempre nos questionando "Como eu posso descobrir se estou errado?". Eu posso pensar em dezenas de potenciais observações - como um fóssil de um bilhão de anos de um macaco - que me convenceriam que a evolução não ocorreu. 

O físico Richard Feynman observou que os métodos da ciência nos ajudam a distinguir a verdade real daquilo que queremos que seja verdade: "O primeiro princípio é que você não pode enganar a si mesmo, e você é a pessoa mais fácil de ser enganada".

A ciência pode, é claro, estar errada. Deriva Continental, por exemplo, foi ridicularizada por anos. Mas no fim o método é justificado pelo seu sucesso. Sem a ciência, todos viveríamos menos, mais miseráveis e com mais doenças, sem as amenidades da medicina e tecnologia. Como Stephen Hawking proclamou, a ciência vence porque funciona.

Religião funciona? Traz consolo para alguns de nós, impele alguns a praticar o bem (e outros a arremessar aviões em prédios) e apoia a mesma verdade moral abraçadas por ateus, mas nos ajuda a melhor entender o mundo ou nosso universo? Dificilmente. Note que quase todas as religiões fazem afirmações específicas sobre o mundo envolvendo questões tais como a existência de milagres, preces respondidas por santos milagrosos e curas divinas, nascimentos virginais, anunciações e ressurreições. Essas afirmações fatuais, cuja verdade é um alicerce da crença, trazem a religião para o escopo do estudo científico. Mas ao invés de se basear na razão e evidência para apoiar tais afirmações, a fé se baseia na relevação, dogma e autoridade.  

E isso nos leva ao maior problema com a verdade religiosa: não há maneira de saber se é verdade. Eu nunca encontrei um Cristão que foi capaz de me dizer quais observações sobre o universo fariam ele abandonar a crença dele em Deus ou em Jesus (Eu pensaria que o Holocausto faria isso, mas aparentemente não). Não horror, não há quantidade de maldade no mundo, que um verdadeiro crente não possa racionalizar como consistente com um Deus amoroso. É a maneira definitiva de enganar a si mesmo. Mas como você pode ter certeza que está certo se você não consegue saber quando está errado?

A abordagem religiosa para o entendimento inevitavelmente resulta em diferentes fés mantendo "verdades" incompatíveis sobre o mundo. Muitos Cristãos acreditam que se você não aceitar Jesus como salvador, você irá queimar no inferno pela eternidade. Muçulmanos acreditam no exato oposto: Aqueles que vêem Jesus como o filho de Deus são aqueles que queimarão. Judeus vêem Jesus como profeta, mas não como messias. Qual crença, se alguma, está certa? Como não há maneira de decidir, religiões vem brigando por séculos, gerando a miserável história humana de guerras e perseguições religiosas.

Em contraste, cientistas não se matam sobre questões como a deriva continental. Temos melhores jeitos de resolver nossas diferenças. Não há ciência Católica, ciência Hindu, ciência Muçulmana - apenas ciência, uma busca multicultural pela verdade. A diferença entre ciência e fé, então, pode ser sumarizada de forma simples: na religião, fé é uma virtude; na ciência, é um defeito.

Mas não aceite minha palavra para a incompatibilidade da ciência e fé - é amplamente demonstrada pela alta taxa de ateísmo entre os cientistas. Enquanto apenas 6% dos Americanos são ateus, a figura para cientistas Americanos é 64%, de acordo o livro Science vs. Religion da professora da Universidade de Rice (Rice University) Elaine Howard Ecklund. Mais prova: entre países do mundo, há uma forte relação negativa entre religiosidade e aceitação pela evolução. Países como Dinamarca e Suécia, com baixa crença em Deus, tem a maior aceitação na evolução, enquanto países religiosos são intolerantes à evolução. De 34 países pesquisados num estudo publicado na revista Science, os Estados Unidos, entre os mais religiosos, está no final da lista na aceitação do Darwinismo: é o número 33, apenas com Turquia abaixo. Finalmente, numa enquete do jornal Time de 2006, assustadores 64% dos americanos declararam que, se a ciência refutasse uma de suas crenças religiosas, eles rejeitariam a ciência em favor da fé.

Superstição Venerável

No final, a ciência não é mais compatível com a religião do que é compatível com outras superstições, como os duendes leprachauns. Porém, não falamos em reconciliar ciência com duendes leprachauns. Nos preocupamos com a religião simplesmente porque é a superstição mais venerada - e a mais poderosa política e financeiramente.

Por que isso importa? Porque pretender que fé e ciência são métodos igualmente válidos de encontrar a verdade não apenas enfraquece o conceito de verdade, mas também dá à religião uma autoridade não merecida, o que não faz bem ao mundo. A fé ter a certeza de estar se aproximando da verdade combinada com sua inabilidade de realmente encontrar a verdade produz coisas como a opressão de mulheres e gays, oposição à pesquisa de células-tronco e eutanásia, ataques à ciência, negação da contracepção para controle de natalidade e prevenção da AIDS, repreensão sexual, e claro todas aquelas guerras, homens-bomba suicidas e perseguições religiosas.

E qualquer progresso - não apenas científico - é mais fácil quando não estamos presos a dogmas religiosos. Claro que usar razão e evidência não fará magicamente todos concordarem, mas nossa visão seria muito mais clara sem o véu da superstição.

*Nota do Tradutor: Como explicam os psicólogos Carol Tavris e Elliot Aronson no livro Mistakes Were Made (But Not by Me), "dissonância cognitiva é um estado de tensão que ocorre quando uma pessoa mantém duas cognições (idéias, atitudes, crenças, opiniões) que são psicologicamente inconsistentes". As pessoas não descansam até minimizar esse desconforto, o que leva auto-justificação de certas atitudes. Como exemplo, Tavris e Aronson citam que muitos fumantes procuram reduzir a dissonância entre o ato de fumar e saber que é prejudicial à saúde de maneiras ingênuas, como se convencer de que fumar não é muito prejudicial à saúde.
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Jerry Coyne é professor do departamento de Ecologia e Evolução da Universidade de Chicago. Seu último livro é Why Evolution is True (sem edição em português) e seu blog para divulgação  da ciência é http://whyevolutionistrue.wordpress.com 

  










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