quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Existe um consenso científico sobre armas de fogo -- e a NRA não vai gostar

por David Hemenway
Tradução: Felipe Nogueira

Após a tragédia de Sandy Hook, jornalistas me ligaram com frequência perguntando por informações sobre armas de fogo. Eles queriam saber se leis de armas mais rigorosas reduzem a taxa de homicídio (eu disse que elas reduzem) e se leis de posse armas mais permissivas reduzem a taxa de crimes em geral (eu disse que não reduzem). Descobri que, nas suas matérias, os jornalistas escrevem que eu disse uma coisa e que outros pesquisadores de armas de fogo disseram o oposto. Fiquei incomodado com essa situação reportada da "minha palavra contra a dele" - porque eu sabia que a evidência científica estava do meu lado.

Um dos jornalistas com quem reclamei me disse que ele cobriu mudança climática por muitos anos. Ele me explicou que os jornalistas só foram capazes de parar com o relato "balanceado" dessa questão quando achados objetivos indicaram que a grande maioria dos cientistas pensa que a mudança climática está ocorrendo e que é causada pelos humanos.

Então, decidi determinar objetivamente, através de questionários, se existia um consenso científico sobre armas de fogo. O que achei não agradará a National Rifle Association.

Meu primeiro passo foi juntar uma lista de cientistas relevantes. Decidi que, para estar apto para responder o questionário, o pesquisador deveria ter publicado sobre armas de fogo em um periódico científico com revisão por pares e que o pesquisador deveria ser um cientista em atividade - alguém que tenha publicado um artigo nos últimos quatro anos. Eu estava interessado em ciência social e questões políticas, então queria que os artigos fossem relevantes diretamente. Não estava interessado em cientistas fazendo pesquisa em ciência forense, história, tratamento médico, questões psiquiátricas, engenharia ou armas diferentes das armas de fogo (por exemplo, pistola de pregos)

A maioria dos cientistas que estava publicando artigos relevantes era das áreas de criminologia, econômica, política pública, ciência política e saúde pública. Como normalmente há muito mais autores em artigos de saúde pública que nos de criminologia, para ter uma lista balanceada, decidi incluir apenas o primeiro autor. Estudantes de graduação que trabalham para mim identificaram mais de 300 primeiros autores distintos e encontraram mais de 280 endereços de email.

No mês de Maio de 2015, começamos a enviar pequenos questionários mensais. A primeira pergunta de cada questionário perguntava se cada um concordava com uma afirmação particular relacionada às armas de fogo. As pergunta seguintes pediam para avaliar a qualidade da literatura científica, assim como o seu próprio nível de familiaridade com a literatura científica com aquele tópico em particular. 

"É claro que é possível encontrar pesquisadores que estão do lado da NRA, acreditando que as armas tornam nossa sociedade mais segura, em vez de mais perigosa. Como mostrei, entretanto, eles são a minoria." 

Então, por exemplo, um questionário perguntou se ter uma arma em casa aumenta o risco de suicídio. Um grande parcela das 150 pessoas que responderam, 84%, disse sim. 

Esse resultado não é tão surpreendente assim, porque a evidência cientifica é abundante. Inclui uma dezena de estudos em nível do indivíduo que investigam por que algumas pessoas cometem suicídios e outras não e quase o mesmo número de estudos em nível de área ampla que tentam explicar diferenças nas taxas de suícidio entre cidades, estados e regiões. Esses estudos de área descobriram que as diferenças nas taxas de suicídio ao longo do país são menos explicadas pelas diferenças nas taxas de saúde mental ou na idealização de suicídio do que pelas diferenças nos níveis de posse de arma de fogo dentro das residências.  

Uma meta-análise de estudos científicos sobre armas e suicídios, publicada em 2014 e conduzida por pesquisadores da Universidade da Califórnia em São Francisco, concluiu que o acesso à arma de fogo aumenta o risco de suicídio. Similarmente, a Estratégia Nacional de Prevenção de Suicídio de 2012 da National Action Alliance for Suicide Prevention e do Cirurgião Geral dos Estados Unidos concluiu que "acesso à arma de fogo é um fator de risco para suicídio nos Estados Unidos".  

Como eu disse, eu não fiquei surpreso com os resultados desse questionário. Mesmo assim, foi bom poder documentar que a grande maioria dos pesquisadores de armas chegou à mesma conclusão sobre armas de fogo e suicídio através de suas leituras individuais da literatura científica.  

Também encontrei ampla confiança de que uma arma em uma residência casa aumenta o risco de uma mulher vivendo nessa residência ser vítima de homicídio (72% concordam, 11% discordam) e que uma arma na casa torna-a um local mais perigoso (64%) ao invés de um local mais seguro (5%). Existe um consenso de que as armas não são usadas em defesa pessoal mais do que são usadas no crime (73% vs. 8%) e que uma mudança para leis mais permissivas de porte de arma não reduziu a taxa de crime (62% vs. 9%). Finalmente, há consenso que leis mais rígidas de armas reduzem homicídio (71% vs. 12%). 

É claro que é possível encontrar pesquisadores que estão do lado da NRA, acreditando que as armas tornam nossa sociedade mais segura, em vez de mais perigosa. Como mostrei, entretanto, eles são a minoria. 

O consenso científico nem sempre está certo, mas é o melhor guia que nós temos para entender o mundo. Será que os jornalistas poderiam por favor parar de fingir que os cientistas, assim como políticos, estão igualmente divididos sobre as armas? Não estamos.  

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David Hemenway é professor na Escola de Saúde Pública de Harvard e diretor do Harvard Injury Control Research Center