quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Primeira Coluna na Newsletter Skeptical Briefs

por Felipe Nogueira

Tentando publicar as entrevistas que eu fiz em revistas de divulgação científica, Benjamin Radford me convidou para ser colunista regular na newsletter Skeptical Briefs

Skeptical Briefs é publicada quatro vezes ao ano para os membros associados do Committee for Skeptical Inquiry, uma organização "cética" dedica a divulgação da ciência e do ceticismo. Essa organização publica a famosa revista cética Skeptical Inquirer

A minha primeira coluna foi a entrevista que realizei com o bíologo evolutivo Jerry Coyne (disponível aqui), que postou sobre no site dele, conforme a imagem abaixo.  


Interessante é que Jerry Coyne comentou que eu estava bem preparado: "... Brazilian writer Felipe Nogueira who was clearly well read about my stuff".  

Um dos leitores do site do Coyne fez um comentário elogiando as perguntas, particularmente a pergunta "Mayr vs Dawkins".  

quarta-feira, 30 de julho de 2014

Comportamento Moral em Animais

por Felipe Nogueira

Um dos grandes cientistas que estuda moralidade em outra espécies, principalmente em primatas,  é o primatologista Frans de Waal. Segue abaixo sua palestra na TEDTalk com legenda em português.

Na palestra, Frans de Waal mostra exemplos de comportamento moral em chimpanzés, bonobos, elefantes. Quem quiser mais detalhes mais detalhes sobre moralidade em outras espécies, pode recorrer aos livros de divulgação científica escritos pelo Frans de Waal: The Bonobo and The Atheist (não disponível em português), A Era da Empatia - Lições da Natureza para uma Sociedade Mais Gentil, Eu, Primata - Por que Somos como Somos

domingo, 20 de julho de 2014

O Sonho Americano da Igualdade de Renda Ainda Vive

por Michael Shermer
tradução: Felipe Nogueira

Um dos livros mais vendidos de 2014 é O Capital - No Século XXI do economista francês Thomas Piketty, um livro de 696 páginas sobre a história econômica. Por que essa dissertação com muitos dados dessa "ciência triste" é tão atraente? Porque é sobre a desigualdade de renda e imobilidade, que, num discurso de dezembro de 2013, o Presidente Barack Obama chamou de "o desafio definitivo do nosso tempo", concluindo que põe "uma ameaça fundamental ao sonho americano". Mas será que ameaça mesmo? Talvez não.

Os ricos estão ficando mais ricos, como encontrou o economista Gary Burtless do Brookings Institution ao analisar dados do Congressional Budget Office (Gabinete de Orçamento do Congresso) das tendências das rendas após as deduções de impostos entre os anos de 1979 e 2010 (incluindo assistência governamental). Os primeiros cinco assalariados dos Estados Unidos aumentaram seus percentuais da renda nacional de 43% em 1979 para 48% em 2010. Além disso, os primeiros 1% aumentaram suas partes do "bolo" de 8% em 1979 para 13% em 2010. Mas note o que não aconteceu: os restantes não ficaram mais pobres. Eles ficaram mais ricos: a renda dos outros quintis aumentou de 49%, 37%, 36% e 45%, respectivamente.

A metáfora do bolo é enganadora porque um bolo possui um tamanho fixo. Se a sua fatia é maior, a fatia de outra pessoa é menor. Mas as economias crescem e o bolo fica maior de uma maneira que você e eu podemos ganhar fatias maiores do que as fatias que recebemos do bolo do ano anterior, mesmo se o aumento da sua fatia for relativamente maior do que o meu aumento. Um relatório liberado pela Reserva Federal no início de 2014, por exemplo, notou que riqueza geral de americanos atingiu o maior nível até o momento, com a rede de casas americanas crescendo 14% em 2013, o que é um aumento de $10 trilhões para um quase inimaginável $80.7 trilhões, o maior valor já registrado pela Reserva Federal. É claro que, num planeta com recursos finitos, tal expansão não pode continuar indefinidamente, mas historicamente capital e produção de riqueza deslocam à medida que a indústria muda de, digamos, agricultura e fazenda, para carvão e aço, e para informações e serviços.

E em relação a mobilidade da renda, a qual o Presidente Obama também identificou como problema? Escrevendo no National Tax Journal, economistas Gerald Auten e Geoffrey Gee analisaram retornos de impostos individuais entre 1987-1996 e 1996-2005 e encontraram que, para indivíduos com 25 anos ou mais, aproximadamente metade dos contribuintes mudaram para um diferente quintil de renda e aproximadamente a metade dos contribuintes que começaram no quintil de renda inferior foi para um grupo de renda maior no final de cada período e aqueles com as rendas mais altas no ano base eram mais prováveis [do que aqueles em outro quintis] de cair para um grupo de renda inferior. De fato, eles encontraram que 60% daqueles no 1% do topo no ano inicial caíram para um centil inferior ao final do décimo ano. Menos de um quarto dos indivíduos no 1% do topo permaneceu nesse grupo em 2005. Num estudo posterior que incluiu dados de renda ao longo de 2010, economistas encontraram que "aproximadamente metade dos contribuintes do primeiro e quinto quintil permaneceu no mesmo quintil 20 anos depois. Aproximadamente 1/4 daqueles no último quintil subiram um quintil, enquanto 4.6% foram para o quintil do topo. 

Uma das razões para a controvérsia é que as pessoas superestimam as diferenças entre ricos e pobres. Em um estudo de 2013 publicado na Psychological Science com o título "Better Off Than We Know" (Melhor do que Sabemos), o psicólogo John R. Chambers e seus colegas da Universidade de St. Louis encontraram que a maioria das pessoas estimam que os 20% mais ricos ganham 31 vezes mais que os 20% mais pobres (o correto é 15.5 vezes), e eles acreditam que a média de renda anual dos americanos 20% mais ricos é de $2 milhões, enquanto que na verdade é $169.000, uma diferença perceptual de quase 12 vezes. "Quase todos dos participantes do nosso estudo", os autores concluíram, "superestimaram grosseiramente a média da renda e superestimaram o nível de desigualdade de renda". 

Então tanto desigualdade quanto mobilidade, apesar de não ideal como gostaríamos que estivessem na terra de oportunidades iguais, não são tão grandes e imóveis como a maioria de nós percebe.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Física e a Imortalidade da Alma

por Sean Carroll
Tradução: Felipe Nogueira

O tópico de "vida após a morte" levanta desonrosas conotações de regressão a vidas passadas e casas mal-assombradas, mas há um grande número de pessoas que acreditam em alguma forma de persistência da alma individual após a morte. Claramente essa é uma questão importante, uma das mais importantes que podemos pensar em termos de relevância para a vida humana. 

[O físico] Adam Frank acha que a ciência não tem nada a dizer sobre isso. Ele advoca ser "firmemente agnóstico" na questão (O co-blogger dele Alva Noë discorda). Tenho um grande respeito por Adam; ele é um cara esperto e um pensador cuidadoso. Quando discordamos, fazemos com um diálogo respeitoso que deveria ser o modelo para discordar de pessoas que não são loucas. Mas sobre essa questão ele está completamente errado. 

Adam afirma que "simplesmente não há informação controlada, verificável experimentalmente" em relação à vida após a morte. Por esses padrões, não há informação controlada, verificável experimentalmente sobre se a Lua é ou não feita de queijo. Com certeza, podemos ver o espectro de luz que reflete na Lua e até enviar astronautas e pegar amostras para análise. Mas com isso só estamos arranhando a superfície. E se a Lua for feita quase toda de queijo, mas for coberta com uma camada de pó de alguns metros de espessura? Tem como realmente saber que isso não é verdade? Até realmente examinarmos cada centímetro cúbico do interior da Lua, realmente não temos uma informação verificável experimentalmente, não é mesmo? Então, talvez o agnosticismo na questão da Lua feita de queijo seja justificado (Pegue qualquer informação que temos sobre a Lua; eu te prometo que estará de acordo com a hipótese do queijo).

Obviamente, isso é loucura. Nossa convicção que queijo faz parte de uma fração negligenciável do interior Lua não vem de observação direta, mas da grande incompatibilidade dessa ideia com outras coisas que pensamos saber. Com o que entendemos de rochas, planetas, laticínios e do Sistema Solar, é um absurdo imaginar que a Lua é feita de queijo. Nós sabemos mais do que isso. 

Também "sabemos mais do que isso" em relação à vida após a morte, embora as pessoas são muito relutantes para admitir. Reconhecidamente, evidência "direta" é difícil obter - tudo que temos são algumas lendas e afirmações superficiais feitas por testemunhas não confiáveis que tiveram experiências de quase morte, junto com dosagens elevadas de pensamento desejoso. Mas certamente é adequado considerar a evidência indireta - ou seja, a compatibilidade da ideia de alguma forma de alma individual que sobrevive a morte com outras coisas que sabemos sobre o funcionamento do mundo.

As afirmações de que alguma forma de consciência persiste após nossos corpos morrerem e decaírem nos seus átomos constituintes enfrentam um obstáculo grande e insuperável: as leis da física relacionadas a vida do cotidiano estão completamente entendidas. E não há como essas leis permitirem que a informação armazenada nos nossos cérebros persista após a nossa morte. Se você afirma que alguma forma de alma persiste após a morte, de que partículas essa alma é feita? Quais forças estão mantendo tais partículas juntas? Como essas partículas interagem com a matéria comum?

Tudo o que sabemos sobre a teoria quântica de campos* diz que não há nenhuma resposta sensata para essas perguntas. É claro, tudo que sabemos sobre teoria quântica de campos pode estar errado. A Lua pode ser feita de queijo também.

Entre os defensores da vida após a morte, ninguém nem tenta fazer o trabalho duro de explicar como que a física básica de átomos e elétrons teria de ser alterada para que isso seja verdade. Se tentássemos, o absurdo fundamental da tarefa ficaria evidente bem rápido.

Mesmo que você não acredite que os seres humanos são "simples" coleções de átomos que evoluem e interagem de acordo com as regras impostas pelo Modelo Padrão da física de partículas, a maioria das pessoas admitiriam a contragosto que átomos são partes de quem nós somos. Se realmente não existe nada além de átomos e das leis conhecidas, claramente não há maneira para a alma sobreviver a morte. Acreditar na vida após a morte, colocando de maneira leve, requer uma física que vai além do Modelo Padrão. E mais importante, precisamos de uma maneira para que essa "nova física" interaja com os átomos que possuímos. 

Falando a grosso modo, quando a maioria das pessoas pensa em uma alma imaterial que persiste após a morte, elas tem em mente algum tipo de energia espiritual que reside perto do nosso cérebro e dirige nossos corpos, como uma mãe que dirige um carro utilitário. As questões são estas: que tipo de energia espiritual é essa e como ela interage com nossos átomos comuns? Não é necessária uma nova física apenas, mas uma nova física bem diferente. De acordo com a teoria quântica de campos, uma coleção de "partículas espirituais" e "forças espirituais" que interagem com nossos átomos regulares não podem existir, porque teríamos detectado isso em experimentos existentes. A navalha de Ockham não está do seu lado aqui, já que você teve de postular um aspecto completamente novo da realidade obedecendo regras bem diferentes daquelas que já conhecemos. 

Mas vamos supor que você postule isso. Como a energia espiritual interage conosco? Esta é a equação que nos diz como elétrons interagem com o mundo do dia-a-dia:
Não se preocupe com os detalhes; é o fato da equação existir que importa, não sua forma particular. Essa é a equação de Dirac - os dois termos na esquerda são a velocidade do elétron e sua inércia - ligados com o electromagnetismo e gravidade, os dois termos na direita. 

No que diz respeito a qualquer experimento já feito, essa equação é a correta descrição de como elétrons se comportam nas energias do dia a dia. Não é a descrição completa; não incluí a força nuclear fraca, ou ligações com partículas como o bóson de Higgs. Mas isso não tem problema, já que isso só é importante em altas energias e/ou pequenas distâncias, muito longe da escala relevante para o cérebro humano. 

Se você acredita em uma alma imaterial que interage com nossos corpos, você precisa acreditar que essa equação não está correta, até mesmo nas energias do dia a dia. É necessário um novo termo (no mínimo) na direita, representando como a alma interage com os elétrons. (Se esse termo não existe, elétrons vão continuar no caminho deles como se não existisse alma nenhuma). Então, qualquer cientista respeitável que levou essa ideia a sério estaria perguntando - que forma essa interação tem? É local no espaço-tempo? A alma respeita a invariância de gauge e invariância de Lorentz? A alma tem um [operador] Hamiltoniano? As interações preservam unitaridade e a conservação da informação?  

Ninguém faz essas perguntas em voz alta, possivelmente porque elas soam tão bobas. Quando você começa a fazer tais perguntas, você claramente se depara com uma escolha: ou jogue fora tudo que pensamos ter aprendido de física moderna ou desconfie da mistura de relatos religiosos/testemunhos não confiáveis/pensamento desejoso que faz as pessoas acreditarem na possibilidade da vida após a morte. Não é uma decisão difícil, no que diz respeito à escolha de teoria científica. 

Não escolhemos teorias em um vácuo. Somos permitidos - na verdade, requisitados - a perguntar como que afirmações sobre como o mundo funciona se encaixam no que já sabemos sobre o funcionamento do mundo. Estou falando aqui como um físico de partículas, mas há uma linha de raciocínio análoga da biologia evolucionária. Provavelmente aminoácidos e proteínas não possuem almas que persistem após a morte. E em relação a vírus e bactérias? Onde, na corrente da evolução partindo de nossos ancestrais moleculares até hoje, os organismos deixaram de ser descritos puramente como átomos que interagem através da gravidade e electromagnetismo e desenvolveram uma alma imortal imaterial?   

Não há razão para ser agnóstico com idéias que são radicalmente incompatíveis com tudo o que sabemos de ciência moderna. Quando superarmos qualquer relutância em enfrentar a realidade nessa questão, podemos nos aprofundar em perguntas muito mais interessantes relacionadas ao real funcionamento dos seres humanos e consciência.

Nota do Tradutor:
* Teoria quântica de campos é utilizada para descrever campos de força (e interação entre partículas) nos níveis atômico e subatômico.
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Sean Carroll é físico teórico do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech). Ele é autor dos livros From Eternity to Here e The Particle at the End of the Universe. Visite o blog dele (em inglês) aqui.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Avaliação do NHMRC sobre a eficácia da homeopatia

por Felipe Nogueira

A homeopatia é uma forma de medicina alternativa e complementar baseada em dois princípios. O primeiro, chamado de "similar cura similar", diz que substâncias curam os mesmos sintomas (ou doenças) que elas causam. O segundo princípio é a "potenciação" ou "dinamização": a substância é diluídas diversas vezes. Homeopatas utilizam a notação C para identificar a diluição de 1 parte da substância ativa em 100 partes de água. Então, a notação 200C, utilizada por exemplo na preparação do Oscillococcinum, indica que a substância ativa foi, primeiramente, diluída em 100 partes de água. Posteriormente, 1 parte do resultado de cada diluição é diluída novamente em 100 partes de água até totalizar 200 diluições. Isso quer dizer que, no final das 200 diluições, 1 parte da substância ativa foi diluída em 100200 partes de água. Homeopatas chamam as diluições sucessivas de potenciação já que eles acreditam - por mais absurdo que pareça - que, quanto mais diluído o medicamento homeopático, mais potente ele é. 

O National Health and Medical Research Council (NHMRC) é a instituição líder da Austrália no desenvolvimento e manutenção da saúde pública e individual. Sua missão, como está escrita no site, é trabalhar para criar uma Austrália mais saudável.

Recentemente, o NHMRC realizou uma grande avaliação das evidências sobre a eficácia da Homeopatia. A revisão foi feita porque é função do NHMRC prover a melhor evidência para ajudar os australianos a tomarem decisões referentes a questões de saúde. E isso inclui decisões em relação ao uso de medicina alternativa e complementar. O NHMRC publicou um relatório inicial dessa revisão para avaliação do público e das partes interessadas*. Qualquer evidência adicional pode ser submetida para análise até o final do mês de maio. 

Evidências analisadas pelo NHMRC 
Conforme escrito no documento, o objetivo da avaliação foi responder a pergunta "Homeopatia é um tratamento eficaz para condições de saúde, comparado com o não uso da homeopatia, ou comparado com o uso de outros tratamentos?" Para fazer isso, o NHMRC avaliou 57 revisões sistemáticas, que examinaram as evidências da eficácia da homeopatia para 68 condições clínicas.  É importante destacar que:
  • foi considerada "evidência" pelo NHMRC apenas estudos controlados e prospectivos em humanos; não foram incluídas experiências individuais, testemunhos, relatos de casos, ou pesquisas que não utilizaram métodos padronizados.
  • o NHMRC considerou artigos submetidos pelo público  e pelas instituições homeopáticas Australian Homeopathy Association Australian Medical Fellowship of Homeopathy
  • a revisão não levou em consideração se a homeopatia é eficaz na prevenção de condições de saúde ou se a homeopatia é boa para a saúde em geral. 
Homeopatia em comparação com placebo
Foram encontrados estudos comparando homeopatia com placebo para 55 condições clínicas.
Para 13 condições clínicas, a homeopatia não se mostrou melhor que o placebo na maioria dos estudos bem elaborados e com número suficiente de participantes. Essa condições são: vegetação adenoide em crianças, asma, ansiedade ou condições relacionadas ao estresse, diarreia em crianças, dor de cabeça e enxaqueca, dor muscular, parto (indução ou redução), dor devido a procedimento dentário, dor devido a cirurgia ortopédica, íleo pós-operatório, síndrome pré-menstrual, infecções das vias áreas respiratórias superiores, verrugas 

Para 14 condições clínicas, alguns estudos reportaram que a homeopatia é melhor que o placebo, porém esses estudos foram considerados pelo NHRMC como não confiáveis por serem mal elaborados ou com pequeno número de participantes.  Essas condições são: rinite alérgica, déficit de atenção/desordem de hiperatividade em crianças, hematomas, síndrome da fatiga crônica, fibromialgia, ondas de calor em mulheres que tiveram câncer de mama, infecção por HIV, doenças similares a gripe, artrite reumatoide, sinusite, distúrbios de sono ou distúrbios do ritmo circadiano, estomatite devido à quimioterapia e úlceras.

Para 29 condições, apenas 1 estudo comparou homeopatia com placebo e esses estudos não foram considerados confiáveis por serem mal elaborados ou com pequeno número de  participantes. Com isso, não foi possível chegar à conclusão se homeopatia é eficaz ou não para essas condições, que são as seguintes: acne vulgar, otite média aguda em crianças, torção aguda do tornozelo, trauma agudo, amebíase e giardíase, espondilite anquilosante, furúnculo e pioderma, afasia de Broca em pessoas que tiveram AVC, bronquite, cólera, tosse, poliartrite crônica, dificuldades no parto, eczema, vício em heroína, hematoma na junta do joelho, dor na lombar, náusea e vomito associados a quimioterapia, líquen oral plano, osteoartrite, proctocolite, agitação e dor pós operatória (postoperative pain-agitation syndrome), radiodermatite, dermatite seborreica, supressão da lactação após parto em mulheres que não podiam amamentar no peito, AVC, lesão cerebral traumática (leve), prurido urêmico e problemas nas veias causados por cânulas em pacientes recebendo quimioterapia.

Homeopatia em comparação com outros tratamentos
Foram encontrados estudos comparando homeopatia com outros tratamentos para 15 condições de saúde. 
Para 8 condições, alguns estudos reportaram que a homeopatia é equivalente ou mais eficaz que outros tratamentos. Porém, esses estudos foram considerados não confiáveis pelo NHMRC por serem mal elaborados ou não conterem número suficiente de participantes. Essas condições são: otite média aguda ou otite media com efusão em crianças, rinite alérgica, ansiedade ou condições relacionadas ao estresse, depressão, eczema, rinite não alérgica, osteoartrite e infecção do trato respiratório superior. 

Para 7 condições, apenas 1 estudo comparando a homeopatia com outros tratamentos foi encontrado. Esses estudos foram considerados não confiáveis, já que são de baixa qualidade, qualidade desconhecida ou por não conterem número suficiente de participantes. Com isso, não foi possível chegar à conclusão se a homeopatia é eficaz ou não, para as seguintes condições: queimadura de segundo ou terceiro grau, fibromialgia, síndrome do intestino irritável, malaria, proctocolite, candidíase vulvovaginal recorrente, artrite reumatoide. 

Estudos não encontrados
As revisões sistemáticas analisadas pelo NHMRC procuraram mas não encontraram estudos examinando a eficácia da homeopatia em pessoas com as seguintes condições: glaucoma, constipação em crianças, enurese noturna, homens com sintomas no trato urinário inferior, transtorno de personalidade borderline, demência e dor crônica facial. Com isso, não foi possível avaliar se a homeopatia é eficaz para essas condições.

Conclusão
Com o que foi mencionado anteriormente, acredito que a conclusão é bastante deduzível. A tradução da conclusão encontrada na página 10 do relatório é a seguinte:
O NHMRC conclui que a avaliação da evidência da pesquisa em humanos não mostra que a homeopatia é eficaz para tratar as diversas condições de saúde consideradas. 
Não há condições de saúde com evidências confiáveis de que homeopatia é eficaz. Nenhum estudo de boa qualidade, bem elaborado e com número suficiente de participantes para alcançar resultado significativo, reportou que a homeopatia proporcionou mais melhorias na saúde do que placebo ou proporcionou melhorias equivalentes a de outros tratamentos.
Comentários
Ao todo, o NHMRC publicou quatro documentos extremamente detalhados. As revisões sistemáticas incluídas foram extensivamente analisadas; foram publicados os formulários preenchidos com a avaliação da qualidade de cada estudo. Todas essas informações estão disponíveis para consulta on-line*.

Não é de surpreender que essa avaliação foi considerada pelo Edzard Ernst, primeiro professor de Medicina Alternativa e Complementar do mundo, como a revisão mais minuciosa e independente já feita na história da homeopatia. Essa avaliação, segundo Enrst, une duas perspectivas - a do cético e do defensor da medicina baseada em evidências - isolando a perspectiva indefensável do crente na homeopatia. Acredito que mais comentários além do que Ernst disse na seguinte tradução não são necessários
parece mais e mais que homeopatia está se degenerando rapidamente em um culto caracterizado pelo compromisso inquestionável e submissão incondicional dos seus membros que sofreram uma lavagem cerebral tão forte que não percebem que seus fervores os isolaram das seções mais racionais da sociedade. E um culto é dificilmente o que precisamos na saúde, eu deveria pensar. Me parece que esses desenvolvimentos intrigantes podem finalmente terminar com o erro que a homeopatia representou por quase 200 anos. 

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* Todos os documentos da revisão feita pelo NHMRC podem ser encontrados aqui


  


   

domingo, 16 de março de 2014

Contrata como o Google? Para maioria das empresas, não é uma boa ideia

por Christopher Chabris e Jonathan Wai
Tradução: Felipe Nogueira
Fonte: LaTimes

O chefe de recursos humanos do Google, Lazlo Bock, criou um alvoroço com o seu anúncio no ano passado de que a empresa de tecnologia tinha mudado a maneira de contratar seus funcionários. As perguntas quebra-cabeça que muitos candidatos abominavam foram eliminadas. Também foi eliminada, pelo que parece, qualquer preocupação em descobrir o nível de inteligência dos aplicantes. "CRs são inúteis como critério de contratação, notas de prova são inúteis..."*

Vamos confiar na palavra de Bock e assumir que a empresa obcecada por dados analisou os números rigorosamente e encontrou que as notas de seus funcionários não predizem a performance deles no trabalho. Se a Google ranqueia suas novas contratações pelas suas pontuações SAT e encontrou que os 10% dos funcionários localizados no final da lista tem performance equivalente a dos 10% do início da lista, isso quer dizer que as métricas tradicionais de inteligência são inúteis no mundo dos negócios?

Infelizmente para Bock e seus admiradores, que vão desde Thomas Friedman até Rush Limbaugh, a resposta é não, e outras empresas cometerão um erro se seguirem o Google.

Aqui está o porquê. Primeiro, décadas de pesquisa quantitativa na área de psicologia pessoal têm mostrado que, para diversos empregos, métricas de "habilidade cognitiva geral" - que é uma outra maneira de referenciar o antigo conceito de inteligência ou QI - são consistentemente as melhores maneiras que empregadores tem para prever quais novos empregados acabarão com as melhores avaliações de performance ou com os melhores planos de carreira. Não devemos nos precipitar e assumir que o Google, com seus dados privados, refutou todo esse trabalho subitamente.

Como pode o Google não ver nenhuma correlação entre QI e performance na empresa?  Pela mesma razão que, digamos, não há correlação entre altura e pontuação no basquete profissional. Na média, o jogador da NBA tem quase 2 metros de altura, o que o torna mais alto que 99% dos homens adultos nos Estados Unidos. A NBA já seleciona seus jogadores baseado na altura, e seleciona pessoas atípicas. Esses jogadores da NBA já são todos muito altos, o que significa que outros fatores, e não a altura, explicam a pontuação. Mas se um time de jogadores da NBA jogar contra caras aleatórios, a altura fará toda a diferença.

Nas ciências sociais, isso é conhecido como o problema da restrição do intervalo (range restriction). Quando pessoas são medidas em uma dimensão (altura) que não varia muito (na NBA, quase todos são muito altos), essa dimensão não irá explicar como essas pessoas se saem em uma outra dimensão (pontuação). E os funcionários do Google são um exemplo típico de livro-texto de restrição de intervalo - não em altura, mas em QI.

Bock afirmou que a fração das pessoas no Google grau universitário aumentou com o tempo e agora chega até 14% em alguns times de produtos. Isso significa, entretanto, que mais de 86% das pessoas na Google possuem graduação (ou mais), e a maioria vem de universidades de elite. Como um ex-funcionário do Google observou no Quora**, pode até ocorrer um excesso de habilidade: "há estudantes das 10 melhores universidades que estão fornecendo suporte técnico para os produtos de propaganda do Google, ou excluindo manualmente conteúdos marcados no Youtube".

Essas instituições altamente seletivas, por definição, já filtraram estudantes com base nas notas do ensino médio (CR e notas em provas padronizadas*). Google usa, de fato, a presença nessas faculdades como critério de contratação, então Bock - que possui grau obtido na Universidade de Yale - está usando CRs e notas de provas quer ele reconheça ou não. 

E em relação aos Googlers sem grau universitário? É verdade que, no mundo da programação, um grau universitário não é um ingresso garantido, mas uma clara demonstração de competência. O Facebook usa a Kaggle Recruit - uma competição de programação de soluções de problemas de software do mundo-real - para encontrar pessoas para seu time de dados. Microsoft fez a Code4Bill (Gates), uma busca por talentos na Índia que avaliou habilidades analíticas de codificação, e atualmente possui a Imagine Cup. 

O Google tem o seu anual Code Jam, uma competição mundial de programação onde qualquer pessoa de qualquer idade pode mostrar que tem talento. O evento acontece desde 2003 e, em 2012, o campeão foi Jakub Pachocki da Polônia, que venceu a concorrência de 35000 competidores, ganhando U$10.000 e uma provável oferta de emprego do Google. Em uma entrevista, Pachocki descreveu a competição como "mais parecida com trabalho matemático ou resolver quebra-cabeças lógicos". Para vencer o Code Jam, então, você não precisa de um grau universitário, mas precisa de uma extraordinária habilidade cognitiva. Nesse sentido, os 14% do Google podem não ser muito diferente dos seus outros 86%. 

Pesquisadores sabem há um tempo que provas padronizadas - independente de como elas são divulgadas e comercializadas - medem principalmente habilidade cognitiva geral, que é altamente preditiva de sucesso educacional e profissional na população em geral. Um número bem pequeno de empresas no topo de suas indústrias - como o Google em tecnologia - tem o luxo de ignorar ou minimizar esses fatores, porque seus candidatos já vem pré-selecionados pela alta inteligência. Para essas empresas, inteligência pode não importar tanto quanto liderança, criatividade, conscienciosidade, habilidade sociais e outras virtudes, quando o funcionário já está contratado.

O resto do mundo dos negócios não deve ir na onda do Google. Todas essas outras qualidades importam e as mais importantes podem variar de empresa para empresa e com o tipo de trabalho. Mas ter uma ideia de o quão bem o candidato pensa abstratamente, soluciona problemas novos e aprende novas coisas é importante independente do trabalho e da situação. Essas qualidades são precisamente o que habilidade cognitiva geral é, independente do rótulo que receba. Se você ignora inteligência ao contratar, está fazendo isso por sua própria conta e risco.

Notas do Tradutor:
* Nos Estados Unidos, o coeficiente de rendimento (CR) é conhecido como GPA (Grade Point Average). Há também duas provas padronizadas, SAT e ACT, elaboradas por empresas privadas distintas. Essas provas são usadas por universidades como critério de admissão.
** Quora é um site/rede social de perguntas e respostas.
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Christopher Chabris é um psicólogo americano e co-diretor do Programa de Neurociência do Union College. Chabris é conhecido como co-autor (com o psicólogo Daniel Simons) do famoso livro O Gorila Invisível. O título do livro tem a ver com o conhecido experimento de atenção seletiva, que pode ser visto no Youtube aqui.
Jonathan Wai é psicólogo, pesquisador do Programa de Identificação de Talentos da Universidade de Duke e seu interesse é a psicologia da criatividade e intelecto.  

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Jerry Coyne: "A teoria da evolução foi confirmada como verdade diversas vezes"

por Felipe Nogueira

Entrevista com Jerry Coyne
Jerry Coyne é um biólogo evolutivo, professor do Departamento de Ecologia e Evolução da Universidade de Chicago e membro dos comitês de Genética e Biologia Evolucionária. 

Coyne é um grande divulgador da evolução e ciência. Seu último livro é Why Evolution is True, onde ele mostra com clareza as diversas evidências para a teoria da evolução, além de desbancar diversos argumentos de criacionistas.  

Eu fiz uma entrevista com ele, que está disponível no Youtube. Esta é a primeira parte do texto da entrevista. Para aqueles que não sabem, hoje é o Dia de Darwin. Acho que a postagem dessa primeira parte da entrevista, onde eu converso com Coyne sobre diferentes aspectos da evolução, como concepções erradas, evidências e mecanismos, é uma boa maneira de celebrar este dia. Agradeço ao Coyne pela sua atenção e oportunidade de entrevistá-lo.  


Poderia explicar por que evolução não é apenas uma teoria?
É uma teoria e um fato. Como eu explico no meu livro, teoria na ciência tem um significado diferente daquilo que a maioria das pessoas acham. Eu acho que isso foi mencionado no debate entre Ken Ham e Bill Nye. Alguém na audiência disse que evolução é apenas uma teoria, implicando que é apenas um chute ou especulação. Na ciência, teoria é uma proposição ou uma explicação que junta vários fatos para explicar um fenômeno. Então, nós temos a teoria da gravidade ou a teoria microbiana das doenças, por exemplo. Ou a teoria atômica: matéria é feita por constituintes chamados de átomos. Átomos são fatos. Da mesma maneira, evolução é chamada de teoria, porque Darwin propôs um mecanismo explanatório para diversos fatos. Então, evolução assim como a teoria atômica ou teoria microbiana das doenças é tanto teoria quanto fato, mas teoria no sentido cientifico, que é uma explicação bem estabelecida para um diverso grupo de fenômenos. E esse talvez seja o equívoco mais perverso sobre evolução, pelo menos nos Estados Unidos. 

Você mencionou claramente no seu livro que a teoria da evolução é mais do que a afirmação de que a evolução aconteceu e inclui a explicação de como a evolução acontece. Poderia elaborar?
É uma afirmação do que aconteceu e porque aconteceu. O [paleontólogo] Stephen Gould deixou isso claro, embora ele pensava que a teoria era a explicação e o fato era a coisa em si mesma. É uma questão de gosto do que você chama teoria, mas não é uma questão de gosto de que a teoria da evolução é algo que foi confirmada como verdade diversas vezes. Isso é que importante de enfatizar quando você lida com esse equívoco.

As palavras "teoria da evolução" são equivalentes às palavras "síntese evolutiva moderna"?
A teoria da evolução que eu falo no meu livro é a que a maioria das pessoas defendem, basicamente a mesma que Darwin propôs, que envolve os elementos de evolução, transformação gradual de população (genética, apesar de que Darwin não sabia sobre genética), divisão das linhagens, então temos uma espécie que forma outras, montando uma árvore da vida, com cada par de espécies tendo um ancestral comum, e os organismos parecem que eles foram projetos, que é o resultado da seleção natural. Então essa é a teoria Darwiniana da evolução. A teoria Neo-Darwiniana é baseada em genes e há outros processos, como a deriva genética e a transferência horizontal de genes. Eles são importantes e foram confirmados como verdades, mas, para a pessoa que desacredita na evolução, o que ela desacredita é esses cinco elementos que eu mencionei. 

Qual é o equívoco mais comum sobre a evolução? 
Um que é bem comum entre crianças está relacionado com transformação instantânea da população, como se cada individuo virasse outra coisa, ao invés de uma mudança genética gradual na composição da população. Outro equívoco é que não há evidências para evolução, que não temos evidências para que um tipo de animal se torne outro animal com o passar do tempo. Mas a verdade é que há muitas evidências, as pessoas apenas não sabem.

Há o equívoco de que a evolução é apenas um processo aleatório. 
Esse é muito bom: "como tudo isso aconteceu por chance?" É facilmente desbancado se você entende o que é seleção natural, mas é um equívoco bem comum. Nos Estados Unidos, a evolução está associada com todo tipo de coisa religiosa, como se você acredita em evolução, você tem de abandonar a sua moralidade. Essa é provavelmente a razão pela qual pessoas religiosas se opõem à evolução nos Estados Unidos e talvez no Brasil também, já que é um país religioso. Eles perguntam "que base você tem para ser moral, se é apenas um ser evoluído, como um chimpanzé?". E esse equívoco vem de um entendimento errado da real origem da nossa moralidade.  

E também existe o equívoco da definição da palavra aleatória no contexto de mutação aleatória. 
As pessoas leigas não sabem que mutação é um processo aleatório, muito menos entendem o que realmente queremos dizer por processo aleatório. Queremos dizer que a ocorrência de mutações é indiferente dos seuss efeitos  no sucesso reprodutivo dos indivíduos que as carregam. Esse equívoco é provavelmente mais comum entre criacionistas mais sofisticados. Porém, não acho que seja um equívoco, acho que é intencional, algo que eles dizem para fazer as pessoas questionarem a evolução, o que é a missão deles. 

E em relação ao equívoco do elo perdido?
Esse é um equívoco do que um elo perdido realmente é. O elo perdido entre humanos e chimpanzés seria o ancestral comum entre humanos e chimpanzés. Isso é uma única espécie que se dividiu em duas populações: uma que deu origem aos hominídeos e outra que deu origem aos bonobos e chimpanzés. Geralmente não encontramos uma espécie única no registro fóssil, mas não precisamos do elo perdido para provar que humanos e chimpanzés possuem um ancestral comum. Como explico no meu livro, à medida que vamos "para trás" na linhagem humana, esperamos encontrar mais formas intermediárias (ou transitórias) que mostram um ancestral com a forma de um primata. De fato, é isso que encontramos. Ken Ham disse isso no debate com Bill Nye: "temos evidência para evolução para cachorros evoluindo em outros cachorros, mas não para um cachorro evoluindo para um gato". Mas se você olhar para os registros fósseis, você vê essas formas transitórias. Tiktalik, que foi mencionado por Bill Nye, é a forma intermediária entre peixes e anfíbios; há a forma transitória entre anfíbios e répteis, entre répteis e mamíferos. Temos fósseis também entre répteis e aves, temos uma boa coleção de fósseis temos dos dinossauros com penas. Então, temos não apenas os elos entre os maiores tipos de animais que foram previstos pela teoria da evolução como temos também elos entre tipos diferentes que a criação bíblica diz que não poderia existir. Esses fósseis desbancam absolutamente qualquer forma de criacionismo.  

E sobre as idéias dos criacionistas/defensores do design inteligente de que a asa ou olho são muito complexos para evoluírem por mudanças graduais com o passar do tempo?
Darwin foi o primeiro a lidar com o olho no seu livro A Origem das Espécies, mostrando que temos todos os degraus do desenvolvimento do olho em espécies vivas e não há problema em visionar como você vai de um desses degraus para outro. Segundo, há um artigo escrito por Nilsson and Pelger* , onde eles fizeram um modelo simples da evolução de um olho que é uma câmera complexa a partir de um olho que é uma fenda sensível à luz. Eles fizeram suposições bem conservadoras em relação às taxas de mutação, quais as pressões seletivas. Em torno de mil gerações, eles viram esse olho complexo evoluir.
A coagulação sanguínea é outra característica complexa que os defensores do design inteligente utilizam. Eles dizem "como temos essa complexa cascata de reações enzimáticas que resulta na coagulação? Não pode ter evoluído, porque, se qualquer passo intermediário for removido, o sangue não irá coagular. Então, tudo tem de estar lá e Deus que fez". Mas pequisas mostram que você pode remover certos passos intermediários e ainda ter coagulação. Não sabemos como aconteceu, porque não estávamos lá, mas não precisamos observar diretamente para rejeitar os argumentos de criacionistas de que é muito complexo para evoluir. O que você precisa é mostrar que é um cenário plausível, que cada passo tem vantagem adaptativa, mostrando que a evolução foi plausível. E fizemos isso para quase todos esses traços supostamente não passíveis de evolução e muito complexos.       

O livro O Gene Egoísta de Richard Dawkins foca na visão da evolução centrada no gene. Mas o biólogo evolutivo Ernst Mayr era um crítico dessa visão. Qual é a visão atual do alvo da seleção natural?
Quando você usa as palavras "alvo da seleção", você está de alguma maneira antropomorfizando o processo, porque a seleção não é uma força. O que queremos dizer é a unidade de reprodução diferencial que causa a evolução. De forma geral, eu acho que Dawkins está certo. Em quase todos os casos que conhecemos, podemos reconstruir o que aconteceu e ver a base da adaptação evolutiva e a sua base o gene. Resistência a inseticidas em insetos é uma resistência contra inseticidas de organofosfato e em muitos casos é o mesmo gene. Podemos localizar onde está a lesão ocorrida no gene que está causando a resistência. Em muitos casos, é exatamente a mesma mutação em insetos diferentes. Nesse caso e em muitos outros, a seleção iniciou no nível do gene.
Mas há outros possíveis alvos de seleção. Muitos argumentam que a seleção de grupo, onde é o grupo que tem a reprodução diferencial, é uma alternativa viável. Isso tem sido usado para explicar algumas coisas desde da evolução do altruísmo até sexo. Primeiro, grupos não proliferam e são extintos como o indivíduo. Segundo, não consigo pensar em uma adaptação que é boa para o grupo, mas ruim para o indivíduo, que é o que se espera se a seleção de grupo ocorre sobrepondo a seleção individual. E eu acho que Dawkins está bem certo: a coisa que tem de mudar para ocorrer evolução é o gene, mas faz isso afetando o sucesso reprodutivo dos indivíduos que carregam tal gene. Você pode pensar que o gene é o replicador e o indivíduo cuja reprodução é afetada pela interação com o ambiente como o veículo para o gene. 

Mayr era crítico da definição de evolução "mudança na frequência dos genes".      
A maioria das pessoas considera evolução como mudanças observáveis nos organismos com o passar do tempo, como dinossauros evoluíram para pássaros. Mas, é claro, que isso significa que houve uma mudança na frequência dos genes. Prefiro olhar para evolução como a mudança na frequência dos genes, porque certas mudanças nos fenótipos com o passar do tempo não são o que chamamos de evolução. Por exemplo, a população Japonesa cresceu pelo menos 6 polegadas em altura, desde da 2ª Guerra Mundial, por causa de melhorias na nutrição. Não acho que chamamos isso de evolução. Algumas pessoas iriam chamar, porque elas acham que evolução é mudança. Mas para evolução biológica, que é o que estamos falando, temos que ir até o nível do gene, porque o aumento na altura dos japoneses não é evolução biológica. Acho que Mayr estava discutindo semântica, porque, afinal, ele admitiu explicitamente para mim que não sabia nada sobre genética populacional. Então, ele preferiu uma definição que era mais compatível com a área dele, que era a mudança dos fenótipos. 

Você mencionou outros mecanismos além da seleção natural, como a deriva genética. Há também seleção sexual. Qual é a importância deles? 
Seleção sexual é seleção natural; é uma forma específica de seleção natural que envolve acasalamento. Eu não separo isso de seleção sexual, mas algumas pessoas tentaram fazer isso. E.O.Wilson tentou chamar de um processo evolutivo separado. Mas não é; é a mesma coisa. A deriva genética é a mudança aleatória na frequência dos genes devidos a diferenças reprodutivas estocásticas, tais como a diferença na proporção do sexo, e diferença no número de prole, que não estão relacionadas com aptidão. É provavelmente importante na evolução molecular, porque há muitas características na evolução molecular que suas mudanças não afetam aptidão, como as partes do DNA que não fazem nada, o que é conhecido como "DNA lixo". Então, mudanças genéticas nessas regiões provavelmente vão evoluir apenas por deriva genética, porque não podem afetar o sucesso reprodutivo dos indivíduos que os carregam. No contexto de evolução de fenótipos, é difícil provar que uma característica evoluiu por deriva genética ao invés de seleção, dado que uma pequena vantagem seletiva pode causar mudanças ao longo de milhões de anos e é possível medir isso. A frequência mais alta de genes deletérios em populações humanas como Dunker e Amish e a frequência mais alta de genes causadores de doenças em judeus Ashkenasi podem ser atribuídos a deriva genética. Mas é difícil dar exemplos desse processo operando em características observáveis dos organismos. Provavelmente opera, só não temos bons exemplos disso. Há também distorção de segregação (meiotic drive), onde há duas cópias diferentes do mesmo gene e, no momento em que óvulos e espermas são feitos, uma delas mata a outra e isso é representado na próxima geração. Mas você pode pensar nisso como um tipo seleção, embora não seja uma seleção adaptativa; é a reprodução diferencial do gene que não torna os indivíduos que os carregam mais aptos e, na verdade, pode extinguir populações. Então, as duas grandes forças da evolução são a força determinística da seleção natural e a força aleatória da deriva genética. 

Algumas pessoas acreditam que as únicas evidências para evolução é o registro fóssil. Mas mesmo sem o registro fóssil evolução é verdade. Quais são as outras maneiras de corroborar evolução? 
Eu acho que o Dawkins fez esse argumento. Temos evidências suficientes de outras áreas que podemos documentar a evolução sem o registro fóssil. Temos a evidência de que os organismos são relacionados; os dados embriológicos, que só fazem sentido sob o foco da evolução; os dados biogeográficos, que eu descrevo no meu livro, é evidência bem poderosa para evolução; órgãos vestigiais; a existência de genes vestigiais, o genoma humano tem genes para a produção de gemas de ovo e não fazemos gema de ovo, esses genes foram desativados. A explicação para isso é que evoluímos de organismos que originalmente produziam gemas de ovos. Dez anos depois de Darwin, quase todo biólogo e pessoa leiga racional aceitou evolução e não havia nenhum registro fóssil que mostrava a evolução. Mas, para muitas pessoas, o registro fóssil é a evidência mais convincente. Quando é possível mostrar um fóssil de um dinossauro com pena, esse tipo de evidência é bem convincente. 

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* Esse artigo é “A Pessimistic Estimate of the Time Required for an Eye to Evolve” de autoria de Dan-E. Nilsson e Susanne Pelger publicado em Proceedings of The Royal Society of London, Series B, 256, 53-58, 22 de Abril de 1994. 
O resumo do artigo está disponível em: http://rspb.royalsocietypublishing.org/content/256/1345/53.abstract.