Tempo Quântico
Doçura é por convenção, amargo é por convenção, quente é por convenção,
frio é por convenção, cor é por convenção; na verdade existem apenas átomos e o
vazio.
Muitas pessoas que passaram pelos cursos de introdução à
física na escola ou faculdade podem não concordar com a afirmação, "a
mecânica Newtoniana faz sentido intuitivo para nós". Elas podem se lembrar
do assunto como um carrossel desconcertante de polias, vetores e planos
inclinados e pensar que o "sentido intuitivo" é a última coisa que a
mecânica newtoniana deve ser acusada de fazer.
Mas, enquanto o processo de
realmente calcular alguma coisa no âmbito da mecânica Newtoniana — seja fazendo
um problema de lição de casa, ou levando astronautas à lua — pode ser
ferozmente complicado, os conceitos subjacentes são bastante simples. O mundo é
feito de coisas tangíveis que podemos observar e reconhecer: bolas de bilhar,
planetas, polias. Essas coisas exercem forças, ou chocam-se umas nas outras, e
seus movimentos mudam em resposta a essas influências. Se o Demônio de Laplace
soubesse todas as posições e momentos de cada partícula do universo, poderia
prever o futuro e o passado com perfeita fidelidade; sabemos que isso está fora
das nossas capacidades, mas podemos imaginar conhecer as posições e momentos de
algumas bolas de bilhar em uma mesa sem atrito, e, pelo menos em princípio,
podemos imaginar fazer o cálculo. Depois disso, é só uma questão de
extrapolação e coragem para abranger todo o universo.
A mecânica Newtoniana é
normalmente referida como a mecânica “clássica” pelos físicos, que querem
enfatizar que não é apenas um conjunto de regras específicas estabelecidas por
Newton. A mecânica clássica é uma maneira de pensar sobre a estrutura profunda
do mundo. Diferentes tipos de coisas — bolas de beisebol, moléculas de gás,
ondas eletromagnéticas — seguem diferentes regras específicas, mas essas regras compartilham o mesmo padrão. A essência desse padrão é que tudo tem algum
tipo de "posição", e algum tipo de "momentum", e
que a informação pode ser usada para prever o que vai acontecer a seguir.
Essa estrutura é repetida em uma
variedade de contextos: a própria teoria da gravitação de Newton, a teoria de
Maxwell do século XIX da eletricidade e magnetismo e a relatividade geral de
Einstein todas se encaixam no quadro clássico. A mecânica clássica não é uma
teoria particular; é um paradigma, uma forma de conceituar o que é uma teoria
física, e que demonstrou uma surpreendente gama de sucesso empírico. Depois que
Newton publicou sua obra-prima em 1687, Philosophiae
Naturalis Principia Mathematica, tornou-se quase impossível imaginar fazer
física de outra maneira. O mundo é feito de coisas, caracterizadas por posições
e momentos, empurradas por determinados conjuntos de forças; o trabalho da
física era classificar os tipos de coisas e descobrir o que as forças eram, e com
isso o trabalho estaria concluído.
Mas agora nós sabemos mais: a mecânica
clássica não está correta. Nas primeiras décadas do século XX, os físicos
tentaram entender o comportamento da matéria em escalas microscópicas e foram
gradualmente forçados a concluir que as regras teriam de ser derrubadas e
substituídas por outra coisa. Essa outra coisa é a mecânica quântica, provavelmente o maior triunfo da inteligência
humana e da imaginação de toda a história. A mecânica quântica oferece uma
imagem de mundo radicalmente diferente daquela da mecânica clássica, algo
que os cientistas nunca teriam seriamente contemplado se os dados experimentais
tivessem deixado alguma escolha. Hoje, a mecânica quântica goza do estatuto que
a mecânica clássica tinha no início do século XX: passou por uma variedade
de testes empíricos e a maioria dos pesquisadores está convencida de que as definitivas
leis da física são quânticas em sua natureza.
Mas, apesar de seus triunfos, a
mecânica quântica permanece um tanto misteriosa. Os físicos são completamente
confiantes em como eles usam a
mecânica quântica — eles podem construir teorias, fazer previsões e testes
contra experimentos sem haver qualquer ambigüidade ao longo do caminho. E, no
entanto, não estamos completamente certos de que sabemos o que a mecânica
quântica realmente é. Há um campo
respeitável de esforço intelectual, ocupando o tempo de um número substancial
de cientistas e filósofos talentosos, que recebe o nome de "interpretações
da mecânica quântica". Um século atrás, não havia um campo tal como
"interpretações da mecânica clássica" — a mecânica clássica é
perfeitamente fácil de interpretar. Nós ainda não temos certeza de qual é a
melhor maneira de pensar e falar sobre a mecânica quântica.
Essa ansiedade de interpretação decorre da única
diferença básica entre a mecânica quântica e a mecânica clássica, que é, ao
mesmo tempo, simples e tremendamente profunda em suas implicações:
De
acordo com a mecânica quântica, o que podemos observar sobre o mundo é apenas um pequeno subconjunto do que
realmente existe.
As tentativas de explicar esse princípio muitas vezes o
diluem de tal maneira que se torna irreconhecível. “É como aquele seu amigo que tem um sorriso muito
bonito, exceto quando você tentar tirar a sua foto, o sorriso sempre
desaparece”. A mecânica quântica é muito mais profunda do que isso.
No mundo clássico, pode ser difícil obter uma medida precisa de alguma
quantidade; temos de ter muito cuidado para não perturbar o sistema que estamos
olhando. Mas não há nada na física clássica que nos impeça de ser cuidadosos.
Na mecânica quântica, por outro lado, existe um obstáculo intransponível para
fazer observações completas e não perturbadoras de um sistema físico. Isso simplesmente
não pode ser feito, em geral. O que exatamente acontece quando você tenta
observar alguma coisa, e o que realmente conta como uma “medição” — esses são o
lócus do mistério. Isso é o que é proveitosamente conhecido como o “problema da
medição”, tanto quanto um automóvel cair de um penhasco e quebrar em pedaços
nas rochas centenas de pés abaixo pode ser conhecido como “o problema com o
carro”. Teorias físicas bem sucedidas, supostamente, não deveriam ter ambiguidades
como essa; a primeira coisa que se pergunta sobre as teorias é se elas são
claramente definidas. A mecânica quântica, apesar de todos os seus êxitos
inegáveis, não chegou lá ainda.
Nada disso deve ser levado com
tanta preocupação, num sentido que todo o inferno está a solta ou que os
mistérios da mecânica quântica oferecem uma desculpa para acreditar no que você
quiser. Em particular, a mecânica quântica não significa que você pode mudar a
realidade apenas pensando sobre isso, ou que a física moderna redescobriu
alguma antiga sabedoria budista[ii]. Há ainda regras, e nós
sabemos como as regras operam nos regimes de interesse para nossa vida
cotidiana. Mas nós gostaríamos de compreender como as regras operam em todas as
situações concebíveis.
A maioria dos físicos modernos
lida com os problemas de interpretação da mecânica quântica por meio da
estratégia milenar de "negação". Eles sabem como as regras funcionam
em casos de interesse, eles podem colocar a mecânica quântica para trabalhar em
circunstâncias específicas e alcançar um incrível acordo com o experimento, mas
eles não querem ser incomodados com perguntas irritantes sobre todos os meios,
ou se a teoria está perfeitamente bem definida. Para os nossos propósitos neste
livro, muitas vezes será uma boa estratégia. O problema da seta do tempo estava
lá, disponível para Boltzmann e seus colaboradores, antes da mecânica quântica
ser inventada; podemos ir muito longe falando sobre entropia e cosmologia sem
nos preocupar com os detalhes da mecânica quântica.
Em algum momento, no entanto,
precisamos encarar o problema. A seta do tempo é, afinal, um quebra-cabeça
fundamental, e é possível que a mecânica quântica desempenhe um papel crucial
na resolução desse quebra-cabeça. E há outra coisa de interesse mais direto:
Esse processo de medição, onde todas as confusões de interpretação da mecânica
quântica podem ser encontradas, têm a propriedade notável de ser irreversível. Sozinha entre todas as
leis bem aceitas da física, a medição quântica é um processo que define a seta
do tempo: uma vez que você fizer isso, você não pode desfazer. E isso é um
mistério.
É muito possível que essa
misteriosa irreversibilidade seja precisamente o mesmo personagem que a
misteriosa irreversibilidade na termodinâmica, conforme codificado na Segunda
Lei: é uma consequência de fazer aproximações e jogar fora informação, mesmo
que os processos profundos subjacentes sejam todos individualmente reversíveis.
Defenderei esse ponto de vista neste capítulo. Mas o assunto permanece
controverso entre os especialistas. A única coisa certa é que nós temos que
enfrentar o problema da medição, se estivermos interessados na seta do tempo.
O gato quântico
Graças ao estiloso experimento mental de Erwin
Schrödinger, tornou-se tradicional em discussões sobre mecânica quântica usar
gatos como exemplos [iii].
O gato de Schrödinger foi proposto para ajudar a ilustrar as dificuldades
envolvidas no problema de medição, mas vamos iniciar com os recursos básicos da
teoria antes de mergulhar nas sutilezas. E nenhum animal será prejudicado em
nossos experimentos mentais.
Imagine que a sua gata, Senhora
Gatinha, tem dois lugares favoritos em sua casa: o sofá e sob a mesa da sala de
jantar. No mundo real, há um número infinito de posições no espaço que poderiam
especificar a localização de um objeto físico, como um gato; Da mesma forma, há
um número infinito de momentos, mesmo se o seu gato tender a não se mover muito
rápido. Nós vamos simplificar as coisas de forma dramática, a fim de chegar ao
coração da mecânica quântica. Então, vamos imaginar que podemos especificar
completamente o estado da Senhora Gatinha – como seria descrita na mecânica
clássica — dizendo se ela está no sofá ou debaixo da mesa. Estaremos jogando
fora qualquer informação sobre a sua velocidade, ou qualquer conhecimento de que
parte exatamente do sofá ela está, e estaremos desconsiderando quaisquer
posições possíveis que não são "sofá" ou "mesa". Do ponto
de vista clássico, estamos simplificando a Senhora Gatinha para um sistema de dois
estados. (Sistemas de dois estados realmente existem no mundo real, por
exemplo, o giro de um elétron ou fóton pode apontar para cima ou para baixo, o estado quântico de um sistema de dois estados é descrito por um “qubit”).
Aqui está a primeira grande
diferença entre a mecânica quântica e a mecânica clássica: "A localização da
gata". Na mecânica quântica, não existe tal coisa como na mecânica
clássica, ou seja, pode acontecer que não saibamos onde a Senhora Gatinha está
e, portanto, podemos acabar dizendo coisas como: "Eu acho que há uma
chance de 75 por cento que ela esteja debaixo da mesa". Mas isso é uma
afirmação sobre nossa ignorância, e não sobre o mundo; há realmente um fato
sobre onde a gata está, quer saibamos ou não.
Na mecânica quântica, não há
nenhum fato sobre onde a Senhora Gatinha (ou qualquer outra coisa) está
localizada. O espaço de estados na mecânica quântica simplesmente não funciona
dessa forma. Em vez disso, os estados são especificados por algo chamado de função de onda. E a função de onda não
diz coisas como "o gato está no sofá" ou "o gato está debaixo da
mesa". Em vez disso, ela diz coisas como "se estivéssemos olhando,
haveria uma chance de 75 por cento que nós iríamos encontrar o gato debaixo da
mesa, e uma chance de 25 por cento que iríamos encontrar o gato no sofá".
Essa distinção entre
"conhecimento incompleto" e "indeterminação quântica
intrínseca" vale a pena ser detalhada. Se a função de onda nos diz que há
uma chance de 75 por cento de observar a gata debaixo da mesa e uma chance de
25 por cento de observá-la no sofá, isso não significa que há realmente uma
chance de 75 por cento da gata estar debaixo da mesa e uma chance de 25 por
cento de estar no sofá. Não existe tal coisa como "onde a gata está".
Seu estado quântico é descrito por uma superposição das duas possibilidades
distintas que teríamos na mecânica clássica. Não é o mesmo que "são ambas
verdadeiras ao mesmo tempo"; é que não há um "verdadeiro" lugar
onde a gata está. A função de onda é a melhor descrição que temos da realidade da
gata.
Está claro por que isso é difícil
de aceitar à primeira vista. Para ser franco, o mundo não se parece nada com
isso. Vemos gatos e planetas e até mesmo elétrons em posições particulares,
quando olhamos para eles, não em superposições de diferentes possibilidades
descritas por funções de onda. Mas essa é a verdadeira magia da mecânica
quântica: o que vemos não é o que há. A função de onda realmente existe, mas
nós não a vemos quando olhamos; vemos as coisas como se estivessem em uma
particular configuração clássica comum.
Nada além da física clássica é
mais do que suficiente para jogar basquete ou pôr satélites em órbita. A
mecânica quântica possui um "limite clássico" em que os objetos se
comportam da mesma maneira caso Newton estivesse certo o tempo todo, e o limite
inclui todas as nossas experiências diárias. Para objetos, tais como gatos que
são macroscópicos em tamanho, nós nunca iremos encontrá-los em superposições de
forma "75 por cento aqui, 25 por cento lá"; é sempre "99.9999999
por cento (ou muito mais) aqui, 0,0000001 por cento (ou muito menos) lá".
A mecânica clássica é uma aproximação à forma como o mundo macroscópico opera,
mas uma aproximação muito boa. O mundo real é executado pelas regras da
mecânica quântica, mas a mecânica clássica é mais do que suficiente para nos
levar através da vida cotidiana. É somente quando começamos a considerar os
átomos e as partículas elementares que as consequências da mecânica quântica
simplesmente não podem ser evitadas.
Como as funções de onda funcionam
Você pode se perguntar como sabemos que algo disso é
verdade. Qual é a diferença, afinal, entre "há uma chance de 75 por cento
de observar o gato debaixo da mesa" e "há uma chance de 75 por cento
da gata estar debaixo da mesa"? Parece difícil imaginar um experimento que
possa distinguir entre essas possibilidades, a única maneira que sabermos onde
está seria olhando para ela, afinal. Mas há um fenômeno extremamente importante
que mostra a diferença, conhecido como interferência quântica. Para entender o
que isso significa, temos que fazer um sacrifício e cavar um pouco mais
profundamente na forma funções de onda realmente funcionam.
Na mecânica clássica, o estado de
uma partícula é uma especificação da sua posição e sua dinâmica, onde podemos
pensar nesse estado, conforme especificado por um conjunto de números. Para uma
partícula no espaço tridimensional comum, existem seis números: a posição em
cada uma das três direções, e o impulso em cada uma das três direções. Na
mecânica quântica, o estado é especificado por uma função de onda, que também
pode ser considerada como uma série de números. O trabalho desses números é nos
dizer, para qualquer observação ou medição que poderíamos nos imaginar fazendo,
a probabilidade de obter um determinado resultado. Então você pode,
naturalmente, achar que os números que precisamos são apenas as próprias
probabilidades: a chance da Senhora Gatinha ser observada no sofá, a chance de
que ela vai ser observada sob a mesa, e assim por diante.
Como veremos, não é assim que a
realidade opera. Funções de onda são realmente como ondas: a típica função de
onda oscila através do espaço e do tempo, bem como uma onda na superfície de
uma lagoa. Isso não é tão óbvio em nosso exemplo simples, onde existem apenas
dois possíveis resultados observacionais: "no sofá" ou "debaixo
da mesa". Mas isso torna-se mais claro quando consideramos observações com
contínuos resultados possíveis, como a posição de um gato real em uma sala
real. A função de onda é como uma onda em uma lagoa, exceto que é uma onda
sobre o espaço de todos os resultados possíveis de uma observação — por
exemplo, todas as posições possíveis em um quarto.
Quando vemos uma onda em uma
lagoa, o nível da água não fica inteiramente mais elevado do que se a lagoa estivesse inalterada; às vezes a água sobe, e às vezes ela desce. Se
fôssemos descrever a onda matematicamente, para cada ponto na lagoa, devemos
associar a uma amplitude – a altura em que a água foi deslocada – e essa
amplitude às vezes seria positiva e às vezes seria negativa. As funções de onda
na mecânica quântica funcionam da mesma maneira. Para cada resultado possível
de uma observação, a função de onda atribui um número, o que chamamos de
amplitude, e que pode ser positivo ou negativo. A função de onda completa é
composta de uma amplitude particular para cada resultado observacional
possível; esses são os números que especificam o estado na mecânica quântica,
assim como as posições e momentos especificam o estado na mecânica clássica. Há
uma amplitude da Senhora Gatinha estar debaixo da mesa, e outra que ela está no
sofá.
Há apenas um problema com tal
organização: o que nos importa são probabilidades, e a probabilidade de algo
acontecer nunca é um número negativo. Por isso, não pode ser verdade que a
amplitude associada a um determinado resultado observacional é igual a probabilidade
de obter esse resultado e, em vez disso, deve haver uma forma de calcular a
probabilidade de se saber o que a amplitude é. Felizmente, o cálculo é muito
fácil! Para chegar à probabilidade, você eleva a amplitude ao quadrado.
(probabilidade
de observar X) = (amplitude atribuída a X)2.
Então, se a função de onda da
Senhora Gatinha atribui uma amplitude de 0,5 a possibilidade de observarmos ela
no sofá, a probabilidade de que a veremos é: (0,5)2 = 0,25, ou 25
por cento. Mas, fundamentalmente, a amplitude também poderia ser -0,5 , e
gostaríamos de obter exatamente a mesma resposta: (-0,5)2 = 0,25. Isso
pode parecer um inútil pedaço de redundância em duas amplitudes diferentes
correspondendo a mesma situação, mas desempenha um papel fundamental na forma
como os estados evoluem na mecânica quântica.[iv]
Interferência
Agora que sabemos que as funções de onda podem atribuir
amplitudes negativas para possíveis resultados de observações, podemos voltar à
questão de por que sempre precisamos falar sobre funções de onda e
superposições, em primeiro lugar, ao invés de apenas atribuir probabilidades a
diferentes resultados diretamente. A razão é a interferência, e esses números
negativos são cruciais para a compreensão da forma como a interferência ocorre —
nós podemos adicionar duas amplitudes (não nulas) juntas e obter zero, o que
não poderíamos fazer se as amplitudes nunca fossem negativas.
Para ver como isso funciona,
vamos complicar o nosso modelo de dinâmica de felinos apenas um pouco. Imagine
que vemos a Senhora Gatinha saindo do quarto do segundo andar. De nossas
observações anteriores de seus passeios pela casa, sabemos um pouco como essa gata
quântica opera. Sabemos que, uma vez que ela se instala no andar de baixo, ela
vai inevitavelmente terminar ou no sofá ou debaixo da mesa, em nenhum outro
lugar. (Isso é, seu estado final é uma função de onda descrevendo uma
superposição de estar no sofá e estar debaixo da mesa). Mas vamos dizer que nós
também sabemos que ela tem duas rotas possíveis para sair da cama do andar de
cima para qualquer lugar do andar de baixo que ela escolher descansar: ela ou
vai parar na sua tigela de comida para comer ou no seu arranhador para afiar suas garras. No mundo real,
todas essas possibilidades são adequadamente descritas pela mecânica clássica,
mas no nosso mundo idealizado do experimento mental imaginamos que os efeitos
quânticos desempenham um papel importante.
Agora vamos ver o que realmente
observamos. Nós vamos fazer a experiência de duas maneiras separadas. Em
primeiro lugar, quando vemos a Senhora Gatinha começando no andar de baixo,
podemos muito calmamente esgueirar-nos por trás dela para ver qual o caminho
que ela irá tomar, seja para a tigela de comida ou o arranhador. Ela realmente
tem uma função de onda descrevendo uma superposição de ambas as possibilidades,
mas quando fazemos uma observação, sempre encontramos um resultado definitivo.
Nós somos tão tranquilos quanto possível, de modo que não a perturbamos; se
você quiser, podemos imaginar que colocamos câmeras espiãs ou sensores a laser.
A tecnologia utilizada para descobrir se ela vai na tigela ou no arranhador é
completamente irrelevante; o que importa é que a observamos.
Observamos a gata visitando a
tigela exatamente na metade das vezes, e o arranhador exatamente metade das vezes.
(Assumimos que ela visita um ou o outro, mas nunca ambos, apenas para manter
que as coisas sejam tão simples quanto possível). Qualquer observação em
particular não revela a função de onda, é claro; ela só pode nos dizer que
observamos a gata parada no arranhador ou na tigela naquele determinado tempo.
Mas imagine que nós fazemos essa experiência um número muito grande de vezes,
para que possamos ter uma ideia confiável de quais são as probabilidades.
Mas não paramos por aí. Em
seguida, deixamos a gata continuar para o
sofá ou mesa, e depois que ela tiver tempo para fazer a sua parada, olhamos
novamente para ver em que lugar ela termina. Mais uma vez, fazemos a
experiência tantas vezes que podemos descobrir as probabilidades. O que encontramos
agora é que não importa se ela parou no arranhador, ou em sua tigela de comida;
em ambos os casos, observamos ela terminar no sofá exatamente na metade das vezes,
e debaixo da mesa exatamente na metade das vezes, de forma completamente
independente se ela antes visitou a tigela ou o arranhador. Aparentemente, o
passo intermediário ao longo do caminho não importa muito; não importa qual
alternativa observou-se ao longo do caminho, a função de onda final atribui
igual probabilidade para o sofá e a mesa.
Em seguida, vem a parte
divertida. Desta vez, nós simplesmente optamos por não observar o passo
intermediário da Senhora Gatinha ao longo de sua viagem; nós não controlamos se
ela para no arranhador ou na tigela de comida. Nós apenas esperamos até que ela
esteja parada no sofá ou debaixo da mesa, e olhamos para onde ela está,
reconstruindo as probabilidades finais atribuídas pelas funções de onda. O que
esperamos encontrar?
Em um mundo regido pela mecânica
clássica, sabemos o que devemos ver. Quando fizemos a nossa espionagem sobre
ela, tivemos o cuidado de que nossas observações não iriam afetar o
comportamento da Senhora Gatinha, e na metade
das vezes encontramos ela no sofá e na metade das vezes debaixo da mesa, não
importa o caminho que ela percorreu. Obviamente, mesmo que não observamos o que
ela faz ao longo do caminho, não devemos nos importar — em ambos os casos terminamos
com probabilidades iguais para a etapa final, e por isso, mesmo se não
observarmos o estágio intermediário, devemos ainda acabar com probabilidades
iguais.
Mas isso não ocorre.. Isso não é
o que vemos, nesse mundo idealizado do nosso experimento mental, onde a nossa
gata é um objeto verdadeiramente quântico. O que vemos, quando optamos por não
observar se ela vai para a tigela de alimento ou arranhador, é que ela termina
no sofá 100 por cento do tempo! Nós nunca a encontramos debaixo da mesa — a
função de onda final atribui uma amplitude zero para tal possível resultado.
Aparentemente, se tudo isso é para ser acreditado, a própria presença das
nossas câmeras de espionagem mudaram a sua função de onda, de alguma forma
dramática. As possibilidades estão resumidas na tabela.
Qual caminho nós
vemos a Senhora Gatinha tomar
|
Probabilidades
Finais
|
Arranhador
|
50% Sofá, 50%
Mesa
|
Tigela de comida
|
50% Sofá, 50% Mesa
|
Nós não vimos
|
100% Sofá, 0%
Mesa
|
Esse não
é apenas um experimento mental; esse experimento foi realizado. Não com gatos
reais, que são inequivocamente macroscópicos e bem descritos pelo limite
clássico; mas com fótons individuais, no que é conhecido como a “experiência da
dupla fenda”. Um fóton passa por duas fendas possíveis e se não olharmos em
qual fenda ele atravessa, temos uma função de onda final; mas se o fizermos,
temos uma outra completamente diferente, não importa o quão discreto nossas
medições forem.
Figura 57: Evoluções alternativas para a função de
onda da Senhora Gatinha. No topo, observamos sua parada no arranhador, depois
ela pode ir ou para mesa ou para o sofá, ambos com amplitude positiva. No meio,
observamos a gata ir para a tigela de comida, depois ela pode ir ou para a mesa
ou para o sofá, mas dessa vez a tabela tem uma amplitude negativa (ainda com
uma probabilidade positiva). No canto inferior, não observamos sua jornada
intermediária, por isso, adiciona-se as amplitudes duas possibilidades. Terminamos
com uma amplitude zero para a tabela (uma vez que as contribuições positivas e
negativas cancelam-se) e a amplitude positiva para o sofá.
Veja como explicar o que está acontecendo. Vamos imaginar
que nós observamos se a Senhora Gatinha para na tigela ou no arranhador, e nós a
vemos parada no arranhador. Depois que ela faz isso, ela evolui para uma
superposição de estar no sofá e estar debaixo da mesa, com igual probabilidade.
Em particular, devido a detalhes na condição inicial da Senhora Gatinha e
certos aspectos da dinâmica quântica felina, a função de onda final atribui
amplitudes positivas iguais para a
possibilidade do sofá e da mesa. Agora vamos considerar a outra etapa
intermediária, que nós a vemos parada na tigela de comida. Nesse caso, a função
de onda final atribui uma amplitude negativa para a mesa, e uma positiva para o
sofá — números iguais, mas com sinais opostos, de modo que as probabilidades sejam
exatamente as mesmas.[v]
Mas se nós não a observarmos na
junção arranhador/tigela de comida, em seguida, (pelas luzes da nossa
experiência mental) ela estará em uma superposição das duas possibilidades nesse
passo intermediário. Nesse caso, as regras da mecânica quântica nos instruem
para adicionar as duas possíveis contribuições para a função de onda – uma do
percurso onde ela parou no arranhador, e uma da tigela do alimento. Em ambos os
casos, as amplitudes para acabar no sofá eram números positivos, para que elas
se reforçassem mutuamente. Mas as amplitudes para acabar debaixo da mesa eram
opostas para os dois casos intermediários - ao serem adicionadas juntas, elas
precisamente se cancelaram. Individualmente, os dois possíveis caminhos
intermediários da Senhora Gatinha nos deixaram com uma probabilidade diferente
de zero para ela acabar debaixo da mesa; mas quando ambos os caminhos eram permitidos
(porque não observamos qual ela percorreu), as duas amplitudes interferiram.
É por isso que a função de onda precisa
incluir números negativos, e é assim que nós sabemos que a função de onda é “real”,
não apenas um dispositivo de contabilidade para manter o controle de
probabilidades. Temos um caso explícito de onde as probabilidades individuais
teriam sido positivas, mas a função de onda final recebeu contribuições de duas
etapas intermediárias, o que acabou cancelando-se mutuamente.
Vamos recuperar o fôlego para
apreciar o quão profundo isto é, do nosso preconceituoso ponto de vista treinado
classicamente. Para qualquer instanciação particular do experimento, somos
tentados a perguntar: será que a Senhora Gatinha irá parar na tigela de comida;
ou no arranhador? A única resposta aceitável é: não. Ela não faz nenhum dos
dois. Ela estava em uma superposição de ambas as possibilidades, o que sabemos
porque ambas as possibilidades deram contribuições cruciais para a amplitude da
resposta final.
Gatos reais são objetos
macroscópicos complicados que consistem em um grande número de moléculas, e as
suas funções de onda tendem a estar muito fortemente concentradas em torno de
algo que se assemelha a nossa noção clássica de uma “posição no espaço”. Mas no
nível microscópico, toda essa conversa de funções de ondas, superposições e interferência torna-se
descaradamente demonstrável. A mecânica quântica nos parece estranha, mas é a
forma como a natureza funciona.
O colapso da função de onda
O que tende a incomodar as pessoas nessa discussão — por
uma boa razão — é o papel crucial desempenhado pela observação. Quando
observamos o que a gata estava fazendo na sua bifurcação arranhador/tigela de
comida, nós obtivemos uma resposta para o estado final; quando não observamos,
obtivemos uma resposta bem diferente. Não é assim que a física deveria
funcionar; o mundo deveria evoluir de acordo com as leis da natureza,
independente se estamos observando ou não. O que conta como uma “observação”,
afinal? Se configurássemos câmeras de monitoramento ao longo do percurso, mas
nunca olhássemos para os vídeos? Isso contaria como observação? (Sim,
contaria). E o que exatamente aconteceu quando fizemos a nossa observação?
Essas são perguntas importantes e
as respostas não estão totalmente claras. Não há consenso na comunidade física
o que realmente constitui uma observação (ou "medição") na mecânica quântica,
nem o que acontece quando uma observação é feita. Esse é o problema da medição
e é o foco principal de pessoas que gastam seu tempo pensando nas
interpretações da mecânica quântica. Há tantas interpretações no mercado, e
vamos discutir duas: a figura mais ou menos padrão, conhecida como “interpretação
de Copenhague”, e uma visão que parece (para mim) um pouco mais respeitável e
provável de conformar-se a realidade, que recebe o proibido nome de “interpretação
de muitos mundos”. Vamos dar uma olhada na interpretação de Copenhague primeiro.[vi]
A interpretação de Copenhague é
assim chamada porque Niels Bohr, que em muitas maneiras foi o padrinho da
mecânica quântica, ajudou a desenvolvê-la no seu instituto em Copenhague na
década de 1920. A história verdadeira dessa perspectiva é complicada e certamente
envolve grandes contribuições de Werner Heisenberg, outro pioneiro da mecânica quântica.
Mas, para os nossos propósitos atuais, a história é menos crucial do que o status
da visão de Copenhague, consagrada nos livros-texto como a figura padrão. Todo físico
aprende essa interpretação primeiro e então contempla alternativas (ou escolhe
nao fazer isso, como pode ser o caso).
A interpretação de Copenhague é
tão fácil apresentar quanto difícil de engolir: quando um sistema quântico está
sujeito a uma medição, a sua função de onda colapsa.
Isso é, a função de onda instantaneamente muda da descrição de uma superposição
com vários resultados observacionais possíveis para uma função de onda
completamente diferente, que atribui 100 por cento de probabilidade para o
resultado que foi medido, 0 por cento para o restante. Esse tipo de função de
onda, concentrada inteiramente em único resultado observacional, é conhecido
como auto-estado (eigenstate). Uma
vez que o sistema está nesse auto-estado, você pode continuar fazendo o mesmo
tipo de observação e você sempre vai obter a mesma resposta (a não ser que
alguma coisa tire o sistema do auto-estado e o coloque em outra superposição). Não podemos dizer com certeza qual auto-estado
o sistema terá quando uma observação for feita; é um processo inerentemente
estocástico e o melhor que podemos fazer é atribuir uma probabilidade a
resultados diferentes.
Podemos aplicar essa ideia para a
história da Senhora Gatinha. De acordo com a interpretação de Copenhague, a
nossa escolha de observar se a Senhora Gatinha parou na tigela de comida ou no arranhador
teve um efeito dramático sobre a sua função de onda, não importa quão
sorrateiros fomos na nossa observação. Quando nós não olhamos, ela estava em
uma superposição das duas possibilidades, com igual amplitude; quando ela em
seguida mudou-se para o sofá ou para a mesa, somadas as contribuições de cada
um dos passos intermediários, descobrimos que não havia interferência. Mas se
nós escolhermos observá-la ao longo do caminho, nós colapsaremos sua função de
onda. Se a observarmos parada no arranhador, uma vez que a observação foi
feita, ela estava em um estado que já não era uma superposição, ela tinha 100
por cento de chance de estar no arranhador e 0 por cento na tigela de comida. Igualmente,
se a vermos parada na tigela de comida, só que com as amplitudes invertidas. Em
ambos os casos, não havia mais nada para interferir, e sua função de onda
evoluiu para um estado que deu iguais probabilidades da gata acabar no sofá ou
debaixo da mesa [vii].
Há boas e más notícias sobre essa
história. A boa notícia é que ela se ajusta aos dados. Se imaginarmos o colapso
das funções de onda cada vez que fizemos uma observação, não importa quão
discreto nossa estratégia observacional seja — e que elas acabam em auto-estados que atribuem 100 por cento de
probabilidade para o resultado observado, contabilizamos com sucesso por todos
os vários fenômenos quânticos físicos conhecidos.
A má notícia é que esta história
mal faz sentido. O que conta como uma "observação"? Poderia a própria
gata ou um ser não-vivo fazerem uma observação? Certamente não queremos sugerir
que o fenômeno da consciência, de alguma forma, desempenha um papel crucial nas
leis fundamentais da física? (Não, nós não sugerimos isso). E será que o
suposto colapso realmente acontece instantaneamente, ou é gradual, mas apenas
muito rápido?
Irreversibilidade
No
fundo, a única coisa que erramos sobre a interpretação de Copenhague da
mecânica quântica é que ela trata “observar” como um tipo completamente
diferente de fenômeno natural, o que requer uma lei separada da natureza. Na
mecânica clássica, tudo o que acontece pode ser explicado por sistemas de
evolução de acordo com as leis de Newton. Mas se interpretarmos o colapso da
função de onda ao pé da letra, um sistema descrito pela mecânica quântica
evolui de acordo com dois tipos completamente distintos de regras:
1. Quando
não estamos olhando, uma função de onda evolui de forma harmoniosa e
previsível. O papel que as leis de Newton desempenham na mecânica clássica é
substituído pela equação de Schrödinger
na mecânica quântica, que opera de uma forma precisamente análoga. Dado o
estado do sistema em qualquer momento, pode-se utilizar a equação de
Schrödinger para evoluir o sistema de forma confiável para o futuro e o
passado. A evolução conserva informações, e é completamente reversível.
2. Quando
observamos uma função de onda, ela colapsa. O colapso não é suave, nem
perfeitamente previsível, e a informação não é conservada. A amplitude (ao quadrado)
associada com qualquer resultado particular nos diz a probabilidade de que a
função de onda entrará em colapso para um estado que está concentrado
inteiramente nesse resultado. Duas funções de onda diferentes podem muito
facilmente colapsar para o mesmo estado depois de uma observação ser feita; portanto,
o colapso da função de onda não é reversível.
Loucura!
Mas funciona. A interpretação de Copenhague leva conceitos que parecem ser nada
mais do que aproximações úteis para alguma verdade subjacente mais profunda- distinguindo
entre um “sistema” que é verdadeiramente quântico e um “observador” que é essencialmente
clássico — e imagina que essas categorias desempenham um papel crucial na
arquitetura fundamental da realidade. A maioria dos físicos, mesmo aqueles que
usam a mecânica quântica todos os dias em sua pesquisa, se dão muito bem ao
falar a língua da interpretação de Copenhague, e escolhem não se preocupar com
os quebra-cabeças que ela apresenta. Outros, especialmente aqueles que pensam
cuidadosamente sobre os fundamentos da mecânica quântica, estão convencidos de
que temos de fazer melhor. Infelizmente, não há um forte consenso no momento
sobre qual possa ser esse melhor entendimento.
Para muitas pessoas, a quebra da
previsibilidade perfeita é uma característica preocupante da mecânica quântica.
(Einstein, entre eles, na qual se origina a sua queixa de que “Deus não joga
dados com o universo”). Se a interpretação de Copenhague está certa, não
poderia haver tal coisa como Demônio de Laplace em um mundo quântico; pelo
menos, não se esse mundo contivesse observadores. O ato de observar introduz um
elemento verdadeiramente aleatório para a evolução do mundo. Não totalmente aleatório — uma função de
onda pode atribuir uma probabilidade muito alta de observar uma coisa, e uma
probabilidade muito baixa de observar outra coisa. Mas é irredutivelmente aleatória, no sentido de que não há nenhum pedaço de
informação faltando que permitiria prever resultados com certeza, caso pudéssemos
ter tal informação em nossas mãos [viii]. Parte da glória da
mecânica clássica tinha sido sua precisa confiabilidade — mesmo se o Demônio de
Laplace realmente não existir, nós sabíamos que ele poderia existir em
princípio. A mecânica quântica destrói essa esperança. Demorou muito tempo para
as pessoas se acostumarem com a ideia de que a probabilidade entra nas leis da
física de alguma forma fundamental, e muitos ainda estão incomodados pelo
conceito.
Uma das nossas perguntas sobre a
seta do tempo é como podemos conciliar a irreversibilidade dos sistemas
macroscópicos descritos pela mecânica estatística com a aparente
reversibilidade das leis microscópicas da física. Mas agora, de acordo com a
mecânica quântica, parece que as leis microscópicas da física não são
necessariamente reversíveis. O colapso da função de onda é um processo que
introduz uma seta intrínseca do tempo nas leis da física: as funções de onda
colapsam, mas elas não descolapsam. Se observarmos a Senhora Gatinha e ver que
ela está no sofá, nós sabemos que ela está em um auto-estado (100 por cento no sofá), logo após
fazermos a medição. Mas não sabemos em que estado ela estava antes de fazermos
a medição. Essa informação, aparentemente, foi destruída. Tudo o que sabemos é
que a função de onda deve ter tido alguma amplitude diferente de zero para a gata estar no sofá, mas não sabemos quanto, ou qual a amplitude para quaisquer
outras possibilidades poderia ter sido.
Assim, o colapso da função de
onda — se, de fato, esse é o caminho certo de pensar sobre a mecânica quântica —
define uma seta intrínseca do tempo. Pode isso ser usado para explicar de
alguma forma “a” seta do tempo, a seta termodinâmica que aparece na Segunda Lei
e a qual temos culpado pelas várias diferenças macroscópicas entre o passado e
o futuro?
Provavelmente não. Embora a
irreversibilidade seja uma característica fundamental da seta do tempo, nem
todas as irreversibilidades são criadas iguais. É muito difícil ver como o
fato de que funções de onda colapsam pode, por si só, explicar a Hipótese do
Passado. Lembre-se, não é difícil entender por que a entropia aumenta; o que é
difícil de entender é porque ela sempre foi baixa, para começar. O colapso da
função de onda não parece oferecer qualquer ajuda direta para esse problema.
Por outro lado, a mecânica
quântica é muito provável que desempenhe algum papel na explicação definitiva,
mesmo que a irreversibilidade intrínseca do colapso da função de onda não
resolva diretamente o problema por si só. Afinal de contas, acreditamos que as
leis da física são fundamentalmente quânticas mecanicamente em seu cerne. É a
mecânica quântica que define as regras e nos diz o que é e não é permitido no
mundo. É perfeitamente natural esperar que essas regras entrem em jogo quando
finalmente começarmos a entender por que nosso universo teve uma entropia tão
baixa perto do Big Bang. Nós não sabemos exatamente onde esta jornada está nos
levando, mas nós somos espertos o suficiente para prever que certas ferramentas
serão úteis ao longo do caminho.
Incerteza
Nossa discussão das funções de onda tem ignorado
uma propriedade crucial. Dissemos que as funções de onda atribuem uma amplitude
para qualquer resultado de uma observação que podemos imaginar fazer. No nosso
experimento de pensamento, nos restringimos a apenas um tipo de observação — a localização da gata —
e apenas a dois possíveis resultados ao mesmo tempo. Um gato real, uma partícula
elementar, um ovo ou qualquer outro objeto possui um número infinito de
possíveis posições e a função de onda relevante em cada caso atribui uma
amplitude para cada possibilidade.
Mais importante, entretanto, é que podemos
observar coisas além de posições. Relembrando a nossa experiência com a mecânica
clássica, podemos observar o momento em vez da posição da nossa gata. E isso é
perfeitamente possível; o estado da gata é descrito por uma função de onda que
atribui uma amplitude para cada momento que possamos imaginar medir. Ao
mensurar e obter uma resposta, a função de onda colapsa em um “auto-estado de momento”,
onde o novo estado atribui uma amplitude diferente de zero apenas para o
momento específico que realmente foi observado.
Mas, se isso for verdade, você pode pensar:
o que nos impede de colocar a gata em um estado onde tanto a posição quanto o
momento são determinados exatamente, de uma forma equivalente a um estado
clássico? Em outras palavras, por que não podemos pegar um gato com uma função
de onda arbitrária, observarmos a sua posição para que a onda colapse em um
valor definido, e então observarmos seu momento para que a função de onda
colapse para um valor definido? Deveríamos ficar com algo completamente
determinado, sem nenhum pingo de incerteza.
A resposta é que não há funções de
onda simultaneamente concentradas em um único valor de posição e também em um
único valor de momento. Na verdade, a esperança por um estado como esse é
bastante frustrante: se a função da onda estiver concentrada em único valor de
posição, a amplitude para diferentes momentos estará tão distribuída quanto
possível entre todas as possibilidades. E vice versa: se a função de onda
estiver concentrada em um único momento, ela estará amplamente distribuída
entre todas as posições. Então,
se observarmos a posição de um objeto, perdemos qualquer conhecimento sobre
qual é o seu momento, e vice versa [ix].
(Se apenas medirmos a posição aproxidamente, em vez de exatamente, podemos
manter algum conhecimento do momento; isso é o que realmente acontece nas medições
macroscópicas do mundo real).
Esse é o verdadeiro sentido do Princípio da
Incerteza de Heisenberg. Na mecânica quântica, é possível “saber exatamente”
qual é a posição de uma partícula — de forma mais precisa, é possível que a
partícula esteja em uma posição auto-estado, onde há 100 por cento de probabilidade
de encontrá-la em uma determinada posição. Da mesma forma, é possível “saber
exatamente” qual é o momento da partícula. Mas nunca sabemos precisamente a
posição e momento ao mesmo tempo. Então, quando vamos medir as propriedades que
a mecânica clássica atribui a um sistema — posição
e momento — não podemos dizer com certeza quais serão os resultados. Esse é o
principio de incerteza.
O princípio da incerteza implica que precisa
haver alguma distribuição da função de onda entre diferentes possíveis valores ou
da posição ou do momento, ou (usualmente) de ambos. Não importa qual tipo de sistema
estivermos analisando, há uma inescapável imprevisibilidade quântica quando
tentamos medir suas propriedades. Os dois observáveis se complementam: quando a
função de onda está concentrada na posição, ela está distribuída no momento, e
vice-versa. Sistemas macroscópicos reais que são bem descritos pelo limite
clássico da mecânica quântica se encontram em estados arranjados, onde há uma
pequena quantidade de incerteza tanto de sua posição quanto de seu momento.
Para sistemas suficientemente grandes, a incerteza é relativamente tão pequena que
não é percebida.
Tenha em mente que realmente não existe algo
como “a posição do objeto” ou “o momento do objeto” —
existe apenas a função de onda atribuindo amplitudes para os possíveis
resultados de observações. Entretanto, algumas vezes não resistimos e caímos na
linguagem das flutuações quânticas — dizemos que não podemos determinar o objeto em
uma posição única, porque o princípio da incerteza faz com que a posição flutue
um pouco. Essa é uma irresistível formulação linguística e não seremos tão restritos
a ponto de impedir seu uso, mas ela não reflete precisamente o que está
acontecendo. Não existe uma posição e um momento, cada um flutuando
individualmente. Existe apenas uma função de onda, que não pode ser
simultaneamente localizada em uma posição e um momento.
Nos capítulos finais, vamos explorar as
aplicações da mecânica quântica para sistemas bem maiores que partículas
isoladas ou até gatos isolados — a teoria
quântica de campos e até a gravidade quântica. Mas o arcabouço base da mecânica
quântica permanece o mesmo em qualquer caso. A teoria quântica de campos é o
casamento da mecânica quântica com a relatividade especial e explica as
partículas que enxergamos no nosso redor como características observáveis de
estruturas subjacentes — campos quânticos – que
constituem o mundo. O princípio da incerteza proíbe a determinação precisa da
posição e do momento de cada partícula, ou até mesmo o número exato de
partículas. Essa é a origem das “partículas virtuais”, que existem e deixam de
existir até mesmo no espaço vazio, que eventualmente darão origem ao fenômeno
da radiação Hawking dos buracos negros.
Uma coisa que não entendemos é a gravidade
quântica. A relatividade geral provê uma descrição extremamente bem-sucedida da
gravidade da maneira que a vemos operar no mundo, mas a teoria é construída sobre
uma fundação completamente clássica. A gravidade é a curvatura do espaço-tempo,
e em princípio podemos medir a curvatura do espaço-tempo tão precisamente
quanto gostaríamos. Quase todo mundo a acredita que essa é apenas uma
aproximação para uma teoria mais completa da gravidade quântica, onde o próprio
espaço-tempo é descrito por uma função de onda que atribui diferentes
amplitudes para diferentes quantidades de curvatura. Pode até ser o caso de
universos virem a existir e deixarem de existir, assim como as partículas
virtuais. Mas a busca pela construção de uma teoria completa da gravidade
quântica possui grandes obstáculos, tanto técnicos quanto filosóficos. Superar
esses obstáculos é a ocupação exclusiva de um grande número de físicos em
atividade.
A função de onda do universo
Há uma maneira direta de lidar com as questões conceituais
associadas ao colapso da função de onda: simplesmente negar que isso sequer
acontece e insistir que a suave e ordinária evolução da função de onda é
suficiente para explicar tudo que o sabemos sobre o mundo. Essa abordagem — brutal em sua simplicidade e enriquecedora em
suas consequências — recebe o nome de “interpretações
de muitos mundos” da mecânica quântica e é a grande oponente da interpretação
de Copenhague. Para entender como essa interpretação funciona, precisamos fazer
um desvio na talvez mais profunda característica da mecânica quântica: emaranhamento.
Quando introduzimos a ideia da função de
onda, consideramos um sistema físico minimalista, consistindo de um único
objeto (uma gata). Obviamente, nós gostaríamos de ir além, e considerar
sistemas com múltiplas partes — talvez uma gata
e também um cachorro. Na mecânica clássica, isso não é um problema; se o estado
de um objeto é descrito pela sua posição e seu momento, o estado de dois objetos
é justamente o estado de ambos os objetos individuais —
duas posições e dois momentos. A coisa mais natural do mundo é imaginar que a
descrição correta de um gato e um cachorro na mecânica quântica é simplesmente
duas funções de ondas, uma para o gato e uma para o cachorro.
Não é isso o que acontece. Na mecânica
quântica, não importa quantas partes individuais constituem o sistema que
estamos considerando, existe apenas uma única função de onda. Até mesmo se
considerarmos o universo inteiro e tudo dentro dele, há apenas uma única função
de onda, às vezes conhecida redundantemente como a “função de onda do
universo”. As pessoas nem sempre gostam de falar desse jeito com medo de soar
excessivamente grandioso, mas no fundo é simplesmente assim que a mecânica
quântica opera.
Vamos ver como isso se desenrola quando o
nosso sistema consiste de uma gata e um cachorro, a Senhora Gatinha e o Senhor
Cão. Como anteriormente, imaginamos que, ao procurarmos pela Senhora Gatinha, só
há dois locais onde podemos achá-la: no sofá ou embaixo da mesa. Vamos imaginar
também que só há dois lugares que podemos encontrar o Senhor Cão: na sala de
estar ou no quintal. De acordo com o inicial (mas errado) palpite de que cada
objeto tem sua própria função de onda, descrevemos a localização da Senhora Gatinha
como a superposição de embaixo da mesa e no sofá, e descrevemos separadamente a
localização do Senhor Cão como uma superposição de sala de estar e no
quintal.
Mas em vez disso, a mecânica quântica nos instrui
a considerar todas as possíveis alternativas para todo o sistema — gata mais cachorro —
e atribui uma amplitude para cada possibilidade distinta. Para o sistema
combinado, há quatro respostas possíveis para a pergunta “O que vemos quando
procuramos pela gata e pelo cachorro?” As respostas podem ser resumidas da
seguinte forma:
(mesa, sala de estar)
(mesa, quintal)
(sofá, sala de estar)
(sofá, quintal)
O primeiro registro dentro dos parênteses diz onde vemos a Senhora
Gatinha e o segundo diz onde vemos o Senhor Cão. De acordo com a mecânica quântica,
a função de onda do universo atribui a cada uma dessas possibilidades uma
distinta amplitude, que elevaríamos ao quadrado para sabermos a probabilidade
de observar tal alternativa.
Você pode estar se perguntando qual é a
diferença entre atribuir amplitudes para as localizações da gata e cachorro
separadamente, e atribuir amplitudes para as localizações combinadas. A
resposta é o emaranhamento — a propriedade que
qualquer parte do todo pode estar fortemente correlacionada com propriedades de
outras partes.
Emaranhamento
Vamos imaginar que a função de
onda do sistema gata/cachorro atribua uma amplitude zero para a possibilidade
(mesa, quintal) e também amplitude zero para (sofá, sala de estar).
Esquematicamente, isso significa que o estado do sistema terá a seguinte forma:
(mesa,
sala de estar) + (sofá, quintal)
Isso significa que há uma
amplitude diferente de zero para que a gata esteja embaixo da mesa e que o
cachorro esteja na sala de estar, e também uma amplitude diferente de zero para
que a gata esteja no sofá e o cachorro no quintal. Essas são as únicas
possibilidades permitidas por esse estado particular, e vamos imaginar que elas
possuem amplitudes iguais.
Agora
perguntaremos: o que esperamos ver ao procurarmos apenas pela a Senhora Gatinha?
Uma observação colapsa a função de onda em uma das duas possibilidades, (mesa,
sala de estar) + (sofá, quintal), com igual probabilidade, 50 por cento para
cada. Se simplesmente não nos importarmos com o que o Senhor Cão está fazendo,
diríamos que há probabilidades iguais de observarmos a Senhora Gatinha embaixo
da mesa ou no sofá. Nesse sentido, é justo dizer que não temos a menor ideia
onde a Senhora Gatinha estará antes de olharmos.
Agora
vamos imaginar que procuramos pelo Senhor Cão. Novamente, há 50 por cento de chance
para cada possibilidade (mesa, sala de estar) + (sofá, quintal), então se não
nos importarmos com o que a Senhora Gatinha está fazendo, é justo dizer que não
temos a menor ideia onde o Senhor Cão estará antes de olharmos.
Aqui está
o truque: mesmo sem termos ideia onde estará o Senhor Cão antes de olharmos, se
escolhermos olhar primeiro para a Senhora Gatinha, uma vez que essa observação
estiver completa, saberemos exatamente onde estará o Senhor Cão, mesmo sem termos
olhado para ele. Essa é a mágica do emaranhamento. Digamos que vimos a Senhora
Gatinha no sofá. Isso quer dizer que, dada a forma da função de onda que
começamos, a função obrigatoriamente colapsou na possibilidade (sofá, quintal).
Com isso, sabemos com certeza (assumindo que estamos certo sobre a função de
onda inicial) que o Senhor Cão estará no quintal se procurarmos por ele. Nós
colapsamos a função de onda do Senhor Cão mesmo sem observá-lo. Ou, mais
corretamente, colapsamos a função de onda do universo, que possui importantes
consequências para o paradeiro do Senhor Cão, mesmo sem interagirmos diretamente
com ele.
Isso pode
ou não te surpreender. Esperançosamente, fomos tão claros e convincentes na
explicação do que são as funções de onda, que o fenômeno do emaranhamento
parece relativamente natural. E deveria ser: faz parte do maquinário da mecânica
quântica, e um número de experimentos inteligentes demonstraram sua validade no
mundo real. Entretanto, o emaranhamento pode levar a consequências que — interpretadas
ao pé da letra — parecem
inconsistentes com o espírito da relatividade, se não inconsistentes com a
letra da lei. Vamos enfatizar: não há
nenhuma incompatibilidade real entre a mecânica quântica e a relatividade
especial (relatividade geral, onde a gravidade entra na jogada, é uma história
diferente). Mas há uma tensão entre elas que deixa as pessoas nervosas. Em
particular, as coisas parecem acontecer mais rápido do que a velocidade da luz.
Quando se investiga mais a fundo o que essas “coisas” são e o que “acontecer” significa,
você descobre que nada de errado está acontecendo — nada de fato se moveu mais rápido que a luz e
nenhuma informação real pode ser transportada para fora do cone de luz de
alguém. Mesmo assim, as pessoas ficam irritadas equivocadamente.
O
paradoxo EPR
Vamos
voltar para a nossa gata e cão, imaginando que eles estão no estado quântico
descrito acima, uma superposição de (mesa, sala de estar) e (sofá, quintal).
Mas agora vamos imaginar que, se o Senhor Cão estiver lá fora no quintal, ele
não fica apenas sentado lá, ele foge. Ele também é bastante aventureiro e vive
no futuro, quando já existem foguetes frequentemente viajando a uma colônia
espacial em Marte. O Senhor Cão — na
alternativa na qual ele começa no quintal e não na sala de estar — foge para o porto espacial, entra num foguete e
voa para Marte, sem ser observado durante todo esse tempo. Apenas quando ele
sai do foguete e pula nos braços do seu velho amigo Billy, que se graduou no
ensino médio e se juntou às Corporações Espaciais, que o enviou para o Planeta
Vermelho em uma missão, é que o estado do Senhor Cão é realmente observado,
colapsando a função de onda.
O que
estamos imaginando, em outras palavras, é que a função de onda descrevendo o
sistema gata/cachorro evoluiu de acordo com a equação de Schrödinger a partir de
(mesa, sala de estar) + (sofá,
quintal)
para
(mesa,
sala de estar) + (sofá, Marte)
Não há de impossível nisso — implausível, talvez, mas desde que ninguém tenha
feito nenhuma observação durante o tempo que a evolução levou para ocorrer,
terminaremos com a função de onda nessa superposição.
Mas as
implicações são surpreendentes. Quando Billy vê o Senhor Cão saindo da
espaçonave em Marte, ele faz uma observação e colapsa a função de onda. Se Billy
sabia qual era a função de onda descrevendo o estado emaranhado da gata e do cachorro,
Billy sabe imediatamente que a Senhora Gatinha está no sofá e não embaixo da
mesa. A função de onda colapsou para a possibilidade (sofá, Marte). Não só
estado da Senhora Gatinha passou a ser conhecido mesmo que ninguém tenha
interagido com ela, ele foi aparentemente determinado instantaneamente, mesmo que
sejam necessários no mínimo alguns minutos viajando de Marte para a Terra mesmo
na velocidade da luz.
Essa
característica do emaranhamento — o fato
que o estado do universo, como descrito pela sua função de onda quântica,
parece alterar instantemente através do espaço, mesmo que a lição da
relatividade deveria ter sido de que não há uma definição única do que instantaneamente
significa — intriga bastante as pessoas. Isso certamente intriga Albert
Einstein, que se juntou a Boris Podolsky e Nathan Rosen em 1935 para escrever
um artigo mostrando essa estranha possibilidade, conhecida como o “paradoxo
EPR” [x].
Mas isso não é realmente um paradoxo; pode ir contra a nossa intuição, mas não
vai contra a nenhum requisito experimental ou teórico.
A
importante característica do colapso aparentemente instantâneo de uma função de
onda distribuída através de distâncias imensas é que isso não pode ser
utilizado para transmitir informações acima da velocidade da luz. O que nos
chateia é que, antes de Billy observar o cachorro, a Senhora Gatinha aqui na
Terra não estava em uma localização definida — tínhamos
50/50 de chance de observá-la no sofá ou embaixo da mesa. Uma vez que Billy
tenha observado o Senhor Cão, agora nós temos uma chance de 100 por cento de observar
a Senhora Gatinha no sofá. Mas qual o problema? Nós não sabemos que Billy fez
tal observação — por tudo
que sabemos, se procurássemos pelo Senhor Cão, nós o acharíamos na sala de
estar. Para a descoberta do Billy fazer alguma diferença para nós, ele teria
que vir aqui nos dizer, ou enviar uma transmissão de rádio — de um jeito ou de
outro, ele teria que ser comunicar conosco por maneiras convencionais mais
lentas que a luz.
O
emaranhamento entre dois sistemas distantes nos parece misterioso, porque viola
nossas noções intuitivas de localidade — as
coisas só deveriam afetar coisas próximas, não coisas arbitrariamente
distantes. As funções de onda não operam dessa maneira; há uma função de onda
que descreve todo o universo de uma vez e isso é tudo. O mundo que observamos,
entretanto, ainda respeita uma localidade — mesmo
que funções de onda colapsam instantaneamente em todos os lugares, não podemos
tirar vantagem dessa característica para enviar sinais mais rápidos que a luz.
Em outras palavras, para as coisas afetarem a sua vida, ainda é verdade que
elas precisam estar próximas a você, e não arbitrariamente distantes.
Por outro lado, não deveríamos esperar
que essa noção ainda mais fraca de localidade seja um principio verdadeiramente
sagrado. No próximo capítulo, vamos falar um pouco sobre a gravidade quântica,
onde a função de onda se aplica para diferentes configurações do próprio
espaço-tempo. Nesse contexto, uma ideia como “objetos só podem afetar uns aos
outros casos eles estejam próximos” deixa de ter qualquer significado.
Muitos
mundos, muitas mentes
A concorrente líder como uma
alternativa à visão de Copenhague da mecânica quântica é chamada interpretação de muitos mundos. “Muitos
mundos” é um nome assustador e enganoso para uma ideia bem direta. A ideia é a
seguinte: não existe isso de “colapso da função da onda”. A evolução dos
estados na mecânica quântica acontece assim como na mecânica clássica, obedecendo
a uma regra determinística — a
equação de Schrödinger — que
permite prever o futuro e o passado de qualquer estado com perfeita fidelidade.
E isso é tudo.
O
problema com essa alegação é que nós aparentemente vemos funções de onda colapsando
o tempo todo, pelo menos observamos os efeitos do colapso. Podemos imaginar
configurar a Senhora Gatinha num estado quântico que possui iguais amplitudes
para encontrá-la no sofá ou embaixo da mesa; então quando procuramos por ela,
nós a vemos embaixo da mesa. Se olharmos novamente, nós iremos vê-la embaixo da
mesa 100 por cento do tempo; a observação original (na forma útil de falar
sobre essas coisas) colapsou a função de onda para um auto-estado-mesa. E essa
maneira de pensar possui consequências empíricas, todas as quais foram testadas
com sucesso em experimentos reais.
A
resposta do defensor dos muitos mundos é que você simplesmente está pensando
sobre isso da maneira errada. Em especial, você se identificou de maneira
equivocada na função de onda do universo. Afinal, você faz parte do mundo
físico e consequentemente você está sujeito às regras da mecânica quântica. Não
está certo encaramos você como um clássico aparato observador; precisamos levar
em consideração o seu próprio estado na função de onda.
Então, de acordo com essa nova
história, não deveríamos começar com uma função de onda descrevendo a Senhora
Gatinha como uma superposição de (sofá) e (mesa); deveríamos incluir a sua
própria configuração na descrição. Em particular, a característica relevante da
sua descrição é o que você tem observado sobre a posição da Senhora Gatinha. Há
três estados que você pode estar. Você pode ter visto a Senhora Gatinha no
sofá, ter visto-a embaixo da mesa, ou você pode nem ter visto-a ainda. Para
começar, a função de onda do universo (pelo menos a parte que estamos
descrevendo aqui), dá a Senhora Gatinha igual amplitude para estar no sofá ou
embaixo da mesa, enquanto você está unicamente no estado de não ter olhado
ainda. Isso pode ser representado esquematicamente da seguinte forma:
(sofá,
você não olhou) + (mesa, você não olhou).
Agora você observa onde ela está. Na interpretação
de Copenhague, diríamos que a função de onda colapsa. Mas na interpretação de
muitos mundos, dizemos que o seu próprio estado está emaranhado com o estado da
Senhora Gatinha e o sistema combinado evolui para uma superposição:
(sofá, você vê a Senhora Gatinha no sofá) + (mesa, você vê a Senhora
Gatinha na mesa)
Não há colapso; a função de onda
evolui suavemente e não há nada de especial com o processo de “observação”. Além
disso, o processo inteiro é reversível — dado o
estado final, podemos usar a equação de Schrödinger para unicamente recuperar o
estado original. Não há intrinsecamente uma seta quântica do tempo nessa
interpretação. Por muitas razões, essa é uma figura mais elegante e
satisfatória do mundo do que a figura de Copenhague.
O
problema, entretanto, deve estar óbvio: o estado final tem você em uma superposição
de dois resultados diferentes. A dificuldade disso é que você, claro, nunca se
sentiu como se estivesse em uma superposição. Se você realmente fez uma
observação de um sistema que estava em uma superposição quântica, após a
observação, você sempre acreditaria que observou um resultado específico. O
problema com a interpretação de muitos mundos, em outras palavras, é que não
parece estar de acordo com a nossa experiência do mundo real.
Mas não
vamos nos precipitar. Quem é esse “você” do qual estamos falando? É verdade: a
interpretação de muitos mundos diz que a função de onda do universo evolui para
a superposição mostrada acima, com uma amplitude para que você veja a gata no
sofá e outra amplitude para você vê-la embaixo da mesa. Esse é o passo crucial:
O “você” que vê, sente e acredita não é essa superposição. Em vez disso, “você”
é uma dessas alternativas. Ou seja, agora existem dois “vocês” diferentes, um
que vê a Senhora Gatinha no sofá e o outro que a vê embaixo da mesa, e ambos
existem na função de onda. Eles compartilham as mesmas memórias e experiências
iniciais — antes deles observarem a
localização da gata, eles eram a mesma pessoa — mas
agora eles se separam em duas ramificações diferentes da função de onda, e
nunca mais irão interagir com o outro novamente.
Esses são
os muitos mundos em questão, embora deve estar claro que esse rótulo é enganoso
de alguma forma. As pessoas às vezes levantam objeções à interpretação de
muitos mundos porque ela é muito extravagante para ser levada a sério — todas essas realidades paralelas, infinitas em
número, só para não termos de acreditar no colapso da função de onda. Isso é
besteira. Antes de termos feito uma observação, o universo era descrito por uma
única função de onda, que atribuiu uma amplitude específica para cada resultado
observacional possível; após a observação, o universo é descrito por uma única
função de onda, que atribui uma amplitude especifica para cada resultado
observacional possível. Antes e depois, a função de onda do universo é a apenas
um ponto em particular no espaço de estados descrevendo o universo e esse
espaço de estados não cresce nem diminui. Nenhum mundo “novo” foi realmente
criado, a função de onda ainda contém a mesma quantidade de informação (afinal,
nessa interpretação a evolução é reversível). Ela simplesmente evoluiu de uma
forma que agora há um maior número de subconjuntos distintos da função de onda
descrevendo criaturas individuais e conscientes como nós. A interpretação de
muitos mundos pode ou não estar correta, mas não faz sentido criticá-la
afirmando “ah, são muitos mundos”.
A
interpretação de muitos mundos não foi originalmente formulada por Bohr,
Heisenberg, Schrödinger ou nenhuma outra figura central dos dias iniciais da
mecânica quântica. Ela foi proposta em 1957 por Hugh Everett III, que era um
estudante de pós-graduação trabalhando com John Wheeler em Princeton [xi].
Na época (e por décadas depois), a visão dominante era a interpretação de Copenhague.
Então, Wheeler fez a coisa óbvia: enviou Everett em uma viagem a Copenhague,
para discutir sua nova perspectiva com Niels Bohr e outros. Mas a viagem não
foi um sucesso — Bohr não
ficou nada convencido, e o resto da comunidade física mostrou pouco interesse
nas ideias de Everett. Ele deixou a física acadêmica para trabalhar para o
Departamento de Defesa e eventualmente criou a sua própria firma de
computadores. Em 1970, o físico teórico Bryce DeWiit (que, junto com Wheeler,
era um pioneiro na aplicação da mecânica quântica à gravidade) defendeu a
interpretação de muitos mundos e ajudou a popularizá-la entre os físicos.
Everett viu o reaparecimento de suas idéias dentro da comunidade física, mas
ele nunca voltou para pesquisa ativa; em 1982 aos 51 anos, ele faleceu
repentinamente devido a um ataque cardíaco.
Decoerência
Apesar de suas vantagens, a
interpretação de muitos mundos não é realmente um produto terminado. Há
perguntas ainda sem respostas, partindo de perguntas profundas e conceituais — por que observadores conscientes são identificados
por ramificações discretas da função de onda, em vez de superposições? — para a puramente técnica — como justificamos a regra que “probabilidades são
iguais ao quadrado da amplitude” nesse formalismo? Essas são perguntas reais,
cujas respostas não estão perfeitamente claras, um dos motivos pelos quais a
interpretação de muitos mundos não desfruta de uma aceitação universal. Mas um
grande progresso tem sido feito durante as ultimas décadas, especialmente envolvendo
um fenômeno do cerne da mecânica quântica conhecido como decoerência. Há grandes esperanças — apesar de
pouco consenso — que a
decoerência pode nos ajudar a entender porque as funções de onda aparentam
colapsar, mesmo que a interpretação de muitos mundos afirma que esse colapso é
apenas aparente.
A decoerência
ocorre quando o estado de uma parte bem pequena do universo — seu cérebro, por exemplo — torna-se tão emaranhado com partes do ambiente
mais amplo que não está mais sujeito a interferência, o fenômeno que faz algo
realmente ser quântico. Para ter uma ideia de como isso funciona, vamos voltar
para o exemplo do estado emaranhado da Senhora Gatinha e do Senhor Cão. Há duas
alternativas, com duas amplitudes iguais: a gata está embaixo da mesa e o
cachorro na sala de estar ou a gata está no sofá e o cachorro no quintal:
(mesa,
sala de estar) + (sofá, quintal)
Nós vimos
como, se alguém observar o estado do Senhor Cão, a função de onda (na linguagem
de Copenhague) colapsaria, deixando a Senhora Gatinha em um estado definido.
Mas agora
vamos fazer algo diferente: imagine que ninguém observa o estado do Senhor Cão
e simplesmente o ignoramos. Efetivamente, jogamos fora qualquer informação do
emaranhamento entre a Senhora Gatinha e o Senhor Cão e nos perguntamos: qual o
estado da Senhora Gatinha sozinha?
Poderíamos
pensar que a resposta é uma superposição da forma (mesa) + (sofá), da maneira
como tínhamos antes de introduzir a complicação canina na jogada. Mas isso não
está certo. O problema é que a interferência — o
fenômeno que nos convenceu em primeiro lugar que precisávamos levar amplitudes
quânticas a sério — não pode mais ocorrer.
No nosso
exemplo original de interferência, há duas contribuições para a amplitude da
Senhora Gatinha estar embaixo da mesa: uma obtida pela alternativa onde ela
passa pelo sua tigela de comida e outra onde ela para no seu arranhador. Mas era
crucialmente importante que as duas contribuições que no final se cancelaram
fossem contribuições para exatamente a
mesma alternativa final (“Senhora Gatinha está embaixo da mesa”). Duas
contribuições para a função de onda final só irão interferir se envolvem a
mesma alternativa para tudo no universo; se elas estão contribuindo para
alternativas diferentes, elas não podem interferir, mesmo se as diferenças envolvem
o resto do Universo e não a Senhora Gatinha propriamente dita.
Então,
quando o estado da Senhora Gatinha está emaranhado com o estado do Senhor Cão,
interferências entre alternativas que alteram o estado da Senhora Gatinha sem
uma alteração correspondente no Senhor Cão são impossíveis. Uma contribuição
para a função de onda não consegue interferir com a alternativa “a Senhora
Gatinha está embaixo da mesa”, uma vez que essa alternativa não é uma
especificação completa do que pode ser observado; uma contribuição só pode
interferir com as alternativas “a Senhora Gatinha está embaixo da mesa e o Senhor
Cão está na sala de estar” que estão realmente representadas pela função de
onda [xii].
Dessa
maneira, se a Senhora Gatinha a está emaranhada com o mundo exterior mas não
sabemos detalhes desse emaranhamento, não é correto considerar o estado dela
como uma superposição quântica. Em vez disso, deveríamos pensar que se trata de
uma distribuição clássica ordinária
de diferentes alternativas. Ao descartarmos qualquer informação sobre com quem ela
esta emaranhada, a Senhora Gatinha não está mais em uma sobreposição; no que
diz respeito a qualquer experimento concebível, ela está ou em um estado ou em
outro, mesmo se não soubermos qual. A
interferência não é mais possível.
Isso é a
decoerência. Na mecânica clássica, todo objeto tem uma posição definida, mesmo
se não soubermos a sua posição e só soubermos probabilidades para várias
alternativas. O milagre da mecânica quântica é que não há tal coisa como “onde
o objeto está”; ele está numa verdadeira sobreposição das alternativas possíveis,
o que sabemos ser verdade através de experimentos que demonstraram a realidade
da interferência. Mas se o estado quântico descrevendo o objeto está emaranhado
com algo do mundo externo, a interferência se torna impossível, e voltamos ao
modo clássico de enxergar as coisas. No que nos diz respeito, o objeto está em
um estado ou em outro, mesmo se o melhor que pudermos fazer é atribuir uma
probabilidade para diferentes alternativas — as probabilidades estão
expressando nossa ignorância, não uma realidade subjacente. Se o estado
quântico de uma parte específica do universo representa uma verdadeira
sobreposição não emaranhada com o resto do mundo, dizemos que é coerente; se a
sobreposição foi perturbada por emaranhar-se com alguma coisa externa, dizemos
que é “decoerente” (Isso é o motivo pelo qual, na interpretação de muitos mundos,
o estado do gato torna-se emaranhado com o estado das câmeras) .
O colapso da função de onda e a seta do tempo
Na interpretação de muitos mundos, a decoerência claramente
tem um papel crucial no aparente processo do colapso da função de onda. O ponto
é que não há algo especial ou único em relação à consciência ou “observadores”,
além do fato de que são objetos macroscópicos complexos. O ponto é que qualquer
objeto macroscópico complexo inevitavelmente
vai interagir (e consequentemente emaranhar) com o mundo externo, e é inútil imaginar
que vamos acompanhar a forma precisa desse emaranhamento. Para um sistema
microscópico bem pequeno como um elétron individual, podemos isolá-lo e
colocá-lo em uma verdadeira superposição quântica que não está emaranhada com o
estado de outras partículas, mas, para um sistema bagunçado como um ser humano
(ou uma câmera de monitoramento), isso simplesmente não é possível.
Nesse caso, a nossa simples representação na
qual o estado de nossas percepções torna-se emaranhado com o estado da
localização da Senhora Gatinha é uma simplificação. Uma parte crucial da
história é desempenhada pelo nosso emaranhamento com o mundo externo. Vamos imaginar
que a Senhora Gatinha comece em uma verdadeira superposição quântica, não
emaranhada com o resto do mundo; mas nós, criaturas complicadas que somos,
estamos profundamente emaranhados com o mundo externo em maneiras que não
podemos especificar. A função de onda do universo atribui distintas amplitudes
para todas as configurações alternativas do sistema combinado da Senhora Gatinha,
nós e o mundo externo. Após observarmos a posição da Senhora Gatinha, a função
de onda evolui para algo da forma
(sofá, você vê a
Senhora Gatinha no sofá, mundo1) + (mesa, você vê a Senhora Gatinha
na embaixo da mesa, mundo2),
onde a última parte descreve a (desconhecida) configuração do
mundo externo, que será diferente nos dois casos.
Como não sabemos nada sobre esse estado, nos simplesmente
ignoramos o emaranhamento com o mundo externo, e mantemos o conhecimento da
localização da Senhora Gatinha e de nossas percepções mentais.
É isso que queremos dizer ao falarmos da
ramificação da função de onda em diferentes “mundos”. Um pequeno sistema em uma
verdadeira superposição quântica é observado por um aparato clássico de
mensuração, mas o aparato está emaranhado com o mundo externo; nós ignoramos o
estado do resto do mundo e ficamos com dois mundos clássicos alternativos. Do
ponto de vista de cada alternativa clássica, a função de onda “colapsou”; mas, de um hipotético ponto de vista mais amplo onde mantemos todas as informações
da função de onda do universo, não há mudanças súbitas no estado, apenas a
evolução suave de acordo com a equação de Schrödinger.
Esse negócio de jogar fora informação pode
lhe deixar um pouco desconfortável, mas deveria soar também familiar. Tudo que
estamos fazendo é aumentar o nível de granularidade, assim como fizemos na
mecânica estatística clássica para definir macroestados correspondentes a
vários microestados. A informação sobre o nosso emaranhamento com o ambiente
externo bagunçado é análoga à informação sobre a posição e momento de cada molécula
em uma caixa de gás — não precisamos dela, e
na prática não conseguimos rastreá-la, então criamos uma descrição
fenomenológica baseada puramente nas variáveis macroscópicas.
Nesse sentido, a irreversibilidade que
aparece quando funções de onda colapsam parecem estar diretamente análoga à irreversibilidade
da termodinâmica ordinária. As leis subjacentes são perfeitamente reversíveis,
mas no bagunçado mundo real jogamos fora muita informação, e como resultado
encontramos um comportamento irreversível em escalas macroscópicas. Ao
observarmos a posição da nossa gata, o nosso próprio estado fica emaranhado com
o dela. Para reverter o processo, precisaríamos saber o estado preciso do mundo
externo com o qual também estamos emaranhados, mas nós jogamos fora essa
informação. É exatamente análogo com o que acontece quando uma colher de leite se
mistura com o copo de café; em principio, poderíamos reverter o processo se
tivéssemos registrado a posição e o momento de cada molécula individual da
mistura, mas na prática só registramos as variáveis macroscópicas, com isso a
reversibilidade é perdida.
Nessa discussão da decoerência, um papel
crucial foi desempenhado pela nossa habilidade em observar o sistema e isolá-lo
do resto do mundo em uma verdadeira superposição quântica. Mas isso é
claramente um tipo bem especial de estado, muito parecido com estados de baixa
entropia que começamos por hipótese ao discutir a origem da Segunda Lei da
Termodinâmica. Um estado completamente genérico caracterizaria todos os tipos
de emaranhamento entre o nosso pequeno sistema e o ambiente externo, correto
desde o princípio.
Nada disso tenta dar a impressão de que a
aplicação da decoerência para a interpretação de muitos mundos resolve imediatamente
todos os problemas interpretativos da mecânica quântica. Mas parece um passo na
direção correta e enaltece uma relação importante entre a seta macroscópica do
tempo familiar da mecânica estatística e a seta macroscópica do tempo exibida
quando a função de onda colapsa. Talvez o melhor de tudo, é que ajuda a remover
noções mal definidas como “observador consciente” do vocabulário com o qual
descrevemos o mundo natural.
Com isso na mente, voltaremos a falar como
se todas as leis fundamentais da física fossem completamente reversíveis em
escalas microscópicas. Essa conclusão não precisa ser aceita, mas há bons
argumentos por trás dela — podemos manter a mente
aberta, enquanto continuamos a explorar as consequências desse particular ponto
de vista. O que nos deixa, é claro, exatamente onde começamos: com a tarefa de
explicar a aparente falta de reversibilidade nas escalas macroscópicas em
termos de condições especiais próximas ao Big Bang. Para levar esse problema a
sério, precisamos pensar na gravidade e na evolução do universo.
[i]
Citado em von Bayer (2003), pp. 12-13
[ii]
Não estou dizendo que antigos Budistas não eram sábios, ma s a sabedoria deles não se baseava na
falha do determinismo clássico nas escalas atômicas, e eles também nem
anteciparam a física moderna de nenhuma forma sensata, além da inevitável e
arbitrária similaridade da escolha de palavras para se referir a conceitos
cósmicos grandes (Uma vez assisti uma palestra alegando que as ideias básicas
da nucleossíntese primordial estavam predefinidas no Torá; se você afrouxar as
suas definições o suficiente, as similaridades vão aparecer em todos os
lugares). É desrespeitoso tanto a antigos filósofos quanto a físicos modernos
ignorar as diferenças reais nos seus objetivos e métodos em uma tentativa de
criar conexões tangíveis a partir de lembranças superficiais.
[iii]
Recentemente, cachorros também foram recrutados para a causa. Veja Orzel
(2009).
[iv]
Ainda estamos ignorando uma tecnicalidade – a verdade é um pouco mais complexa
do que essa descrição, mas essa complicação não é relevante para os nossos
propósitos atuais. As amplitudes quânticas são na realidade números complexos, que são combinações
de dois números: um número real mais um número imaginário (números imaginários são
o que você obtém quando você tira a raiz quadrada de um número real negativo,
então “dois imaginário” é a raiz quadrada de menos quatro). Um número complexo
se parece como a + bi, onde a e b
são número reais e “i” é a raiz
quadrada de menos um. Se a amplitude associada com uma determinada opção é a + bi, a sua probabilidade corresponde
simplesmente é a2 + b2, o que é garantido
de ser mais ou igual a zero. Você terá de confiar em mim que esse aparato extra
é extremamente importante para o mecanismo da mecânica quântica — ou confie ou comece a aprender alguns
detalhes matemáticos da teoria (Eu posso pensar em maneiras menos
recompensadoras de gastar o seu tempo, na verdade).
[v]
O fato que qualquer sequência particular de eventos atribui amplitudes
positivas ou negativas para duas possibilidades finais é uma suposição que
estamos fazendo para o nosso experimento de pensamento, não uma característica central
das regras da mecânica quântica. Em qualquer problema de mundo real, os
detalhes do sistema sendo considerado determinam precisamente quais são as
amplitudes, mas não estamos tanto com a mão na massa assim nesse momento. Note
também que amplitudes nesses exemplos têm valor numérico de mais ou menos
0.7071 — número que, ao
quadrado, é igual a 0.5.
[vi]
Em um workshop frequentado por pesquisadores especialistas na mecânica
quântica, Max Tegmark fez uma enquete reconhecidamente não cientifica das
favoritas interpretações da mecânica quântica dos participantes (Tegmark, 1998).
A interpretação de Copenhague ficou em primeiro com treze votos, enquanto a
intepretação de muitos mundos ficou em segundo com oito. Os outros nove votos
estavam distribuídos entre as demais alternativas. O mais interessante é que
dezoito votos foram para “nenhuma das anteriores/não decidido”. E esses eram os
especialistas.
[vii]
O que acontece se colocarmos a câmera de monitoramento, mas não examinarmos os
vídeos? Não importa se olhamos ou não os vídeos, a câmera ainda conta como uma
observação, então haverá uma chance de ver a Senhora Gatinha embaixo da mesa.
Na interpretação de Copenhague, diríamos “A câmera é um dispositivo clássico de
mensuração cuja influência colapsa a função de onda”. Na interpretação de
muitos mundos, como veremos, a explicação é “a função da onda da câmera fica
emaranhada com a função de onda da gata, então as historias alternativas
decoerem”
[viii]
Muitas pessoas pensaram em mudar as regras da mecânica quântica para que isso
não fosse mais verdade; elas propuseram o que é chamado de “teoria das
variáveis escondidas” que vai além do arcabouço padrão da mecânica quântica. Em
1964, o físico teórico John Bell provou um teorema espetacular: nenhuma teoria
local de variáveis escondidas podem sequer reproduzir as previsões da mecânica
quântica. Isso não impediu as pessoas de investigarem teorias não locais — onde eventos distantes podem se afetar
instantaneamente. Mas elas realmente não agradaram; a grande maioria dos
físicos modernos acredita que a mecânica quântica está simplesmente correta,
mesmo se eles não sabem ainda como interpretá-la.
[ix]
Na verdade, há uma afirmação um pouco mais poderosa que podemos fazer. Na
mecânica clássica, o estado é especificado tanto pela posição e velocidade,
então você pode supor que a função de onda quântica atribui probabilidades para
cada combinação possível de posição e velocidade. Mas não é assim que funciona.
Se especificar uma amplitude para cada possibilidade de posição, você está
feito — você determinou
completamente o estado quântico inteiro. Então o que ocorreu com a velocidade?
Acontece que você pode escrever a mesma função de onda para cada velocidade
possível, deixando a posição totalmente fora da descrição. Esses não são
estados diferentes, são apenas jeitos diferentes de escrever exatamente o
mesmo. Na verdade, há uma receita de bolo para traduzir de um estado para
outro, conhecida como transformada de Fourier. Dada a amplitude para cada
possível posição, você pode fazer uma transformada de Fourier para determinar a
amplitude para qualquer velocidade possível, e vice versa. Em especial, se a
função de onda é um auto-estado, concentrada em um valor exato da posição (ou
velocidade), sua transformada de Fourier estará completamente distribuída entre
todas as possíveis velocidades (ou posições).
[x] Einstein, Podolsky e Rosen (1935).
[xi] Everett (1957). Para discussão de
diversos pontos de vista veja Deutsch (1997), Albert (1992) ou Ouellette
(2007).
[xii]
Note o quão crucial o emaranhamento é para essa historia. Se não houvesse
emaranhamento, o mundo externo ainda existiria, mas as alternativas disponíveis
para a Senhora Gatinha seriam completamente independentes do que está
acontecendo lá fora. Nesse caso, seria perfeitamente correto atribuir uma
função de onda isolada para a Senhora Gatinha. E essa é a única razão que
conseguimos aplicar o formalismo da mecânica quântica para átomos individuais e
outros sistemas isolados. Nem tudo esta emaranhado com o todo o resto, ou seria
impossível dizer alguma coisa sobre qualquer subsistema especifico do mundo.