por Sean Caroll
fonte: Preposterous Universe
tradução: Felipe Nogueira
Stephen Hawking é o raro cientista que também é uma celebridade e um fenômeno cultural. Mas ele também é o raro fenômeno cultural cuja celebridade é inteiramente merecida. Suas contribuições podem ser caracterizadas de forma bem simples: Hawking contribuiu mais para o nosso entendimento da gravidade do que qualquer outro físico desde Albert Einstein.
fonte: Preposterous Universe
tradução: Felipe Nogueira
Stephen Hawking é o raro cientista que também é uma celebridade e um fenômeno cultural. Mas ele também é o raro fenômeno cultural cuja celebridade é inteiramente merecida. Suas contribuições podem ser caracterizadas de forma bem simples: Hawking contribuiu mais para o nosso entendimento da gravidade do que qualquer outro físico desde Albert Einstein.
"Gravidade" é uma palavra importante aqui. Durante grande parte da carreira de Hawking, a física teórica como comunidade esteve muito mais interessada na física de partículas e em outras forças da natureza - eletromagnetismo e as forças forte e fraca. A gravidade "clássica" (ignorando as complicações da mecânica quântica) foi descoberta por Einstein na sua teoria da relatividade geral, e a gravidade quântica (criando uma versão quântica da relatividade geral) parecia muito difícil. Aplicando seu prodigioso intelecto à força mais conhecida da natureza, Hawking foi capaz de chegar a diversos resultados que surpreenderam completamente a comunidade.
Por aclimatação, o resultado mais importante de Hawking é a realização que buracos negros não são completamente negros - eles emitem radiação, da mesma maneira como objetos comuns. Antes desse artigo famoso, ele provou teoremas importantes sobre buracos negros e singularidades, e depois estudou o universo como um todo. Em cada fase de sua carreira, as contribuições dele foram centrais.
O Período Clássico
Enquanto trabalhava na sua tese de doutorado em Cambridge no meio da década de 1960, Hawking ficou interessado na questão da origem e o destino final do universo. A ferramenta certa para investigar esse problema é a relatividade geral, a teoria de Einstein do espaço, tempo e gravidade. De acordo com a relatividade geral, o que percebemos como "gravidade" é uma consequência da curvatura do espaço-tempo. Entendendo como a curvatura é criada por massa e energia, podemos prever como o universo evolui. Isso pode ser visto como o período "clássico" do Hawking, contrastando a relatividade geral clássica com suas investigações posteriores na teoria quântica dos campos e na gravidade quântica.
Por volta da mesma época, Roger Penrose em Oxford provou um resultado impressionante: de acordo com a relatividade geral, sob amplas circunstâncias, espaço e tempo colapsariam em si mesmos formando uma singularidade. Se a gravidade é a curvatura do espaço-tempo, uma singularidade é um momento no tempo quando essa curvatura se torna infinitamente grande. Esse teorema mostrou que singularidades não eram apenas curiosidades, elas são uma característica importante da relatividade geral.
O resultado de Penrose se aplicava a buracos negros — regiões de espaço-tempo cujo campo gravitacional é tão forte que nem a luz não consegue escapar. Dentro de um buraco negro, a singularidade se esconde no futuro. Hawking pegou a ideia de Penrose e virou ao contrário, mirando no universo passado. Ele mostrou que, sob circunstâncias gerais parecidas, o espaço deve ter surgido a partir de uma singularidade: o Big Bang. Cosmólogos modernos falam (de forma confusa) tanto sobre o "modelo" de Big Bang, que é uma teoria muito bem sucedida que descreve a evolução de um universo em expansão ao longo de bilhões de anos, quanto sobre a "singularidade" do Big Bang, o que ainda não afirmamos entender.
Hawking então mudou seu foco para buracos negros. Um outro resultado interessante de Penrose demonstrou que é possível extrair energia de um buraco negro em rotação, essencialmente sangrando seu spin até que não esteja mais em rotação. Hawking foi capaz de demonstrar que, embora é possível extrair energia, a área do horizonte de eventos circundante ao buraco o negro sempre aumentará em qualquer processo físico. Esse "teorema de área" foi importante por si só, mas foi também evocativo de uma área completamente separada da física: termodinâmica, o estudo do calor.
A termodinâmica obedece um conjunto de leis famosas. Por exemplo, a primeira lei diz que a energia é preservada, enquanto a segunda lei diz que a entropia — uma medida do nível de desordem do universo — nunca diminui para um sistema isolado. Trabalhando com James Bardeen e Brandon Carter, Hawking propôs um conjunto de leis para a "mecânica de buraco negro", em uma analogia similar com a termodinâmica. Assim como na termodinâmica, a primeira lei da mecânica de buraco negro garante que a energia é preservada. A segunda lei é o teorema de área de Hawking, que a área do horizonte de eventos nunca diminui. Em um outras palavras, a área do horizonte de eventos é análoga à entropia de um sistema termodinâmico - ambos tendem a aumentar com o tempo.
Evaporação do Buraco Negro
Hawking então mudou seu foco para buracos negros. Um outro resultado interessante de Penrose demonstrou que é possível extrair energia de um buraco negro em rotação, essencialmente sangrando seu spin até que não esteja mais em rotação. Hawking foi capaz de demonstrar que, embora é possível extrair energia, a área do horizonte de eventos circundante ao buraco o negro sempre aumentará em qualquer processo físico. Esse "teorema de área" foi importante por si só, mas foi também evocativo de uma área completamente separada da física: termodinâmica, o estudo do calor.
A termodinâmica obedece um conjunto de leis famosas. Por exemplo, a primeira lei diz que a energia é preservada, enquanto a segunda lei diz que a entropia — uma medida do nível de desordem do universo — nunca diminui para um sistema isolado. Trabalhando com James Bardeen e Brandon Carter, Hawking propôs um conjunto de leis para a "mecânica de buraco negro", em uma analogia similar com a termodinâmica. Assim como na termodinâmica, a primeira lei da mecânica de buraco negro garante que a energia é preservada. A segunda lei é o teorema de área de Hawking, que a área do horizonte de eventos nunca diminui. Em um outras palavras, a área do horizonte de eventos é análoga à entropia de um sistema termodinâmico - ambos tendem a aumentar com o tempo.
Evaporação do Buraco Negro
Hawking e seus colaboradores estavam orgulhosos das leis da mecânica de buraco negro, mas eles vinham essas leis simplesmente como uma analogia formal, não uma conexão literal entre gravidade e termodinâmica. Em 1972, um estudante de pós-graduação na Universidade da Princeton chamado Jacob Bekenstein sugeriu que tinha algo a mais além de uma analogia. Bekenstein, usando como base alguns engenhosos experimentos de pensamento, sugeriu que o comportamento de buracos negros não apenas parecia com termodinâmica, de fato é termodinâmica. Em particular, buracos negros têm entropia.
Como muitas ideias agressivas, essa ideia foi recepcionada com resistência por parte dos especialistas - e nesse momento, Stephen Hawking era o especialista do mundo em buracos negros. Hawking estava cético e por boas razões. Se a mecânica de buraco negro é apenas uma forma de termodinâmica, isso quer dizer que buracos negros possuem temperatura. E objetos que possuem temperatura emitem radiação - a famosa "radiação do corpo negro" que desempenhou um papel central no desenvolvimento da mecânica quântica. Então, se Bekenstein estivesse certo, isso implicaria que buracos negros não são realmente negros (embora o próprio Bekenstein não foi tão longe assim).
Para endereçar esse problema seriamente, é preciso olhar além da relatividade geral, uma vez que a teoria de Einstein é puramente "clássica" - ela não incorpora os insights da mecânica quântica. Hawking sabia que os físicos Russos Alexander Starobinsky e Yakov Zel'dovich tinham investigado os efeitos quânticos na vizinhança de buracos negros e tinham previsto um fenômeno chamado "superradiância". Assim como Penrose tinha demonstrado que é possível extrair energia de um buraco negro em rotação, Starobinsky e Zel'dovich mostraram que um buraco negro em rotação pode emitir radiação espontaneamente via mecânica quântica. Hawking não era um especialista nas técnicas da teoria quântica de campos, que na época eram o território dos físico de partículas e não de relativistas gerais. Mas ele era um estudioso rápido e se lançou na difícil tarefa de entender os aspectos quânticos de buracos negros, para que ele pudesse encontrar o erro de Bekenstein.
Em vez disso, ele se surpreendeu, e no processo virou a física teórica de cabeça para baixo. O que eventualmente Hawking descobriu era que Bekenstein estava certo — buracos negros têm entropia —e que as implicações extraordinárias dessa ideia eram verdade — buracos negros não são completamente negros. Nos referimos à "entropia de Bekenstein-Hawking" de buracos negros, que emitem "radiação Hawking" nas suas "temperaturas Hawking".
Há uma maneira boa e informal de entender a radiação Hawking. A mecânica quântica diz (entre outras coisas) que não é possível atribuir um estado clássico definitivo para um sistema; há sempre uma incerteza intrínseca naquilo que veremos ao olharmos para o sistema. Isso é verdade até para o espaço vazio - quando se olha perto o suficiente, aquilo que pensamos ser espaço vazio está repleto de "partículas virtuais" — constantemente vindo a existir e deixando de existir. Hawking demonstrou que, na vizinha de um buraco negro, um par de partículas virtuais podem se separar, uma caindo no buraco negro e a outra escapando como radiação. Surpreendentemente, a partícula em queda tem uma entropia negativa se medida por um observador externo ao buraco negro. O resultado é que a radiação leva gradualmente a massa do buraco negro - o buraco negro evapora.
O resultado de Hawking tinha implicações óbvias e profundas relacionadas à maneira como pensamos sobre buracos negros. Em vez de ser um ponto final cósmico, onde matéria e energia desaparecem para sempre, eles são objetos dinâmicos que eventualmente vão evaporar completamente. Mas mais importante para a física teórica, essa descoberta lançou uma questão que ainda não sabemos a resposta: quando matéria cai dentro de um buraco negro e o buraco negro evapora, para onde vai a informação?
Se queimarmos uma enciclopédia, podemos pensar que a informação contida na enciclopédia é perdida para sempre. Mas de acordo com a mecânica quântica, a informação não está nada perdida; se pudéssemos capturar cada fragmento de luz e cinza que saíram do fogo, em teoria é possível reconstruir tudo que foi queimado, até o conteúdo impresso nas páginas do livro. Mas buracos negros, se o resultado de Hawking for considerado ao pé da letra, parecem destruir a informação, pelo menos da perspectiva do mundo externo. Esse impasse é o "enigma da perda de informação de buracos negros" e tem chateado os físicos por décadas.
Nos últimos anos, o progresso no entendimento da gravidade quântica (apenas no nível de experimento de pensamento) tem convencido mais pessoas de que a informação é realmente preservada. Em 1997, Hawking fez uma aposta com os físicos Americanos Kip Thorne e John Preskill; Hawking e Thorne disseram que a informação é destruída, Preskill disse que a informação era preservada de alguma forma. Em 2007, Hawking admitiu que perdeu a aposta, dizendo que buracos negros não destroem a informação. Entretanto, Thorne ainda não concedeu a sua parte da aposta e o próprio Preskill pensa que a concessão de Hawking foi prematura. A radiação e entropia de buracos negros continuam sendo princípios que guiam a nossa busca por um melhor entendimento da gravidade quântica.
Cosmologia Quântica
O trabalho de Hawking na radiação de buracos negros se baseava em uma combinação de ideias quânticas e clássicas. No seu modelo, o buraco negro em si era tratado classicamente, de acordo com as regras da relatividade geral; enquanto isso, as partículas virtuais próximas ao buraco negro eram tratadas usando as regras da mecânica quântica. O objetivo final de muitos físicos é construir uma verdadeira teoria da gravidade quântica, na qual o espaço-tempo seria parte de um sistema quântico.
Se há um lugar onde a mecânica quântica e a gravidade têm um papel central, é na origem do universo. E foi nessa questão, não surpreendente, que Hawking dedicou a parte final da sua carreira. Ao fazer isso, ele estabeleceu a agenda para o projeto ambicioso dos físicos de entender de onde o nosso universo veio.
Na mecânica quântica, um sistema não tem uma posição ou velocidade; seu estado é descrito por uma "função de onda", que nos diz a probabilidade de mensurarmos uma posição ou velocidade específica ao observamos o sistema. Em 1983, Hawking e James Hartle publicaram um artigo entitulado simplesmente "A Função de Onda do Universo". Eles propuseram um procedimento simples onde - em principio! - o estado de todo o universo poderia ser calculado. Não sabemos se a função de onda Hartle-Hawking é realmente a correta descrição do universo. De fato, porque ainda não temos uma completa teoria quântica da gravidade, não sabemos nem se o procedimento faz sentido. Mas o artigo deles mostrou que podemos falar do início do universo de uma forma científica.
Estudar a origem do universo oferece a expectativa de conectar a gravidade quântica a características observáveis do universo. Cosmólogos acreditam que pequenas variações na densidade de matéria originada de tempos bem iniciais gradualmente cresceram na distribuição de estrelas e galáxias que observamos hoje. Uma teoria completa da origem do universo pode ser capaz de prever essas variações e executar esse programa é a maior ocupação de físicos atualmente. Hawking fez uma série de contribuições a esse programa, a partir da sua função de onda do universo e no contexto do modelo do "universo inflacionário" proposto por Alan Guth.
Apenas falar sobre a origem do universo é um passo provocante. Isso lança a expectativa de que ciência pode ser capaz de prover uma completa e auto-contida descrição da realidade - uma expectativa que vai além da ciência, até os reinos da filosofia e teologia. Hawking, sempre provocante, nunca se esquivou dessas implicações. Ele gostava de lembrar de uma conferência de cosmologia organizada pelo Vaticano, na qual o Papa João Paulo II supostamente disse aos cientistas para não investigar a origem do universo, "porque esse foi o momento da criação e então o trabalho de Deus". Repreensões como essa não frearam Hawking; ele viveu sua vida em uma incansável busca nas questões mais fundamentais que a ciência pode atacar.