sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

O que a Ciência diz sobre Deus?

por Felipe Nogueira Barbara de Oliveira
  
Alguns teólogos e religiosos dizem que a ciência nada pode falar sobre Deus, já que a ciência estuda o mundo natural e Deus faz parte do mundo sobrenatural. Há problemas com tal separação. Primeiro, se Deus é uma entidade completamente sobrenatural, não tem como ele interferir na vida dos seres humanos, que residem no mundo natural. Mas quando Deus atende uma prece e salva uma vida, há uma intervenção direta no mundo natural, que é passível de investigação pela ciência. Aliás, uma pergunta extremamente válida é justamente de que maneira Deus atua, por exemplo, nas partículas de um tumor para reduzir seu tamanho? Em segundo lugar, essa separação é totalmente arbitrária. Por que a realidade é, obrigatoriamente, separada em duas? Não podemos pré-definir o que é a realidade, não podemos forçar a realidade a encaixar com nossas crenças. São as nossas crenças que devem ser adaptadas de acordo com as evidências da realidade. Ciência é justamente a maneira de interrogar como a realidade funciona.

Na história da humanidade, acreditamos em diversos deuses diferentes. À medida que o nosso conhecimento sobre o funcionamento do Universo foi aumentando, o papel de Deus (ou deuses) nas explicações foi diminuindo. Porém, muitas pessoas acreditam, pelo menos, em uma forma de criacionismo.


Antes de Charles Darwin publicar A Origem das Espécies, dominava a crença de que Deus tinha criado as espécies de forma independente. O teólogo William Palley fez a seguinte analogia: assim como a complexidade do design de um relógio nos leva à conclusão de que ele possui um criador, o mesmo pode ser dito em relação ao olho humano, por exemplo. Palley argumentou que "todas as manifestações de um design que existem no relógio existem também nas obras da natureza..."Para Palley, Deus tem função similar de um relojeiro; Deus é o criador inteligente da complexidade observada na natureza.  No entanto, Charles Darwin e Alfred Russel Wallace mostraram que, na realidade, não há nenhum criador; a complexidade observada é explicada pela seleção natural. Diferente de um relojoeiro, que projeta suas engrenagens e molas imaginando o resultado final, a seleção natural é um processo cego, inconsciente e automático. A seleção natural, como cunhou Richard Dawkins, é o relojoeiro cego. A Teoria da Evolução mostra que partindo de uma forma de vida bem básica, como uma molécula auto-replicadora, é possível atingir a complexidade de um indivíduo humano.

O criacionismo de Palley, o que eu chamo de criacionismo biológico, já deveria ter caído em total desuso. A Evolução é suportada por uma convergência de evidências de sete diferentes áreas da biologia e não possui nenhuma evidência contrária. Religiosos (principalmente criacionistas, nesse caso) repetem que a evolução é "apenas uma teoria". Evolução é uma teoria, assim como a gravidade. Espero que as pessoas não se joguem de prédios afirmando que a gravidade é "apenas uma teoria". A Evolução é uma das teorias cientificas mais testadas e corroboradas; a evolução é tão verdade quanto, por exemplo, a afirmação de que a Terra orbita o sol.  Alguns religiosos afirmam aceitar a evolução, mas dizem que ela foi guiada por Deus. Mas isso não   é a teoria da evolução; é uma adaptação errada da ciência para encaixar crenças pessoais.  No entanto, ainda há lacunas no conhecimento para a hipótese de Deus como explicação. A evolução não explica a origem da vida, um problema da química ainda sem solução, e ainda  há o criacionismo cosmológico, onde Deus criou o universo.

Em qualquer tipo de criacionismo, a explicação que Deus criou o universo e/ou a vida não é satisfatória, já que postula-se uma entidade mais complexa (Deus) do que aquelas que desejamos explicar. Deus, de acordo com diferentes religiões, é uma entidade que comunica-se com um vasto número de pessoas em todos os idiomas possíveis, intervem simultaneamente na vida de várias pessoas, etc. O que eu quero dizer é: se a complexidade do olho humano precisa de explicação, a complexidade de Deus também; se o universo e/ou os seres vivos foram criados por Deus, quem criou Deus? A usual resposta que religiosos fornecem para essa pergunta é que Deus sempre existiu e não foi criado. Para dizer isso não é necessário postular Deus, basta dizer que o universo (ou a vida) sempre existiu e não foi criado.

Uma das mais interessantes idéias que aprendi na ciência pode estar relacionada com a criação do universo. Espaco vazio, isto é espaço sem matéria, não é totalmente vazio. Diversas partículas e anti-partículas são criadas "do nada", elas se chocam e deixam de existir. Tudo isso ocorre muito rapidamente. Esse fenômeno, chamado de flutuação quântica, foi observado independentemente em diferentes experimentos. A hipótese é que, em determinadas condições, esse conjunto de partículas "virtuais" poderiam aparecer do nada, mas não desaparecer, permitindo a criação de um ou até mais universos. Como explicam os físicos Hawking e Mlodinow no livro O Grande Projeto: "flutuações quânticas levam a criação de minúsculos universos a partir do nada. Uns poucos desses atingem tamanho crítico, e então se expandem de um modo inflacionário, formando galáxias, estrelas e, ao menos em um caso, seres como nós."  O cosmólogo Lawrence Krauss publicou em 2012 o livro A Universe From Nothing (sem tradução para o português) dedicado a esse assunto, onde ele deixa claro que "na gravidade quântica, universos podem, e na verdade sempre irão, aparecer do nada."

Teólogos, religiosos e crentes de uma maneira geral insistem em repetir que a ciência não refuta a existência de Deus. Isso está tecnicamente correto: a ciência não refuta a existência de Deus, mas também não refuta a existência de papai noel, dragões e unicórnios. Hipóteses que lidam com a existência de alguma coisa são irrefutáveis: é impossível encontrar evidências de que algo não existe.

É importante ressaltar que, mesmo não havendo respostas definitivas para algumas perguntas, não quer dizer que Deus seja a resposta, ou que qualquer outra resposta esteja correta. Qualquer que seja a explicação, ela precisa ser suportada por evidências. E, pelo menos até agora, a ciência não encontrou nenhuma evidência para a existência de Deus; a ciência não só não inclui Deus nas suas explicações, como tem feito enorme progresso sem recorrer a nenhuma entidade sobrenatural. Para ciência, Deus é desnecessário, além de muito improvável. Como explica o cosmólogo Sean Carrol em Why (Almost All) Cosmologist are Atheists, "de todas maneiras na qual Deus foi considerado uma hipótese útil, há explicações alternativas que não requerem nada fora de uma descrição completamente formal e materialista. Concluo que adicionar Deus só torna as coisas mais complicadas, e essa hipótese deve ser rejeitada pelo rigor científico".


Para ler mais:

1 - Richard Dawkins. O Relojoeiro Cego. A teoria da evolução contra o desígnio divino. 1986
2 - Richard Dawkins. O Maior Espetáculo da Terra. As evidências da evolução. 2010.
3 - Richard Dawkins. Deus, um Delírio. 2006
4 - Stephen Hawking & Leonard Mlodinow. O Grande Projeto. 2010
5 - Lawrence M. Krauss. A Universe From Nothing. Why There Is Something Rather Than Nothing. 2012
6 - Victor J. Stenger.  God The Failed Hypothesis. How Science Shows God Does Not Exist. 2008
7 - Victor J. Stenger. The Fallacy of Fine-Tunning. Why The Universe Is Not Designed For Us. 2011
8 - Michael Shermer. Why Darwin Matters. The Case Against Intelligent Design. 2007
9 - Michael Shermer. Nothing is Negligible. Why There is something Rather than Nothing. Skeptic Magazine. Vol 17. No 3. 2012.
10 - Sean Carrol. Why (Almost All) Cosmologists are Atheists. 2005

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Agradeço ao Ricardo Gomes pelos comentários.












quinta-feira, 23 de agosto de 2012

"Duvidar é preciso", diz Michael Shermer

Na semana que vem, Michael Shermer estará em Porto Alegre e São Paulo como um dos conferencistas do evento Fronteiras do Pensamento. Em abril, ele deu uma entrevista muito boa para o jornal Valor Econômico.  Observem que Shermer critica adequadamente Freud e a psicanálise por falharem no principal componente de ciência: teste de hipóteses.

Uma pequena atualização: a entrevista menciona que o único livro de Michael Shermer traduzido no Brasil é Por Que as Pessoas Acreditam em Coisas Estranhas. No entanto, o seu último livro, The Believing Brain, já foi traduzido e lançado no Brasil na semana passada com o título Cérebro e Crença. Além desses, há dois outros livros de Michael Shermer disponíveis no Brasil: O Outro Lado da Moeda (The Mind of the Market) e Ensine Ciência a Seu Filho e Torne a Ciência Divertida para Vocês Dois (Teach your Child Science).


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Fundador da revista "Skeptic", diretor-executivo da Skeptics Society, colunista da revista "Scientific American" e professor da Claremont University, na Califórnia, o cientista americano Michael Shermer é um destes autores aos quais, para o bem ou para o mal, não se pode ficar indiferente. Shermer integra o time de participantes da sétima edição do Fronteiras do Pensamento - encontro que reúne grandes nomes internacionais em torno de temas contemporâneos desde 2006 -, que começará no dia 23. O evento, que ocorre em São Paulo e Porto Alegre, terá um elenco de conferencistas de destaque em suas áreas de atuação como o Prêmio Nobel de Economia Amartya Sen e a também indiana Vandana Shiva, filósofa e ambientalista premiada.

Shermer é um radical defensor da ciência como único método válido de explicação do mundo e adepto de um ceticismo científico que se desenvolve a partir de descobertas recentes das neurociências. É dessa imbricação entre neurociência e ceticismo que ele propõe sua principal teoria: a de que o cérebro é feito para acreditar em qualquer tipo de coisa, sejam verdadeiras ou não. O ceticismo seria, então, o único remédio contra essa compulsão à crença que leva o ser humano a crer, até mesmo, em coisas estranhas, como anuncia o título do único livro do cientista traduzido no Brasil: "Por Que as Pessoas Acreditam em Coisas Estranhas" (JSN Editora).

Crítico do relativismo, do criacionismo que se expande nos Estados Unidos e de toda forma de fé religiosa, Shermer reconhece, no ceticismo que prega, a necessidade de relativizar seu discurso, quando afirma, nesta entrevista: "Nós devemos ser céticos em relação à neurociência, à ciência e até mesmo ao ceticismo!"

Valor: Seu novo livro, recém-lançado nos EUA ("The Believing Brain") começa com uma narrativa pessoal sobre as suas crenças. Em que acredita alguém que se define como cético?

Michael Shermer: Ser cético significa que você precisa de evidências antes de acreditar em algo. Evidências confiáveis, claro. Céticos são pessoas que pensam como cientistas, sempre buscando evidências. Mas não é preciso ser cientista para ser cético. Escrevi um capítulo sobre as minhas crenças pessoais, sobre a época em que eu acreditava em Deus, na religião, nos fenômenos paranormais e sobrenaturais e outras coisas desse tipo. Até que me tornei um cientista e aprendi a pensar de forma crítica, cética e científica e resolvi procurar evidências para as minhas crenças. Quando fiz isso, deixei de acreditar nos fenômenos sobrenaturais e paranormais, em Deus, na religião etc. Mas o ponto principal do livro é sobre o fato de que todos nós temos nossas crenças, pois o cérebro funciona de maneira a estabelecer crenças e reforçá-las como verdades.

Valor: O seu ceticismo é um método de levar a dúvida até a última consequência? Haverá sempre algo a duvidar?

Shermer: O objetivo do ceticismo é entender como o mundo funciona. O mundo sempre será como ele é; não importa como queremos que ele seja. O problema é que nosso cérebro está programado para estabelecer crenças e reforçá-las como verdades absolutas, e não é assim que o mundo funciona. O objetivo da ciência é tentar superar essa tendência cognitiva a acreditar, essa tendência a acreditar em coisas nas quais queremos acreditar mesmo quando não existem evidências.

Valor: O senhor acha que acreditar em Deus também é parte dessa tendência? Como explicar a fé religiosa?

Shermer: Nosso cérebro é programado pela evolução para acreditar em todo tipo de coisa, não importa se são verdadeiras ou não, só pela possibilidade de serem verdadeiras. E nós procuramos evidências que se encaixem naquilo em que já decidimos acreditar. Por exemplo, se você é católico e acredita em Deus, só vai procurar evidências que reforcem essa crença e vai ignorar qualquer outra evidência que vá contra isso. Na ciência, isso não é permitido. Você é obrigado a procurar as evidências contrárias à sua teoria. Se você não fizer isso, outra pessoa vai fazer.

Valor: Ainda haveria motivos para o debate sobre o valor da ciência em relação ao valor da religião como forma de explicação do mundo?

Shermer: A ciência é uma maneira de explicar o mundo natural, de tentar entender por que o mundo é assim, utilizando métodos confiáveis. Não importa se eu, você ou alguém na Índia tem uma teoria, todos nós podemos usar um método para verificar se ela é verdadeira ou não. Um exemplo: uma pessoa nascida na Índia provavelmente vai seguir a religião hindu, uma pessoa no Brasil provavelmente vai ser católica, e uma pessoa nascida no Sul dos EUA provavelmente será da religião batista. Portanto, o local onde você nasce vai determinar qual será sua religião, em qual deus você vai acreditar. Na ciência, digamos na física, por exemplo, é diferente. Não existe a física da Índia, do Brasil ou dos EUA. Existe simplesmente a física.

Valor: Há diferença em acreditar na ciência e acreditar em Deus ou tudo é meramente uma questão de acreditar ou não? Esse ainda é um embate necessário no mundo de hoje, sobretudo nos EUA, onde a teoria do criacionismo vem ganhando cada vez mais espaço?

Shermer: É um bom exemplo. Em nenhum outro lugar do mundo, ninguém jamais duvidou da teoria da evolução, exceto nos círculos religiosos dos EUA. O que é mais provável? Que os criacionistas estejam certos ou que o resto do mundo esteja errado? Ou que a crença religiosa deles esteja impedindo que tenham uma visão objetiva do mundo? A opinião de cada um interfere na forma como os dados são analisados. Se você não consegue deixar de lado a sua visão, precisa encontrar alguém que consiga. O que importa para nós, cientistas, é saber se algo é verdadeiro ou não, se está de acordo com a realidade. Se há alguma maneira confiável que permita que eu e você analisemos os mesmos dados para chegar às mesmas conclusões. Os criacionistas duvidam da evolução por razões religiosas. Nós temos que deixar de lado a religião, a política e a economia e analisar os dados para ver se são verdadeiros ou não.

Valor: No Brasil, seu único livro traduzido é "Por Que as Pessoas Acreditam em Coisas Estranhas". A resposta para isso está no cérebro?

Shermer: Sim, o cérebro não consegue viver sem acreditar em nada. Temos que acreditar em diversas coisas para conseguir levantar da cama de manhã, sair de casa para trabalhar. Nós estabelecemos várias crenças e temos que fazer isso para sobreviver. Todos os animais fazem isso. Nós estabelecemos associações, conexões, aprendemos, ligamos A a B, criamos padrões, isso é um processo normal para todos nós. Mas sem a ciência é impossível saber se nossas crenças são verdadeiras ou não. O que a ciência faz é trazer um conhecimento confiável, determinar se uma teoria é verdadeira ou não. Uma teoria não é verdadeira só porque você acredita nela. Ela é ou não é verdadeira.

Valor: É melhor acreditar em coisas estranhas do que não acreditar em nada?

Americanos em protesto religioso: "O local onde você nasce determina em qual deus vai acreditar. Na ciência é diferente. Não existe, por exemplo, a física da Índia, do Brasil ou dos EUA. Existe simplesmente a física", diz Shermer
Shermer: As pessoas acreditam em coisas estranhas porque elas precisam acreditar nas coisas em geral. E não temos a capacidade de diferenciar as coisas verdadeiras das coisas falsas. Por isso, temos uma tendência a acreditar em tudo. As coisas estranhas são apenas uma parte desse todo. A ciência é algo relativamente novo, foi inventada alguns séculos atrás, enquanto nosso cérebro existe há milhões de anos. Portanto, nosso cérebro é programado para estabelecer crenças rapidamente, de forma intuitiva e emocional. Isso é bem diferente da maneira como funciona a ciência.

Valor: Como conciliar seu ceticismo com alegações de que nossos cérebros são, do ponto de vista da neurociência, programados para acreditar? Ou por que não ser cético sobre neurociência também?

Shermer: Devemos ser céticos em relação à neurociência, à ciência e até mesmo ao ceticismo! Não há problema em ser cético sobre tudo. Não há vacas sagradas. No entanto, é importante notar que isso não significa que vale tudo e que todas as "teorias" têm o mesmo valor científico. Toda pessoa tem direito às próprias opiniões, mas nem todo mundo tem direito aos próprios fatos.

Valor: O sr. admite que a neurociência tem se tornado uma forma de explicar tudo, reivindicando para si o que a psicanálise, por exemplo, tinha deixado no inconsciente?

Shermer: A psicanálise estava correta em sua teoria de que muito do que se passa dentro do cérebro acontece inconscientemente, mas não há muito mais que esteja certo na psicanálise. Freud falhou no componente mais importante na ciência: o teste de hipóteses. Ele nunca tentou testar suas hipóteses e baseou suas teorias sobre estudos de caso, o que pode ser muito enganador. Eu sou cético em relação à psicanálise também.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

"A crença no sobrenatural é perigosa", diz Michael Shermer

Michael Shermer é um dos líderes do movimento cético, pensamento crítico e divulgação científica e é um dos grandes inspiradores deste blog. Semana passada, o seu último livro foi lançado em português com o título Cérebro e Crença. Semana que vem, no dias 27 e 29 de agosto, em Porto Alegre e São Paulo, ele será palestrante do evento Fronteiras do Pensamento. Ele foi entrevistado pela Revista Veja:




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fonte: Veja


Há trinta anos o psicólogo americano Michael Shermer se dedica a combater superstições. Ele criou uma ONG, uma revista (Skeptic Magazine), sites e programas de TV focados em promover o pensamento científico e desmascarar charlatões. Shermer, que chega ao Brasil no fim deste mês para uma série de palestras, é autor de quinze livros. O último, Cérebro e Crença, foi lançado em português na semana passada. Nesta entrevista, publicada na edição de VEJA desta semana, ele diz que a tendência a se iludir com fantasias é própria do processo mental humano e defende o combate à crendice em favor do progresso.

Por que as pessoas acreditam no inacreditável?
A evolução fez do cérebro uma espécie de máquina de reconhecimento de padrões na natureza. Às vezes, esses padrões são reais, mas na maioria dos casos são fruto da imaginação. Milhões de anos no passado, ao ouvir um barulho vindo da mata, um hominídeo poderia supor que se tratava de algo inofensivo, como o vento. Se estivesse errado, e fosse um predador, correria o risco de ser devorado. Nosso ancestral poderia, por outro lado, imaginar a presença de uma divindade perigosa no mato e se afastar o mais rápido possível.

A segunda opção é a que a maioria adota. Imaginar o perigo e fugir garante a sobrevivência, mas também a ignorância. Ir até o mato verificar do que realmente se trata o barulho exige curiosidade e uma batalha contra os instintos. É nessa categoria, a dos homens que não se rendem a narrativas fictícias, que se encaixa o cientista. Os crentes seguem a trilha inversa, a dos que se contentam com suposições sobrenaturais. É um fenômeno que tem a ver com a química do cérebro: a convicção de que o pensamento mágico é o que basta para a compreensão do universo produz uma sensação de prazer. Ficamos felizes em imaginar que seres místicos, sejam eles deuses ou extraterrestres, se preocupam e cuidam de nós. Não nos sentimos sós.

Como se sabe que o cérebro é propenso a acreditar no fantástico?
A neurociência identifica padrões de ondas cerebrais distintos que nos levam a criar crendices e a ter prazer na constatação de que temos respostas às nossas dúvidas. Em situações extremas, como as enfrentadas por quem está no limite da resistência física ou próximo à morte, o cérebro reage com a redução da atividade na área responsável pela consciência e o aumento em regiões ligadas à imaginação. Essa reação natural está na origem das alucinações. Não há mistério nesse processo. Os cientistas são capazes de produzir visões ou a sensação de transcendência espiritual com o estímulo artificial de certas áreas do cérebro.

O senhor foi um cristão evangélico ativo no esforço de atrair fiéis para sua igreja. Como se tornou um cético?
Somos mais abertos à religião na juventude e na velhice. Naturalmente, no fim da vida é comum procurar por conceitos reconfortantes, ainda que irreais. No meu caso, o apelo da crendice me atingiu na juventude, como uma explicação fácil para tudo o que existe. A religião tem um apelo social enorme. O ambiente alentador de uma comunidade ajuda a afastar as dúvidas até daqueles que não acreditam plenamente no sobrenatural e nos dogmas religiosos. Desvencilhei-me da crença ao entrar para a comunidade científica. O método científico, cujo princípio básico é o de que qualquer afirmação deve ser comprovada em experimentos repetidos, alimenta o ceticismo e favorece o progresso.

O que faz com que a ciência seja a melhor ferramenta para explicar o mundo?
A ciência é democrática. Qualquer um pode estudar e chegar a conclusões racionais. Cientistas estão abertos à possibilidade de estarem errados e, por isso, promovem a invenção e a reinvenção de conceitos. É o que garante o avanço do conhecimento. A crendice é intolerante. Fixa uma verdade e não abre espaço para perguntas. Se nos apegássemos apenas ao sobrenatural, nunca teríamos saído da floresta e criado a civilização.

No mundo moderno, ainda precisamos da crença?
É impossível deixar de crer. A ciência também depende da nossa capacidade de elaborar crenças. Qualquer experimento nasce com uma premissa baseada no que se acredita ser verdade. Ideologias também precisam da habilidade de crer. Eu acredito no liberalismo, na democracia e nos direitos humanos. Podemos, porém, abandonar o que não pode ser explicado, como deuses e bruxos. Não nos faria falta.

Há vantagens na crença?
A evolução nos concedeu a habilidade de acreditar por boas razões. A crença em divindades nos levou a temer o mundo e, com isso, nos ajudou a sobreviver nele. Também contribuiu para a formulação de leis que regiam comunidades primitivas. A moral e a ética nasceram na religião.

Se a ética tem origem religiosa, por que ela prevalece na sociedade laica?
As igrejas se tornaram um fator de corrupção, motivo de guerras e perseguições. Por sorte, presenciamos o declínio da crença no sobrenatural. Países do norte europeu, onde apenas um quarto da população segue alguma religião, têm índices de criminalidade, suicídio e doenças sexualmente transmissíveis inferiores aos de estados em que a maioria dos habitantes é de crentes, como os Estados Unidos e o Brasil. Se a religião se declara um bastião da bondade, por que, historicamente, estados teocráticos são mais suscetíveis à criminalidade do que os seculares?

Apesar de vivermos na era da ciência, cresce a crença no sobrenatural. Por quê?
É verdade que vivemos num mundo em que a ciência faz parte do dia a dia. Todos gostam de iPhones e admiram as naves que pousam em Marte. Mas poucos abdicam de crenças sobrenaturais e aceitam a ciência como ferramenta para explicar o universo. A maioria só quer aproveitar os produtos da ciência. Quando se trata de responder a dúvidas primordiais, como a origem do universo ou o sentido da existência, preferem explicações irreais, mas convincentes em suas narrativas fictícias.

Por que o senhor se dá ao trabalho de combater a superstição?
Sempre me perguntam por que não deixo os crentes em paz. Ocorre que a crença no sobrenatural não é inócua. Ao contrário, é bastante perigosa. Acreditar na dita medicina alternativa é um exemplo. Muita gente morre por substituir o tratamento médico sério por procedimentos supersticiosos, como o consumo de ervas com propriedades supostamente milagrosas.

Não é possível provar a existência de divindades e criaturas fantásticas. O senhor concorda que também é difícil provar que não existam?
O fato de não explicarmos um mistério não significa que ele exija explicações sobrenaturais. Só mostra que ainda não há resposta. O ônus da prova cabe aos crentes. O cético só crê no que é provado. Nesse aspecto, a ciência tem feito bom trabalho ao desmascarar mitos. No passado, já se acreditou que a Terra viajava pelo cosmo no lombo de um elefante. Existem 10.000 religiões. Espanta-me a arrogância de quem supõe que só uma crença seja correta em meio a tantas.

O senhor leva em consideração que pode estar errado?
Assim como todos, só descobrirei a resposta quando morrer. Como cientista, estou aberto à possibilidade de ter me enganado. Se houver um ou vários deuses, ficarei surpreso. Mas não tenho medo. Se há um Deus, ele me deu um cérebro para pensar. Meu pecado seria usá-lo para raciocinar e buscar explicações? Um ser benevolente não me puniria por utilizar bem as armas que me concedeu.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

O que é o bóson de Higgs?

por Felipe Nogueira Barbara de Oliveira


"There is real poetry in the real world. 
Science is the poetry of reality." 
Richard Dawkins

No dia 4 de julho, foi divulgada a notícia de que o bóson de Higgs pode ter sido encontrado no LHC (Large Hadron Collider), o maior colisor de partículas do mundo. Mas o que é o bóson de Higgs? 

Em 1687, no seu livro Principia, Isaac Newton publicou suas leis de movimento e sua lei da gravitação universal. As leis de Newton, que ficaram conhecidas como mecânica newtoniana, podem ser usadas para calcular a órbita da Lua e de planetas distantes e elas previram a existência de Netuno. No entanto, observações das partículas atômicas e subatômicas não eram consistentes com a mecânica newtoniana.

Esse problema é resolvido pela mecânica quântica, que começou a ser criada por volta de 1900 com a idéia proposta por Max Planck de que a energia é radiada e absorvida em elementos discretos, chamados de quanta. Utilizando essa idéia, Einstein também contribuiu para o início da mecânica quântica com a publicação de um artigo em 1905, no qual postulou que a luz é formada por partículas individuais. Até 1930, diversos cientistas contribuíram para criação das leis da mecânica quântica, entre eles Bohr, Heinsenberg, Schrödinger e Dirac.

Um dos princípios da mecânica quântica é a dualidade onda-partícula, que diz que todas partículas comportam-se tanto como ondas ou como partículas. Outro fundamento central da mecânica quântica é o princípio da incerteza de Heisenberg: quanto mais precisamente se sabe a posição de uma partícula, menos precisamente se sabe a sua velocidade, e vice-versa. Bem diferente da mecânica newtoniana, onde o estado futuro de um corpo em movimento pode ser previsto com certeza, a mecânica quântica apenas prediz probabilidades para os diferentes estados futuros de uma partícula. Por mais absurdo que possa parecer, as previsões feitas pela mecânica quântica são todas confirmadas experimentalmente com altíssima precisão.

Para descrever corretamente o nível atômico e subatômico, é necessário descrever as leis naturais de forma quântica. As teorias que fazem isso são chamadas de teorias quânticas de campo. De acordo com a física clássica, forças são transmitidas por campos. Mas, nas teorias quânticas de campo, os campos de força são contituídos de partículas transmissoras de forças, chamadas de bósons. Quatro forças da natureza são conhecidas: gravidade, eletromagnetismo, força nuclear forte e força nuclear fraca. O eletromagnetismo, que classicamente é descrito pelas equações de Maxwell, foi a primeira força a ganhar uma versão quântica, chamada de QED (quantum electrodynamics), o que rendeu o prêmio Nobel de 1965 aos físicos Richard Feynman, Tomonaga e Schwinger.

Já a versão quântica da força fraca, simplificadamente, só foi possível através da unificação da força fraca e eletromagnetismo na força eletrofraca, que previu a existência dos bósons W e Z.  Finalmente, a força forte, responsável por manter quarks unidos dentro de prótons e nêutrons, é descrita pela QCD (quantum chromodynamics). Uma característica incrível da QCD é que, quanto mais perto estão os quarks, menor é a interação entre eles proveniente da força forte.

As teorias eletrofraca e QCD junto com as descrições das partículas existentes são agrupadas no Modelo Padrão (Standard Model). Conforme mostra a figura a seguir, 17 partículas são descritas pelo Modelo Padrão. As partículas são divididas em fermións e bósons. Os férmions, ou as partículas de matérias, são classificados de acordo com as forças que interagem: se interagem com a força forte, são chamados de quarks; se interagem com a força eletrofraca, são chamados de léptons. Já os bósons, como mencionado, são partículas mediadoras das forças: gluón para força forte, W e Z para força fraca, e fóton para o eletromagnetismo.
O problema é que enquanto algumas partículas possuem massa, como o elétron e os bósons W e Z, outras partículas tem massa igual a zero, como o fóton e o gluón. O campo de Higgs é a explicação para essa disparidade de massas entres as partículas do Modelo Padrão. A massa das partículas é proveniente da interação com o campo de Higgs, que está presente em todo lugar; quanto mais uma partícula interage com o campo de Higgs, mais pesada ela é. Por exemplo, o fóton, que não tem massa, não interagiu com o campo de Higgs.

Esse mecanismo de Higgs, a forma como as partículas ganham massa, pode ser explicado simplificadamente através da seguinte analogia. Suponha uma sala com diversas pessoas. Quando uma pessoa desconhecida chega na sala, o grupo não vai dar importância, nem notando que uma pessoa chegou e ela atravessará a sala com facilidade. No entanto, conforme ilustra a próxima figura, se uma celebridade mundialmente conhecida, como Richard Dawkins, chegar na sala, as pessoas notam e se aglomeram em volta de Dawkins querendo cumprimentá-lo. O caminhar de Dawkins pela sala é dificultado pelas pessoas em volta dele, como se ele fosse mais pesado. Relembrando que em teoria quântica de campo bósons são portadores de forças, o bóson de Higgs é o mediador do campo de Higgs, assim como o fóton é o mediador do eletromagnetismo, ou como o gluón é o mediador da força forte. Na analogia, as pessoas da sala formam o campo de Higgs, então cada pessoa representa um bóson de Higgs. A pessoa desconhecida é uma partícula que não interagiu com o campo de Higgs, como o fóton, e, por isso, não tem massa. Já Richard Dawkins representa uma partícula que interagiu com o campo de Higgs, como as partículas W e Z, e por isso tem massa.

Com exceção do bóson de Higgs, todas as demais partículas do Modelo Padrão foram encontradas em aceleradores de partículas. O problema em encontrar o bóson de Higgs é que altíssima energia é necessária  e ele decai em outras partículas muito rapidamente. Por essa grande dificuldade, o ganhador do prêmio Nobel Leon Lederman tinha em mente o nome The Goddam Particle (A Maldita Partícula) para o seu livro sobre esse bóson. O editor do livro insistiu para que as letras dam fossem removidas do título e o nome do livro tornou-se The God Particle, que em português significa A Partícula de Deus. No entanto, o bóson de Higgs nada tem a ver com Deus, ou algum ser sobrenatural. 

Resultados independentes de duas equipes de cientistas confirmam que foi detectado no LHC um novo bóson que tem características em comum com o bóson de Higgs descrito no Modelo Padrão. No entanto, isso ainda não significa que o bóson encontrado é justamente o bóson de Higgs; mais análises são necessárias para entender o que é o novo bóson. Se for mesmo o bóson de Higgs, todas as previsões feitas pelo Modelo Padrão estarão corretas; o Modelo Padrão consagra-se, até agora, como a melhor descrição de como o Universo funciona. Mas isso não é o final da história para compreensão do Universo, longe disso: o Modelo Padrão não inclui a gravidade.

Além de não explicar corretamente a natureza atômica e subâtomica, a lei da gravidade de Newton também falha em escalas muito grandes. Na realidade, o modelo corrente da gravidade é a teoria da Relatividade Geral, proposta por Einstein. O que sentimos como gravidade é, na verdade, a curvatura do espaço-tempo provocada por massa ou energia, conforme mostra a figura a seguir.

Um dos grandes problemas da física é que ainda não há uma versão quântica da teoria da relatividade geral. Além disso, o que diversos físicos buscam é uma teoria que unifique todas as forças da natureza, o que Einstein chamou de theory of everything, teoria de tudo.

O problema inicial de uma teoria quântica da gravidade é que, abaixo da escala atômica, a gravidade é bem mais fraca que as demais forças e seus efeitos só tornam-se significativos em escalas muito pequenas, escalas menores que a constante de Planck. O nível de energia necessário para explorar essa pequenina escala é altíssimo e está longe do alcance de qualquer acelerador de partículas já construído. Até o momento, o que domina a busca pela gravidade quântica e unificação das forças da natureza é a teoria das Supercordas, ou teoria-M, que descreve as partículas não como "pontos", mas como cordas vibratórias. No entanto, a teoria-M não é apenas uma única teoria, mas cinco diferentes e não inclui o estabelecido Modelo Padrão. A teoria-M também é criticada ferozmente por físicos renomados como Lawrence Krauss, Lee Smolin, Peter Woit e o ganhador do prêmio Nobel Sheldon Glashow pela falta de previsões testáveis.

Se o bóson de Higgs foi realmente encontrado, essa será a maior descoberta científica dos últimos anos. O Modelo Padrão ficará, definitivamente, estabelecido. No entanto, isso ainda não é o fim da busca pela compreensão das leis mais fundamentais do Universo. Nessa busca, a única coisa que importa é a verdade, não importa o quão estranha ela seja. Ou seja, as teorias precisam ser refutáveis, elas precisam fazer previsões que possam ser testadas por experimento ou observação. É justamente isso que separa o certo do errado; é o que separa teorias científicas de meras opiniões, ou de crenças pessoais.



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Agradeço ao físico Daniel da Costa Bezerra pela revisão do texto. O blog dele é: http://otelhado.wordpress.com/

    


  

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Antioxidantes? É mais complicado que isso.

por Harriet Hall
Tradução: Felipe Nogueira Barbara de Oliveira
Fonte: Skeptic



Estou ficando muito aborrecida com antioxidantes. Assim como os cães de Pavlov, estou ficando condicionada a me contorcer quando escuto a palavra “antioxidante”, porque frequentemente está acompanhada de simplificações, distorções e verdades parciais. A publicidade está em todos lugares, em revistas, na Internet, no rádio, em livros, em lojas. Antioxidantes prometem prevenir doenças cardíacas, câncer, cataratas, doença de Alzheimer, até mesmo rugas; eles farão você viver mais e manterão sua mente brilhante, enquanto fazem você se sentir jovem novamente. Bem, quem não quer isso? Todos os dias eu sou bombardeada com recomendações de alimentos, suplementos, e cremes para a pele que são “uma boa fonte de antioxidantes”, “cheios de antioxidantes”, ou produtos “anti-envelhecimento”. Todos sabem que antioxidantes são maravilhosos. Todos com exceção de cientistas céticos que compreendem que é um pouco mais complicado que isso.


Antioxidantes previnem oxidação. Oxidação é o processo no qual oxigênio combina-se com outras substâncias. Quando oxigênio combina-se com ferro, chamamos de ferrugem. Mas o que é “ferrugem” no nosso corpo? Radicais livres ou espécies reativas de oxigênio são moléculas ou íons que possuem um elétron não pareado desesperado para completar um par. Metabolismo normal cria radicais livres como superóxido e radicais de hidroxila. Eles são necessários para a vida; precisamos deles para matar bactérias, para o processo de sinalização celular, e para outras funções. Mas como radicais livres vão reagir indiscriminadamente com qualquer coisa, eles também podem causar danos, por exemplo reagindo com DNA, causando mutações. Estresse oxidativo (excesso de radicais livres) foi associado com câncer, doenças cardíacas e muitas outras desordens; mas não está claro se eles são causa, resultado, ou um espectador inocente que “apenas pegou carona no passeio”. Algumas pessoas acreditam que o dano acumulado de radicais livres causa o envelhecimento e morte prematura; eles assumem que evitar o dano com antioxidantes aumentaria a nossa expectativa de vida.


Precisamos de radicais livres para funcionarmos adequadamente, mas em excesso eles podem causar danos. Nossos corpos sabem o suficiente para não deixar o caos reinar descontroladamente. Eles produzem enzimas neutralizantes, como superóxido dismutase, catalase e peroxidases, para manter a população de radicais livres sob controle. Nossos corpos fazem uso das vitaminas antioxidantes A, C e E da nossa alimentação, e produzem metabólitos como bilirrubina e ácido úrico com propriedades antioxidantes.


Podemos fazer nossa parte em manter a defesa dos nossos corpos garantindo uma dieta adequada em nutrientes. Mas podemos, devemos, fazer mais? Quanto mais é suficiente? Devemos tomar suplementos? É sedutor pensar que podemos prolongar nossas vidas. Se antioxidantes são bons, então mais antioxidantes não seria, necessariamente, melhor?


Infelizmente, é mais complicado que isso. Como explica Ben Goldacre no seu livro Bad Science,

Bioquímica humana é uma vasta rede interligada. Uma intervenção em um lugar pode ter consequências inesperadas; existem mecanismos de feedback, mecanismos compensatórios. Taxas de mudanças em uma área localizada podem ser limitadas por fatores inesperados que estão bem distantes do lugar que você está alterando, e excesso de uma coisa em um lugar pode distorcer o caminho e fluxo usuais, produzindo resultados contra-intuitivos.


Droga! Pseudociência e marketing parece tão fácil e direto e preto no branco; por que ciência real tem de ser tão difícil?


O que acontece quanto ingerimos mais antioxidantes do que precisamos? O excesso é excretado? Eles apenas ficam sentados não fazendo nada? Eles fazem algo que não esperávamos? Seria legal saber.


Há boa evidência de que pessoas que comem mais frutas e vegetais estão menos propensas a desenvolver câncer, doenças cardíacas e outras doenças – e estão mais propensas a viver mais. É facil assumir que são os antioxidantes nas frutas e vegetais os responsáveis, mas isso pode não ser verdade. Outros componentes nesses alimentos (como flavonóides) ou a mistura de componentes na dieta podem ser os responsáveis. Ou pessoas que comem menos frutas e vegetais estão comendo mais de alguma coisa que causa tais doenças.


Se antioxidantes em alimentos reduzem a incidência dessas doenças, é apenas lógico pensar que suplementos de antioxidantes também reduziriam a incidência ainda mais. Infelizmente, estudos controlados tem mostrado consistentemente que ou eles não tem efeito ou fazem as coisas piorar. Não é a primeira vez que a realidade interveio rudemente acabando com uma boa idéia. Estudos após estudos não mostraram nenhum beneficio de antioxidantes para doenças cardíacas, câncer, doença de Parkinson, doença de Alzheimer, ou longevidade. Um estudo mostrou que uma combinação de antioxidantes diminuiu a progressão de uma estabilizada, moderada a severa, degeneração macular, porém mais pesquisas são necessárias para confirmar esses resultados.


Estudos observacionais iniciais sugeriram que suplementos de vitamina E reduzem o risco de doença cardíaca. Eu lembro de ler um relatório de um cardiologista quando o entusiasmo ainda estava em alta. Ele e seus parceiros receitavam altas doses de vitamina E para seus pacientes, além deles próprios tomarem. Depois que eles e muitos dos pacientes desenvolveram sintomas de gripe, finalmente caiu a ficha que eles estavam experimentando efeitos tóxicos de overdose de vitamina E. Eles diminuíram a dose, mas continuaram a usar. Depois, melhores estudos mostraram malefícios ao invés de benefícios. Sujeitos tomando vitamina E estavam mais propensos a desenvolver falha cardíaca.


Suplementos de antioxidantes podem causar danos. Eles podem ser tóxicos em altas doses, podem ligar-se a minerais na dieta, impedindo sua absorção, e podem aumentar o risco de câncer de pulmão. Um estudo terminou precocemente porque pacientes tomando betacaroteno possuíram uma chance 46% maior de desenvolver câncer pulmonar. Mulheres na pós-menopausa que tomaram suplementos de vitamina A tiveram mais fraturas. Alguns estudos mostraram aumentos de adenomas colorretais. Há razões para pensar que antioxidantes podem interferir com tratamentos de câncer.


Uma análise de 68 testes clínicos com quase um milhão de indivíduos encontrou que suplementos de antioxidantes foram adequadamente testados e não possuem benefício. Os que acreditam em antioxidantes argumentam que os estudos podem não ter testado as substâncias corretas ou podem não ter usado as doses ótimas.


A indústria da “superalimentação” tem capitalizado na loucura de antioxidantes. A receita é simples: escolha uma fruta, de preferência alguma exótica e tropical. Afirme que é um “superalimento” com benefícios únicos. Desenvolva um concentrado, uma pílula, ou uma mistura com outros ingredientes especiais. Faça propagandas com afirmação que podem escapar das restrições da FDA. Solicite testemunhos, fabrique-os se necessário. Escolha diversos de seus amigos para experimentar, podendo afirmar que está “clinicamente testado”. Comece uma empresa de marketing multinível. Cobre altíssimos preços. Faça altos orçamentos. Suco de noni, açaí, mangostão, goji, camu-camu; até o menos exótico chá verde, blueberries e romãs tem gerado fortunas. O conceito de superalimentação envolve uma falácia. Essas frutas não oferecem nenhum benefício que não pode ser obtido de componentes de uma dieta saudável. O fato que eles possuem muita quantidade de um nutriente é insignificante, dado que você pode obter a mesma quantidade comendo mais outros alimentos que contem quantidades menores. Uma pílula de 650 mg de Tylenol não funciona nada melhor que duas pílulas de 325 mg.


Todos os tipos de suplementos de antioxidantes são vendidos. Cada um afirma benefícios únicos, mas apoiam essas afirmações com testemunhos ao invés de evidências reais. Alguns dependem de um artifício como um processo manufaturado diferenciado ou melhor absorção. Eles podem afirmar um efeito sinergético de uma certa combinação de ingredientes, mas tais afirmações nunca são apoiadas por estudos publicados. Como eles decidiram combinar esses ingredientes? Alguém na empresa usou intuição ou atirou um dardo no alvo?


Um produto anti-envelhecimento, Protandim, afirma agir por uma abordagem diferente. “Persuade o seu corpo a aumentar a própria produção de antioxidantes” e supostamente “ajuda a prevenir danos causados por radicais livres às células do corpo de forma mil vezes mais efetiva que qualquer terapia antioxidante convencional... diminuindo a taxa de envelhecimento celular para o nível de 20 anos de idade.” O que tem nesse produto? Cardo de leite, bacopa, ashwagandha, extrato de chá verde e turmérico. Hmm... e como exatamente essa combinação particular persuade o seu corpo a aumentar sua produção de antioxidantes?


Como eles sabem que funciona? Eles têm a grande quantidade de apenas um estudo em humanos: mostrou um aumento no exame de sangue TBARS ([sigla em inglês para] Substâncias Reativas ao Ácido Tiobarbitúrico). Eles têm um estudo mostrando que reduziu a incidência de câncer de pele em ratos. Eles possuem alguns outros estudos em ratos e tubos de ensaio. Eles não possuem nenhuma evidência dos efeitos clínicos em humanos, muito menos de expectativa de vida aumentada. Mas eles possuem muitos testemunhos e você pode assinar para torna-se um distribuidor.


Seja cauteloso com afirmações baseadas em melhoras em exames laboratoriais. Há muitos deles, como TBARS e pontuações ORAC ([sigla em inglês] para Capacidade de Absorção de Radicais de Oxigênio); você mesmo pode comprar um teste de urina caseiro para medir o nível de peróxido lipídico. A mesma substância pode mostrar tanto efeitos pró-oxidantes ou anti-oxidantes, dependendo do teste que você escolher. O corpo humano é um ambiente mais complicado que o tubo de ensaio. Nenhum desses testes in vitro foram validados como efeitos antioxidantes in vivo ou como algum beneficio clínico. Não foi mostrado que produtos com altos níveis de TBARS melhoram o estado de um paciente em alguma métrica objetiva. Vitamina E, que sabemos ser um poderoso antioxidante no corpo, possui uma baixa pontuação ORAC.


Antioxidantes são importantes para saúde, mas radicais livres também. Precisamos saber mais antes de recomendar com confiança a ingestão de antioxidantes para todo mundo. A Associação Americana do Coração não recomenda a ingestão de suplementos antioxidantes; eles estão esperando até melhores evidências estarem disponíveis. Por enquanto, eles dizem o que Mamãe dizia: “Coma seus vegetais.” Esse é um conselho prudente para outras razões de saúde também; é um arremesso certeiro.

sábado, 14 de abril de 2012

Você é Ateu ou Agnóstico?

por Michael Shermer
Tradução: Felipe Nogueira Barbara de Oliveira
Fonte: Skepticblog

Recentemente meu amigo e colega na ciência e ceticismo Neil deGrasse Tyson lançou uma afirmação pública via BigThink.com na qual ele afirmou não gostar de rótulos porque eles carregam toda a bagagem que a pessoa pensa que já sabe sobre tal rótulo particular, e então ele prefere não usar rótulo em relação  à pergunta de deus e simplesmente diz ser agnóstico. 



Cérebro e Crença, de
Michael Shermer
Eu já escrevi sobre isso muitas vezes ao longo dos anos, e meu livro How We Believe, publicado em 1999, explica em detalhes por que eu também odeio rótulos. De fato, no meu livro posterior The Mind of the Market, eu expliquei por que eu também não gosto do rótulo "libertário", porque as pessoas automaticamente pensam que isso significa acreditar em coisas que sou muito propenso a não acreditar (por exemplo, que humanos são por natureza puramente egoístas, que não temos obrigação moral de ajudar os outros em necessidade, que ganância é o único motivo que conta em negócios, e que Ayn Rand era na realidade o Messias), e, em vez disso, prefiro analisar questão por questão. No entanto, os rótulos "libertário" e "ateu" permanecem, e como eu expliquei no meu livro último livro, Cérebro e Crença (The Believing Brain), eu desisti da luta anti-rótulo e simplesmente me chamo por esses rótulos. Com efeito, o que uma vez pensei ser preguiça intelectual dos meus interlocutores que pareciam não se importar em ler minhas explicações e no que, exatamente, eu acredito sobre essa ou aquela questão, hoje vejo como um processo de atalho cognitivo. O tempo é curto e a informação é vasta. Na maioria das vezes, nossos cérebros classificam informação em categorias que já conhecemos, com o objetivo de passar para o próximo problema, como por que nenhuma banda de restaurante mexicano que eu já perguntei parece conhecer uma das maiores obras espanholas já produzidas: Malagueña. É um enigma embrulhado num mistério dentro de uma tortilla. 

De qualquer maneira, vale a pena pensar na diferença entre ateu e agnóstico. De acordo com o Oxford English Dictionary: Teísmo é a "crença em uma divindade, ou divindades" e "crença em um Deus como criador e governador supremo do universo." Ateísmo é a "Descrença na, ou negação da, existência de um Deus." Agnosticismo é desconhecimento, desconhecido, desconhecível." Agnosticismo foi cunhado em 1869 por Thomas Henry Huxley para descrever suas próprias crenças: 
Quando eu atingi maturidade intelectual e comecei a me perguntar se eu era um ateu, um teísta, ou um panteísta...Eu percebi que quanto mais eu aprendia e refletia, menos preparada era a resposta. Eles [crentes] eram bem certos que eles atingiram uma certa ‘gnose,’ – tinham, com mais ou menos sucesso, resolvido o problema da existência; enquanto eu estava bem certo que eu não tinha resolvido, e tinha uma convicção bem forte que o problema era insolúvel. 

É claro que ninguém é agnóstico comportamentalmente. Quando agimos no mundo, agimos como se um Deus existe ou como se Deus não existe, então temos de fazer uma escolha, se não intelectualmente, pelo menos comportamentalmente. Nesse sentido, eu assumo que Deus não existe e vivo minha vida de acordo com isso, o que me faz um ateu. Em outras palavras, agnosticismo é uma posição intelectual, uma afirmação em relação à existência ou não existência da divindade e nossa habilidade de saber isso com certeza, enquanto ateísmo é uma posição comportamental, uma afirmação em relação às suposições que fazemos sobre o mundo no qual agimos. 

Quando a maioria das pessoas emprega a palavra "ateu", eles estão pensando no ateísmo forte que afirma que Deus não existe, o que não é uma posição sustentável (não se pode provar a negativa). Ateísmo fraco simplesmente impede a crença em Deus por falta de evidências, como praticamos por quase todos os deuses já acreditados na história. Da mesma forma, as pessoas tendem a equacionar ateísmo com uma certa ideologia política, econômica e social, tais como comunismo, socialismo, liberalismo extremo, relativismo moral, e similares. Como eu sou um conservador fiscal, civil libertário, e definidamente não sou um relativista moral, essa associação não está adequada a mim. A palavra “ateu” é boa, mas como eu publico uma revista chamada Skeptic [cético, em inglês] e escrevo uma coluna mensal para Scientific American chamada "Skeptic," eu prefiro cético como o meu rótulo. Um cético simplesmente não acredita numa afirmação de conhecimento até evidências suficientes serem apresentadas para rejeitar a hipótese nula (uma afirmação de conhecimento não é verdade até que se prove o contrário). Eu não sei se Deus não existe, mas eu não acredito em Deus, e tenho boas razões para pensar que o conceito de Deus é construído sociologicamente e psicologicamente. 

O ônus da prova está nos crentes em provar a existência de Deus – não nos descrentes em refutar a existência de Deus - e até hoje os teístas falharam em provar a existência de Deus, pelo menos pelos altos padrões de evidência da ciência e razão. Então nos voltamos novamente para natureza e origem da crença em deus. No livro The Believing Brain, eu apresentei evidências extensas para demonstrar bem positivamente que humanos criaram deus e não vice-versa. 








quinta-feira, 12 de abril de 2012

Atualização: Homeopatia na Scientific American Brasil

Foi excelente a repercussão da crítica feita por Harriet Hall (que participei diretamente) à nota da homeopatia publicada na edição de Abril da Scientific American Brasil. Ela publicou um outro post no SBM sobre a repercussão, junto com a minha tradução para o português. 

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por Harriet Hall
tradução: Felipe Nogueira Barbara de Oliveira

Semana passada, eu escrevi a respeito de uma nota lamentável sobre homeopatia que foi publicada na Scientific American Brasil.

Houve uma repercussão gratificante. Em questão de horas, a editora-chefe da Scientific American, Mariette DiChristina, apareceu nos comentários. Ela disse que a Scientific American não apoia a pseudociência da homeopatia, que tal nota não deveria ter sido publicada, que nunca seria publicada se a Scientific American fosse consultada previamente, e que ela reclamou com as partes responsáveis. Eu fiquei muito grata pela sua resposta ao meu artigo, pela sua intervenção, e pela sua vontade de se pronunciar em defesa à boa ciência.

E eis que dois dias depois a Sra. DiChristina reportou que o editor da Scientific American Brasil escreveu uma carta de desculpas e a publicou no website.

Eu espero que isso seja seguido por uma desculpa impressa na próxima edição da revista, mas estou contente que foi publicada imediatamente. Ele prontamente admitiu que explicar por que ele cometeu o erro não o justifica. É claro que alguém na sua posição de responsabilidade científica nunca deveria ter sido convencido pelos fatores que o convenceram (legalidade, financiamento, etc.). E o fato de outros durante a história terem cometido erros famosos não o desculpa de seus próprios erros.

Ciência está viva e bem no Brasil

Homeopatas estão presumivelmente comemorando na Internet que suas crenças agora possuem o apoio da Scientific American, como neste exemplo. Mas é encorajador ver que muitos brasileiros reclamaram dessa infiltração de pseudociência na revista. É encorajador saber que o blog SBM tem seguidores no Brasil. Pelo menos um blogger brasileiro já reclamou com a Scientific American Brasil, e ele reproduziu sua própria carta assim como meu post aqui.

Eu recebi um e-mail de um pesquisador brasileiro que às vezes escreve contra a homeopatia. Ele anexou vários artigos que ele escreveu, incluindo críticas a artigos publicados favoráveis a homeopatia e uma coletânea de jornais brasileiros mostrando um viés favorável na cobertura da homeopatia. Ele atualmente está pesquisando em uma base de dissertações de Mestrado e Doutorado de uma fundação científica brasileira, e identificou dezenas de dissertações em homeopatia – a grande maioria delas afirmando resultados experimentais positivos. Eu espero que ele eventualmente publique seus achados. Parece que, embora a homeopatia seja valorizada no Brasil, o mesmo pode ser dito da medicina baseada em evidências e do pensamento crítico.

Mariette DiChristina Dá Um Exemplo

Sra. DiChristina deveria ser aplaudida pela sua rápida intervenção e pela sua defesa de padrões científicos rigorosos. Um de nossos comentadores disse “Eu achei bem interessante que a editora-chefe da Scientific American demonstrou mais integridade científica em padrões de periódicos do que editores de periódicos que afirmam altos fatores de impacto na área da ciência médica.” Que verdade lamentável!

No blog SBM, frequentemente criticamos a publicação de estudos ruins e artigos crédulos sobre MCA (medicina complementar e alternativa) pelos principais periódicos de medicina e perguntamos como esses artigos passaram pelos editores e revisores. Há exemplos de artigos que foi provado serem fraudulentos, mas que nunca foram repudiados pelos periódicos.

Lancet finalmente retratou o vergonhoso artigo de Wakefield, mas isso demorou 12 anos para acontecer. Criticamos até mesmo o prestigiado New England Journal of Medicine por artigos mal orientados em medicina integrativa, e acupuntura.

Criticamos o National Center for Complementary and Alternative Medicine (NCCAM) por desperdiçar fundos em pesquisas muito questionáveis. Sua diretora, Josephine Briggs, pareceu receptiva à nossa mensagem, mas ela foi igualmente receptiva a um grupo internacional de homeopatas que saíram das instalações bem satisfeitos com a favorável impressão que deixaram.

Precisaria de muita integridade para um editor de um periódico médico ou um político eleito resistir às atuais tendências de medicina “charlatã-acadêmica”, demanda popular, e ter honestidade política; para chamar charlatanismo de charlatanismo e manter-se firme à medicina baseada em evidências face à oposição de muitos colegas ou empregadores. É possível que ele perca seu trabalho. Mas com certeza seria um esforço que valeria a pena. Sra. DiChristina deixou um bom exemplo para outros seguirem. Eu só posso esperar que outros encontrem a coragem para seguir o exemplo dela.

Nota: Agradeço ao Felipe Nogueira pela ajuda nas traduções. 

Scientific American Declara que Homeopatia é Indispensável para o Planeta e Saúde Humana

Eu fiquei horrorizado com uma nota sobre homeopatia publicada na edição de Abril da Scientific American Brasil. A nota não só defende a utilização da homeopatia na agricultura, como diz que a homeopatia está relacionada com a física quantica e que é indispensável para o equilíbrio do planeta e de todos os seres vivos que vivem nele.

Como um defensor da boa ciência, eu não pude aceitar esse tipo de matéria ser publicada na Scientific American, uma revista que tem o prestígio de informar ciência para o público. Se isso ficasse sem resposta, homeopatas e pessoas leigas iriam achar que homeopatia é ciência. Então, eu traduzi a matéria para o inglês e enviei por email para a médica Harriet Hall, que publica a coluna SkepDoc na revista Skeptic, e faz parte da equipe do blog Science-Based Medicine (SBM). Com isso, ela publicou uma crítica excelente no SBM junto com a minha tradução da sua crítica para o português, que segue abaixo:


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por Harriet Hall
tradução: Felipe Nogueira Barbara de Oliveira
fonte: Science-Based Medicine


Recentemente recebi um email de um dos leitores do SBM no Brasil, Felipe Nogueira Barbara de Oliveira, um aluno de Doutorado em Ciências Médicas e que possui Mestrado em Ciência da Computação e está tentando promover pensamento crítico e medicina científica no seu país. Ele me enviou uma cópia em .jpg de uma pequena matéria publicada na edição de Abril de 2012 da Scientific American Brasil. Ele ficou horrorizado que isso apareceu sob a alcunha da Scientific American, e eu também. A matéria é a seguinte. 

Aviso: isto é doloroso.

É tão ruim que não sei nem por onde começar. Homeopatia não é nada mais que um sistema elaborado de distribuição de placebos. É baseado em pensamento mágico. Ciência básica nos garante que a homeopatia não pode funcionar como afirma (com água lembrando uma substância que não está mais presente e com soluções mais diluídas produzindo efeitos maiores).

E não há evidência confiável que possui algum efeito terapêutico em humanos, muito menos em animais, plantas, solos e água. Não tem nada a ver com física quântica: efeitos quânticos são significativos apenas nas escalas atômica e subatômica, e não explicam a afirmação da homeopatia que a água “lembra” a substância original, muito menos como essa memória poderia afetar a saúde. A afirmação que a homeopatia “trabalha com energia” é apenas imaginação, não demonstrada por evidências.

Rudolph Steiner foi um filósofo que criou o movimento espiritual chamado antroposofia. A ciência de Steiner é a tão chamada “ciência espiritual.” Medicina antroposófica e agricultura biodinâmica são dois ramos da “ciência” de Steiner que ainda são populares em alguns círculos, mas que foram perfeitamente caracterizados como pseudociência por verdadeiros cientistas. Se quiser saber mais sobre medicina antroposófica, você pode ler o que Dr. Gorski escreveu (em inglês) sobre isso aqui.

A autora usa uma linguagem inflamatória para fazer extravagantes  afirmações de danos de pesticidas e fertilizantes, sem nenhuma tentativa de prover alguma evidência para apoiá-las. Ela usa o termo “alopatia”, uma palavra pejorativa sem significado inventada por Hahnemann, o criador da homeopatia, para denegrir seus principais rivais. A autora refere-se ao “princípio dos contrários” de Hipócrates, uma distorção e simplificação de suas idéias. Hipócrates foi um homem esperto, e eu gosto de pensar que, se ele estivesse vivo, ele teria rejeitado a antiga teoria dos “quatro humores” e homeopatia, e teria adotado o método científico. A autora questiona “quem mais se beneficia” das convencionais práticas na agricultura. Eu argumentaria que há benefícios para pessoas que poderiam ter morrido de fome devido a escassez de alimentos se fertilizantes e pesticidas não tivessem funcionado para aumentar a disponibilidade de alimentos. Isso não significa que as práticas correntes não devem ser melhoradas e que não devem ser feitas com mais segurança, mas descartá-las de uma só vez e substituí-las por homeopatia dificilmente é a resposta!

Eu gostaria de saber se isso é algum tipo de sátira, mas eu acho que não. A matéria está na seção “Avanços” e com o rótulo “Saúde”. A autora está nos caçoando, ou ela realmente acredita que “a homeopatia torna-se imprescindível para o equilíbrio do planeta e à saúde de todos os seres que nele vivem”? Talvez ela esteja falando de algum planeta em um universo paralelo, ou dos sonhos dela. Se a Rainha Branca de Alice no Pais das Maravilhas tentasse acreditar nisso antes do café da manhã, o cérebro dela poderia explodir.

Se isso é o que se passa por ciência no Brasil, Brasil está em apuros. Aparentemente as coisas não mudaram muito desde que Richard Feynman teve seu encontro decepcionante com o sistema de educação brasileiro. No entanto, é claro que não é justo destacar apenas o Brasil, porque essas mesmas coisas acontecem em outros países.

Se isso é o que se passa por ciência para Scientific American, a revista é uma caricatura repreensível e deveria cortar a palavra “scientific” do seu título. No que os editores estavam pensando quando eles impuseram esse tipo de lixo aos seus leitores? Que vergonha!

Nota: Obrigado ao Felipe Nogueira Barbara de Oliveira por trazer isso a minha atenção e prover a tradução.




Por que um blog de ceticismo e ciência?

por Felipe Nogueira Barbara de Oliveira

A resposta para a pergunta do título é que há muita informação, idéias, afirmações sendo propagadas sem que as pessoas se indaguem se o que elas estão propagando é verdade ou não. Isso se torna pior quando muitas dessas afirmações são "vendidas" como científicas (as pseudociências), mas na realidade não tem nada a ver com ciência.


Nos Estados Unidos, há várias "sociedades", cientistas e escritores de ciência que tem o objetivo de analisar diversas afirmações e mostrar o porquê elas não são e não devem ser consideradas científicas.  Essas sociedades, como Skeptic Society Skeptical Inquirer, fazem parte do movimento cético e pensamento crítico.  Além dos artigos e posts publicados no sites/blogs do movimento cético e científico, há livros excelentes sobre ceticismo e ciência destinados ao publico em geral. Muitos desses livros são escritos por cientistas renomados, como o biólogo evolucionário Richard Dawkins, o cosmológo Lawrence Krauss e o químico Peter Atkins. Enquanto que nos Estados Unidos há revistas, livros, palestras e conferências, no Brasil são poucos os blogs e sociedades ativas, poucos desses livros estão disponíveis em livrarias brasileiras e eu nunca ouvi falar de nenhuma conferência desse tipo por aqui; o movimento cético e de promoção da ciência é fraco no Brasil, pelo menos mais fraco do que eu gostaria. Então, espero que o blog ajude em alguma coisa. Como muitos assuntos já foram adequadamente tratados em sites/blogs americanos, alguns artigos publicados neste blog serão traduções desses artigos para o português. Nesses casos, a fonte será o link do artigo original e todos os créditos serão mantidos. Meu objetivo é promover ciência!


Para início de conversa, vamos usar a definição de ciência fornecida por Michael Shermer no seu livro Porque as Pessoas Acreditam Em Coisas Estranhas:  
um conjunto de métodos criados para descrever e interpretar fenômenos observados e inferidos, passados ou presentes, e que tem o objetivo de construir um corpo de conhecimento aberto à rejeição ou confirmação.
Ceticismo é uma das principais características da ciência: uma hipótese só é aceita se existir evidências suficientes. Na ciência, o ônus da prova é de quem acusa. Para ilustrar isso, cito o bule de chá de Bertrand Russel: suponha que entre a Terra e Marte há um bulê de chá orbitando o sol numa trejetória elíptica. Se for dito que esse bule é pequeno a ponto de nenhum telescópio ser capaz de detectá-lo, não podemos provar que esse bule não existe. Porém, isso não significa que exista um debate em relação à existência desse bule; não significa que a hipótese do bule existir seja equiparável com a hipótese do bule não existir (hipótese nula). Bertrand Russel criou essa analogia para mostrar que o ônus da prova é de quem afirma, não cabendo aos céticos refutarem a afirmação. Como não é possível provar a não existência do bule, a posição padrão da ciência é o ceticismo: bules de chá não existem até que se prove o contrário; ou seja, uma hipótese é considerada falsa até haver evidências suficientes para rejeitar a hipótese nula.