quarta-feira, 14 de maio de 2014

Física e a Imortalidade da Alma

por Sean Carroll
Tradução: Felipe Nogueira

O tópico de "vida após a morte" levanta desonrosas conotações de regressão a vidas passadas e casas mal-assombradas, mas há um grande número de pessoas que acreditam em alguma forma de persistência da alma individual após a morte. Claramente essa é uma questão importante, uma das mais importantes que podemos pensar em termos de relevância para a vida humana. 

[O físico] Adam Frank acha que a ciência não tem nada a dizer sobre isso. Ele advoca ser "firmemente agnóstico" na questão (O co-blogger dele Alva Noë discorda). Tenho um grande respeito por Adam; ele é um cara esperto e um pensador cuidadoso. Quando discordamos, fazemos com um diálogo respeitoso que deveria ser o modelo para discordar de pessoas que não são loucas. Mas sobre essa questão ele está completamente errado. 

Adam afirma que "simplesmente não há informação controlada, verificável experimentalmente" em relação à vida após a morte. Por esses padrões, não há informação controlada, verificável experimentalmente sobre se a Lua é ou não feita de queijo. Com certeza, podemos ver o espectro de luz que reflete na Lua e até enviar astronautas e pegar amostras para análise. Mas com isso só estamos arranhando a superfície. E se a Lua for feita quase toda de queijo, mas for coberta com uma camada de pó de alguns metros de espessura? Tem como realmente saber que isso não é verdade? Até realmente examinarmos cada centímetro cúbico do interior da Lua, realmente não temos uma informação verificável experimentalmente, não é mesmo? Então, talvez o agnosticismo na questão da Lua feita de queijo seja justificado (Pegue qualquer informação que temos sobre a Lua; eu te prometo que estará de acordo com a hipótese do queijo).

Obviamente, isso é loucura. Nossa convicção que queijo faz parte de uma fração negligenciável do interior Lua não vem de observação direta, mas da grande incompatibilidade dessa ideia com outras coisas que pensamos saber. Com o que entendemos de rochas, planetas, laticínios e do Sistema Solar, é um absurdo imaginar que a Lua é feita de queijo. Nós sabemos mais do que isso. 

Também "sabemos mais do que isso" em relação à vida após a morte, embora as pessoas são muito relutantes para admitir. Reconhecidamente, evidência "direta" é difícil obter - tudo que temos são algumas lendas e afirmações superficiais feitas por testemunhas não confiáveis que tiveram experiências de quase morte, junto com dosagens elevadas de pensamento desejoso. Mas certamente é adequado considerar a evidência indireta - ou seja, a compatibilidade da ideia de alguma forma de alma individual que sobrevive a morte com outras coisas que sabemos sobre o funcionamento do mundo.

As afirmações de que alguma forma de consciência persiste após nossos corpos morrerem e decaírem nos seus átomos constituintes enfrentam um obstáculo grande e insuperável: as leis da física relacionadas a vida do cotidiano estão completamente entendidas. E não há como essas leis permitirem que a informação armazenada nos nossos cérebros persista após a nossa morte. Se você afirma que alguma forma de alma persiste após a morte, de que partículas essa alma é feita? Quais forças estão mantendo tais partículas juntas? Como essas partículas interagem com a matéria comum?

Tudo o que sabemos sobre a teoria quântica de campos* diz que não há nenhuma resposta sensata para essas perguntas. É claro, tudo que sabemos sobre teoria quântica de campos pode estar errado. A Lua pode ser feita de queijo também.

Entre os defensores da vida após a morte, ninguém nem tenta fazer o trabalho duro de explicar como que a física básica de átomos e elétrons teria de ser alterada para que isso seja verdade. Se tentássemos, o absurdo fundamental da tarefa ficaria evidente bem rápido.

Mesmo que você não acredite que os seres humanos são "simples" coleções de átomos que evoluem e interagem de acordo com as regras impostas pelo Modelo Padrão da física de partículas, a maioria das pessoas admitiriam a contragosto que átomos são partes de quem nós somos. Se realmente não existe nada além de átomos e das leis conhecidas, claramente não há maneira para a alma sobreviver a morte. Acreditar na vida após a morte, colocando de maneira leve, requer uma física que vai além do Modelo Padrão. E mais importante, precisamos de uma maneira para que essa "nova física" interaja com os átomos que possuímos. 

Falando a grosso modo, quando a maioria das pessoas pensa em uma alma imaterial que persiste após a morte, elas tem em mente algum tipo de energia espiritual que reside perto do nosso cérebro e dirige nossos corpos, como uma mãe que dirige um carro utilitário. As questões são estas: que tipo de energia espiritual é essa e como ela interage com nossos átomos comuns? Não é necessária uma nova física apenas, mas uma nova física bem diferente. De acordo com a teoria quântica de campos, uma coleção de "partículas espirituais" e "forças espirituais" que interagem com nossos átomos regulares não podem existir, porque teríamos detectado isso em experimentos existentes. A navalha de Ockham não está do seu lado aqui, já que você teve de postular um aspecto completamente novo da realidade obedecendo regras bem diferentes daquelas que já conhecemos. 

Mas vamos supor que você postule isso. Como a energia espiritual interage conosco? Esta é a equação que nos diz como elétrons interagem com o mundo do dia-a-dia:
Não se preocupe com os detalhes; é o fato da equação existir que importa, não sua forma particular. Essa é a equação de Dirac - os dois termos na esquerda são a velocidade do elétron e sua inércia - ligados com o electromagnetismo e gravidade, os dois termos na direita. 

No que diz respeito a qualquer experimento já feito, essa equação é a correta descrição de como elétrons se comportam nas energias do dia a dia. Não é a descrição completa; não incluí a força nuclear fraca, ou ligações com partículas como o bóson de Higgs. Mas isso não tem problema, já que isso só é importante em altas energias e/ou pequenas distâncias, muito longe da escala relevante para o cérebro humano. 

Se você acredita em uma alma imaterial que interage com nossos corpos, você precisa acreditar que essa equação não está correta, até mesmo nas energias do dia a dia. É necessário um novo termo (no mínimo) na direita, representando como a alma interage com os elétrons. (Se esse termo não existe, elétrons vão continuar no caminho deles como se não existisse alma nenhuma). Então, qualquer cientista respeitável que levou essa ideia a sério estaria perguntando - que forma essa interação tem? É local no espaço-tempo? A alma respeita a invariância de gauge e invariância de Lorentz? A alma tem um [operador] Hamiltoniano? As interações preservam unitaridade e a conservação da informação?  

Ninguém faz essas perguntas em voz alta, possivelmente porque elas soam tão bobas. Quando você começa a fazer tais perguntas, você claramente se depara com uma escolha: ou jogue fora tudo que pensamos ter aprendido de física moderna ou desconfie da mistura de relatos religiosos/testemunhos não confiáveis/pensamento desejoso que faz as pessoas acreditarem na possibilidade da vida após a morte. Não é uma decisão difícil, no que diz respeito à escolha de teoria científica. 

Não escolhemos teorias em um vácuo. Somos permitidos - na verdade, requisitados - a perguntar como que afirmações sobre como o mundo funciona se encaixam no que já sabemos sobre o funcionamento do mundo. Estou falando aqui como um físico de partículas, mas há uma linha de raciocínio análoga da biologia evolucionária. Provavelmente aminoácidos e proteínas não possuem almas que persistem após a morte. E em relação a vírus e bactérias? Onde, na corrente da evolução partindo de nossos ancestrais moleculares até hoje, os organismos deixaram de ser descritos puramente como átomos que interagem através da gravidade e electromagnetismo e desenvolveram uma alma imortal imaterial?   

Não há razão para ser agnóstico com idéias que são radicalmente incompatíveis com tudo o que sabemos de ciência moderna. Quando superarmos qualquer relutância em enfrentar a realidade nessa questão, podemos nos aprofundar em perguntas muito mais interessantes relacionadas ao real funcionamento dos seres humanos e consciência.

Nota do Tradutor:
* Teoria quântica de campos é utilizada para descrever campos de força (e interação entre partículas) nos níveis atômico e subatômico.
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Sean Carroll é físico teórico do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech). Ele é autor dos livros From Eternity to Here e The Particle at the End of the Universe. Visite o blog dele (em inglês) aqui.

3 comentários:

  1. Existem fenómenos inegáveis que designamos paranormais. Esses fenómenos são conhecidos ao longo de toda a historia da humanidade. Evidentemente a explicação desses fenómenos pode não ter nada de paranormal, mas, para negar ou afirmar que não se trata de fenómenos que não se enquadram nos modelos fisico-matematicos, é preciso estuda-los em vez de os ignorar. Trata-se de fenómenos acessíveis e não de elefantes cor de rosa.

    Pim Van Lommel, e a sua equipa de investigadores publicaram um artigo na revista Nature sobre um estudo de casos de quase morte, a qual inclui inquéritos após a recuperação dos pacientes e depois, passados três anos e oito anos. Sugiro a leitura desse artigo para corrigir algumas afirmações que parecem ser pouco rigorosas e revelam falta de conhecimento sobre o assunto. Todavia os fenómenos paranormais não se resumem a casos de quase morte. A leitura de Supernormal, do cientista Dean Radin, PhD, pode esclarecer que existem evidências desses fenómenos, alguns estudados outros não.

    Enfim, a minha contribuição não visa denegrir ou refutar o texto, mas oferecer sugestao de mais linhas de investigação de modo a enriquecer e aprofundar o post acima colocado.

    VS

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  2. Vitor, o texto Física e a Imortalidade foi escrito pelo cosmólogo Sean Carroll; eu apenas fiz a tradução. Eu acredito que o texto tem a intenção de mostrar o seguinte: o que conhecemos da física de particulas não está de acordo com as alegações de vida após a morte, nem de alma. Se almas existem, precisamos descobrir uma nova parte física.

    Diversos fênomenos que são chamados de sobrenaturais ou paranormais: experiências quase-morte, experiências extra-corpóreas, percepção extra-sensorial, telepatia, comunicação com os mortos, etc.
    Conforme você disse, muitos dessas alegações são acessíveis de investigação científica. Eu mencionei esses assuntos brevemente no meu post sobre o livro "Anomalistic Psychology", do psicólogo Christopher French. http://ceticismoeciencia.blogspot.com.br/2015/01/psicologia-anomalistica.html
    A psicologia anomalística, segundo French, "tenta explicar crenças paranomais e relacionadas e ostensivamente experiências paranormais em termos de fatores físicos e psicológicos conhecidos (ou conhecíveis). É voltada a entender experiências bizarras que muitas pessoas têm, sem assumir que há algo paranormal envolvido."

    Acredito que, para qualquer pessoa interessada na investigação criteriosa de fenômenos paranormais ou psicologia, o livro Anomalistic Psycholgy é uma boa leitura. Infelizmente, o livro não tem edição traduzida para o português.
    Obrigado pelo comentário!

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  3. Análise crítica do livro de Dean Radin:
    http://www.csicop.org/si/show/when_big_evidence_isnt_the_statistical_pitfalls_of_dean_radins_supernormal/

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