quarta-feira, 8 de maio de 2013

Edzard Ernst: "Homeopatia não tem efeito algum"

Edzard Ernst
por Felipe Nogueira Barbara de Oliveira

Edzard Ernst é um médico e o primeiro professor no mundo em Medicina Alternativa e Complementar. Ernst faz pesquisa sobre a eficácia e eficiência de terapias alternativas e complementares. Seu último livro Trick or Treatment? Alternative Medicine on Trial, não disponível no Brasil, sumariza evidências de ensaios clínicos e meta-análises em homeopatia, acupuntura, quiropraxia e outros.

Em 2011, ele deu uma entrevista muito boa para a Revista Época, onde mostra como deve ser o pensamento e postura de um cientista. Como disse o físico Richard Feynman, "o primeiro princípio é que você não pode enganar a si mesmo, e você é a pessoa mais fácil de ser enganada".

Na entrevista, Ernst diz que acupuntura tem resultado para dores no joelho. No entanto, ele deixa claro no livro Tick or Treatment? e em seu site que acupuntura é altamente "placebogênica", ou seja indutora de efeito placebo, já que: "é exótica, é invasiva, é levemente dolorosa, envolve tempo com o terapeuta e envolve toque." Ernst diz que, se alguém tivesse que inventar um tratamento que maximizasse o efeito placebo, não poderia inventar uma melhor intervenção que acupuntura! Ainda mais importante, em um post deste ano, ele deixa claro que, em diversos tratamentos, podemos estimar se os riscos são maiores que os benefícios e, quando são, paramos de usar tais tratamentos. Ele não está convencido de que podemos fazer essa mesma estimativa com a acupuntura.

Eu entrei em contato com Ernst, por e-mail, questionando se existia alguma nova evidência sobre a eficácia do acupuntura para dores no joelho. Ele me respondeu: "eu acho que a evidência é um pouco contraditória, mas, no todo, parece ser melhor que placebo para dor no joelho".  
  
A entrevista segue abaixo, com minhas marcações em itálico.

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ÉPOCA – Depois de estudar terapias alternativas por quase 20 anos, qual é sua conclusão? Elas funcionam? 
Edzard Ernst – Depende de cada técnica. Essa área inclui práticas muito diferentes entre si. Os melhores resultados estão na área de ervas medicinais. A planta Hypericum perforatum, conhecida como erva-de-são-joão, foi uma das mais estudadas. Diria que ela não é apenas eficaz contra a depressão. Ela é melhor que os antidepressivos. Em minha opinião, é melhor que o Prozac. A acupuntura funciona para algumas condições, não para todas. Há fortes evidências de que ela é eficaz no tratamento da artrose, uma doença que causa a degeneração da cartilagem nas articulações, causando dor e rigidez. O melhor resultado é no tratamento de dores no joelho. Já a homeopatia parece não ser nada além de um placebo, uma preparação sem efeito algum.

ÉPOCA – Como o senhor recebeu esses resultados, sendo homeopata? 
Ernst – Teria adorado provar que homeopatia funciona, porque eu ganharia o Prêmio Nobel de Medicina e seria muito rico. Mas fico triste em dizer que a evidência mostra exatamente o contrário. Atualmente, há cerca de 200 testes clínicos em andamento e a maioria dos resultados não é favorável à prática. É preciso dizer que os fundamentos do tratamento homeopático são implausíveis. Diluir remédios não os torna mais poderosos, mas os faz menos eficazes. Esse assunto é o mais polêmico em minha área porque as pessoas que acreditam na homeopatia o fazem quase com fervor religioso.

ÉPOCA – Por quê? 
Ernst – A realidade que o médico vê no consultório é diferente daquela que acontece em um laboratório. Você, como médico, atende um paciente com enxaqueca, decide receitar remédio homeopático e em 15 dias ele volta dizendo que a dor desapareceu. A maioria dos homeopatas diria que isso mostra que a homeopatia funciona. Mas, como cientista, você aprende a pensar de maneira diferente. Em minha opinião, a melhora do paciente não quer dizer absolutamente nada. Pode ser consequência do efeito placebo ou, simplesmente, a evolução natural da condição. A experiência como médico pode ser bastante ilusória. É exatamente por isso que nós precisamos de pesquisas. Um bom médico deve confiar em evidências científicas tanto quanto confia em sua experiência diária.

ÉPOCA – O senhor fez muitos inimigos? 
Ernst – Os resultados dos estudos do meu grupo em relação à homeopatia e à quiropraxia, técnica que usa o alinhamento da coluna para tratar dores, foram muito negativos. Os defensores dessas duas práticas não gostam do meu trabalho, não gostam de mim e me atacam pessoalmente. Eles se mostraram extremamente agressivos. Não ligo para esses ataques, se eles não forem muito pessoais ou de baixo nível. Encaro essas controvérsias como resultado do meu trabalho. Às vezes, até provoco discussões de propósito. Acho que estimula o pensamento crítico, exatamente do que precisamos nessa área.


ÉPOCA – O senhor acha que não há rigor suficiente nas pesquisas sobre terapias alternativas? 
Ernst – A maior parte dos estudos atuais não aplica análise crítica em grau suficiente. Querem apenas promover a medicina alternativa, mostrar que funciona. Os estudos não respondem a questões cruciais, como o mecanismo fisiológico que explicaria os efeitos das práticas no corpo. O que a área precisa é de ciência rigorosa, em vez de promoção pura e simples. Precisamos de cientistas que pesquisem de verdade as técnicas de medicina alternativa. Se você não é cético, não pode ser um cientista.

ÉPOCA – Acreditar na eficácia da terapia pode atrapalhar o resultado da análise? 
Ernst – O ângulo errado de encarar uma pesquisa é dizer: “Estou convencido de que esse tratamento funciona e vou usar a ciência para provar”. Para testar uma hipótese é preciso tentar derrubá-la. Se você tenta provar que um tratamento não funciona e o submete às mais extremas e severas condições e, ainda assim, ele apresenta resultados eficazes, é sinal de que funciona em qualquer circunstância. Mas não é assim que a maioria de meus colegas no mundo inteiro trabalha. Eles partem do pressuposto que a terapia é eficaz e querem provar isso. Pesquisar medicina alternativa é muito desafiador.

ÉPOCA – Quais são as dificuldades? 
Ernst – Os efeitos dessas práticas costumam ser muito discretos. Não dá para dizer que a acupuntura e a homeopatia têm efeitos revolucionários sobre a vida dos pacientes. Isso significa que os estudos precisam ser realizados em uma amostra muito grande de pacientes, porque só assim temos condições de conseguir medir os efeitos. O problema é que pesquisas com muitos voluntários são caras. O segundo desafio é encontrar uma boa maneira de avaliar se a técnica funciona. Em testes de medicamentos comuns, um grupo de pacientes toma o remédio de verdade e o outro toma placebo, uma pílula falsa, de farinha, que não tem efeito algum. O resultado da pílula verdadeira tem de ser muito melhor que o da falsa. Na medicina alternativa é infinitamente mais difícil encontrar placebos. Por exemplo, como é possível substituir as agulhas de acupuntura? Aqui na unidade nós desenvolvemos uma “agulha placebo”, semelhante às facas usadas no teatro. Elas não penetram de verdade na pele.

ÉPOCA – Como ficarão as pesquisas agora que o senhor anunciou a aposentadoria? 
Ernst – Ainda não abandonei o posto completamente. Estou trabalhando meio período até achar um sucessor. Mas, quando deixar meu cargo, não vou parar. Vou escrever um livro, talvez vários. Vou ser uma voz muito crítica, vocês vão ouvir falar muito de mim.




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